Tem Santa Cruz na TV? Não, mas tem Orlando City

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Sinistro, aterrador, atordoante. Ou patético, detestável, cretino. Não sei. Despejo esses adjetivos apenas para evitar o tradicional “não há palavras para descrever”, tão desabonador para quem tenta sobreviver através das palavras.

De toda forma, ainda não digeri a matéria de João Castelo Branco na ESPN Brasil, a respeito da torcida brasileira do Chelsea e seus integrantes que estiveram pela primeira vez em Stamford Bridge.

É pior do que temíamos: a tal “estrangeirização” do sentimento já é uma realidade. Já estamos a perder corações para as “marcas” do riquíssimo futebol europeu.

As explicações, certamente, não cabem neste texto e ainda serão alvo de inúmeras reflexões, pois, além de muitas, guardam aspectos externos ao futebol.

Uma matéria da revista Placar, de novembro passado, já atestava que entre a criançada os times do Velho Continente repartiam o número de camisas vendidas. E também atestava a crescente cultura de “torcedores” com mentalidade de cliente, como demonstraram os pais dos meninos mostrados na edição, com um discurso pré-moldado de que por aqui “o estádio é perigoso”, “as condições não são ideais” e todo um blablablá bem alimentado pela mídia de mercado.

Falando nela, temos de chamá-la a assumir responsabilidades. Enquanto alguns comunicadores começam a lamentar o fenômeno, a imensa maioria passou os últimos 20 anos a exaltar, acriticamente, tudo que cheirasse a Europa, dentro e fora de campo, incessantemente.

Além disso, prefere passar um clássico do norte da Inglaterra do que do norte brasileiro. E não me venham com a balela da qualidade, do cenário perfeito do videogame. Sunderland x Newcastle desse domingo, só pra dar um exemplo, foi uma pelada. Vi jogos de igual nível na Freguesia do Ó neste mesmo fim de semana.

Não transmitimos jogos da Copa do Nordeste, das Séries B ou C, com o devido tratamento e consideração. Mas há um punhado de times europeus que podem ter absolutamente todos os seus jogos assistidos por qualquer um que tiver TV a cabo.

Enquanto isso, tudo que soe a rústico e simplório é tratado com vergonha, algo que devesse ser superado e deixado para trás. Ignora-se a própria condição do país e trata-se com desprezo um estádio como o Canindé, que passou a vida inteira recebendo, e bem, grandes jogos e torcidas. E decreta-se como algo inaceitável a paisagem dos estádios do interior, como se não fosse exatamente essa a graça da coisa, especialmente nos campeonatos estaduais.

Estamos, provavelmente, diante de uma velha contradição brasileira: o sonho, explicável, de potência. Porém, uma potência que recusa olhar para dentro de si em sua totalidade, respeitando todas as diversidades e idiossincrasias que compõem uma sociedade absolutamente única no mundo.

Olhamos para o que há de mais avançado, mas ignoramos sua viabilidade, no sentido de possibilitar que tais adventos sirvam a todos, ou ao menos a uma maioria. Nos contentamos, e o futebol repete isso, em implantar um modelo que se encaixa a, no máximo, 20% dos que aqui vivem. O público das novas arenas fala por si.

Pra piorar, nossos dirigentes também fazem o inestimável trabalho de estigmatização e desvalorização daquilo que temos, como se não refletisse a realidade do que somos.

Convencemo-nos de que precisamos ser EUA e Europa. Repetimos, naquilo que nos dizíamos os melhores do mundo, toda a submissão cultural e ideológica que permeia o (acidentado) desenvolvimento do país.

Sim, submissão. Pois, como bem ressaltou o Leandro Iamin, muito do que explica a supremacia do futebol europeu deveria ser um elogio ao Brasil, por não adotar todos os métodos que levaram a isso, a exemplo das máfias e ditaduras que financiam camisas como o próprio Chelsea, PSG, Manchester City e outras modinhas que encantam pobres almas. Ou mesmo Barcelona e Real Madrid, praticamente duas instituições paraestatais que fazem de seu campeonato nacional uma bela mentira.

Por outro lado, há aqueles que observam o mesmo processo na formação das grandes torcidas nacionais. A supremacia cultural (mas também política e econômica) do Rio de Janeiro, e depois São Paulo, arrebatou torcedores dos mais distantes rincões do país.

Verdade, mas aí teríamos de aprofundar. Antes de tudo, bem ou mal, estamos todos no mesmo país e idioma, sob diferentes ritmos de desenvolvimento regional. E o torcedor nordestino do Flamengo também costuma ter, e seguir, um clube local. Hábito que, diga-se, nem é exclusividade brasileira. Também é preciso averiguar se com o maior desenvolvimento do Norte e Nordeste os clubes locais tendem a reverter essa história.

Como dito, o assunto é longo e levará a muitas discussões e estudos. Mas não me desce ver esse grupinho gastar alguns milhares de reais para ir a um clube que nunca viram jogar de perto, sem, de fato, sentir a aura do próprio. Em minhas andanças por países vizinhos e futeboleiros como o nosso, não notei nada que se aproximasse dessa paixão pelos clubes além-mar, ainda que a overdose de jogos na TV seja igual.

Acho que ainda terei pesadelos com aquele moleque cantando sua própria música dos “blues”, inventada num quarto regado a vídeos de youtube e fóruns de “barra-nerds” em doses muito mal ministradas.

Tampouco me descem papos como “ah, mas lá é mais organizado e o torcedor bem tratado”. O mesmo vale pra todas as esferas de nossa vida cotidiana e, entre tentar construir um país melhor ou mudar de nacionalidade, me parece que a imensa maioria das pessoas fica com a primeira opção.

A única coisa que me parece conclusiva nesse assunto pra lá de intrincado refere-se à globalização. Enquanto nos vendem sonhos de grandeza, não passamos da condição de colônia, a imitar quem já está muito na frente do processo e esmagar nossos próprios modos e tradição, sem que jamais o inverso se produza. Isto é, nunca veremos um inglês ficar louco pelo Corinthians e aderir ao clube.

Quando já chegava perto de fechar este texto, me ocorreu o seguinte: quem aí viu o documentário Lira Paulistana? O filme fala da vanguarda paulista da música, surgida nos estertores da ditadura militar, num teatro de mesmo nome que marcou época na Rua Teodoro Sampaio. Consagrou nomes como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Ná Ozetti, os irmãos Tatit, ajudou a projetar bandas do pop e punk rock e mais uma infinidade de grandes figuras. A nossa história, os nossos artistas, criadores, instigadores, ali, à flor da pele. E quem viu Velozes e Furiosos 7? De quantas salas e anúncios cada um dos citados dispôs?

Não quero viver pra ver o Brasil virar uma Malásia ou Singapura, onde se torce desesperadamente para um Manchester United da vida vir fazer pré-temporada e um amistosinho mequetrefe.

 

Leitura recomendada:

Bateu no João, bate no John

 

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