Fronteira da Amizade, 1991. Feriado de Corpus Christi. Quando eu tinha apenas 5 anos de idade, meu pai achou que já era tempo suficiente para me apresentar ao seu pago. Costela no fogo de chão, Free Shop e o Parque Internacional são as lembranças mais marcantes da minha primeira visita às cidades irmãs de Sant’ana do Livramento, no Brasil, e Rivera, no Uruguai. Como é de praxe fui retratado com um pé em cada país em frente ao marco divisório localizado no parque citado – fotografia esta que se perdeu com o passar do tempo.
A partir desta viagem o paisito passou a fazer do meu imaginário e o futebol – naquela época, apenas uma brincadeira de criança – ajudou a reforçar este laço, pelos pés de um paysano.
Montevideo, 1995. Tarde ensolarada na capital uruguaia. De um lado La Celeste, seleção anfitriã que nunca havia perdido uma competição em seus domínios, do outro a seleção brasileira, ostentando o quarto título mundial conquistado há uma temporada nos Estados Unidos. Por sinal, a partida derradeira das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 foi também a primeira vez na qual acompanhei as duas equipes em campo. E mesmo vestindo a camisa canarinha, confesso que fiquei triste pela derrota uruguaia.
Sentimento distinto vivi naquela final de Copa América. O Brasil havia jogado quatro partidas no Estadio Atílio Paiva, em Rivera, tendo inclusive se hospedado em Livramento, e “estrearia” no Estadio Centenario diante dos locales, que não saíram das imediações do Parque Battle nos cinco jogos anteriores.
Além do confronto eliminatório em 1993, outra decisão recente entre brasileiros e uruguaios ocorreu na Copa América sediada no Brasil, em 1989. Romário foi o autor dos três gols destes encontros (2-0 e 1-0, na ordem citada). Porém, o “Baixinho” – grande nome desta geração – pediu dispensa após uma cirurgia no joelho esquerdo, tendo como prioridade a sua participação nos Jogos Olímpicos, a serem disputados em Atlanta, no ano seguinte.
Zinho herdou a camisa 11 e a esperança de gols recaía sobre Túlio – artilheiro do Campeonato Carioca à frente de Romário – e Edmundo – companheiro bad boy do “Baixinho” no Flamengo. Ronaldo observava tudo do banco de reservas, em sua segunda competição oficial, acompanhado de Sávio – terceiro componente do Pior Melhor Ataque do Mundo (?) formado pelo Mengão no ano do seu 100º aniversário.
Contudo, a seleção comandada por Zagallo chegou à Final tendo marcado apenas 9 gols em 5 partidas – a dupla de atacantes balançou as redes em 4 oportunidades, 2 tentos cada, incluindo o inesquecível gol de Túlio Maravilha contra a Argentina nas quartas-de-final, no qual o carismático centroavante do Botafogo dominou a bola com o braço, em posição de impedimento, e encobriu o goleiro Cristante.
Mas, aos olhos deste menino que vos escreve os tetracampeões pareciam imbatíveis. Pareciam, até Pablo Javier Bengoechea ajeitar a bola, após Aldair derrubar Marcelo Otero próximo à meia-lua. Segue o lance nas palavras do Profesor em sua biografia Bengoechea Eterno de Sergio Vasconcelos:
“Enseguida supe que ese tiro libre era lo que el barbudo me tenía preparado. Le dije a Enzo (Francescoli) y (José Óscar) Herrera que pateaba yo. Se ve que me vieron muy convencido porque aceptaron inmediatamente. Yo sabía que era gol, no había error. Era una final, el estadio estaba lleno, era contra Brasil: no podía errarlo”
Ao sair do pé direito do meia riverense a pelota superou a barreira brasileira e foi morrer lentamente no ângulo direito do estático Taffarel, diante da Tribuna Colombes. O camisa 8 empatava o jogo aos 6 minutos do 2º Tempo – Túlio abrira o placar aos 30 minutos da etapa inicial, completando de peito um cruzamento de Edmundo – levando a decisão para a disputa de penaltis.
Os três primeiros batedores celestes – Francescoli, Bengoechea e Herrera – converteram as penalidades em gol, enquanto o disparo de Túlio foi defendido por Fernando Alvez, depois das conversões de Roberto Carlos e Zinho. Na sequência, Alvaro Gutierrez aumentou a diferença para o Uruguai e o capitão Dunga ainda manteve o Brasil vivo. Coube a Sergio Manteca Martínez a responsabilidade de marcar o gol que valeu a 14ª Copa América para os donos da casa, igualando o feito da Argentina dois anos antes.
Desde então, meu coração bate mais forte pela Celeste graças à falta cobrada pelo guri que deu seus primeiros chutes no modesto Club Atlético Oriental e que foi criado hablando castellano e escutando português, e vice-versa, seja na rua dos Andradas ou na calle Sarandí, tal qual meu velho. Gracias Profesor!
************
Quis o destino – também conhecido como MÍSTICA – que brasileiros e uruguaios, na categoria sub-22 – muitos dos quais não haviam nascido antes DAQUELA TARDE – se enfrentassem novamente em 23 de Julho, desta vez pelas semifinais dos Jogos Pan-americanos. O Brasil saiu na frente aos 30 minutos da etapa complementar com Clayton, aproveitando o rebote do goleiro De Amores em penalti cobrado pelo próprio jogador do Figueirense.
O Uruguai – que jogava com um a menos desde a expulsão de Mauricio Lemos, ainda no 1º Tempo, ao agredir Bruno Paulista – só conseguiu reagir quando Dodô também recebeu o cartão vermelho, em uma entrada por trás no lateral esquerdo Mathias Suárez. Com 10 jogadores para cada lado, os botijas chegaram ao empate quando Andrés Schettino aproveitou o desvio de Matías Castro em cobrança de escanteio. 2 minutos depois o mesmo Castro deu números finais ao jogo que manteve La Celeste na briga por uma medalha de ouro.