ESPECIAL: 100 histórias escondidas da Copa do Mundo – Parte 5

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Pronto para relembrar mais alguns momentos marcantes de Copas do Mundo?
A Central 3 separou mais alguns deles para compor a parte 6 do ESPECIAL COPA DO MUNDO. Confere aí:


75 – PARAGUAI DE 98, O FEIO QUE A GALERA ACHOU BONITO

Tem time feio que “pega”, e tem time feio que “não pega”. Vejam o exemplo do Paraguai de 1998, treinado pelo agora ex-Flamengo Paulo Cesar Carpegiani. Estreou naquela Copa em Montpellier, sul da França, contra a Bulgária, e fez, por escolha própria, um dos piores jogos daquele Mundial. Um 0x0 horroroso, com a marca daquele time: futebol muito defensivo, bota defensivo nisso. Vá lá, era uma seleção de bons zagueiros e nenhum ótimo atacante, cada um usa o que tem e eles usaram bem – inclusive durante as eliminatórias, na qual foram muito bem e já mostravam a vocação defensiva.

Aí, em St. Etienne, outro 0x0, contra a Espanha, e aqui mais perdões complacentes foram jogados no colo dos paraguaios, afinal, o adversário era o favorito, perdera na estreia e estava em situação dramática, viria ao ataque. Para os paraguaios, a aritmética ajudava: com os dois 0x0, fazia 2 pontos, e pegaria na última rodada a Nigéria de Okocha, mas sem o Okocha, seis pontos, duas vitórias, já classificada e já com o primeiro lugar do grupo garantido. Aí, só aí, alguma coisa aconteceu em um jogo do Paraguai.

Paraguai 3×1 Nigéria Quase Reserva, sem Okocha, sem interesse algum na partida que nada mudaria, já pensando nas oitavas. Há méritos nos dois 0x0, deu certo a estratégia, mas o nosso imaginário trabalhou duro a partir dali para reposicionarmos o lugar desta equipe no enredo mundialista. O novo 0x0 no tempo normal contra a França, pelas oitavas, foi mais uma vitória da ultra-retranca, a mais desavergonhada tentativa de interditar o jogo, e nada contra, desde que a Grécia de 2014, por exemplo, também possa ser defensiva sem ser criticada por isso, como foi, e muito, por aqui. Adotamos a feiura paraguaia e a maquiamos, por identificação com seus personagens.

Técnico brasileiro e alguns defensores que jogavam em nosso país, com destaque para Gamarra, que, gritavam as manchetes, não fizera sequer uma falta no Mundial. Esta estatística dizia mais sobre a proteção que a defesa paraguaia tinha de um exército de volantes e soldados à sua frente do que alguma estratégia revolucionária de um zagueiro magistral na arte de fazer a cobertura, a sobra, a função do zagueiro atrás do zagueiro, especialidade do ex-colorado, que seria campeão brasileiro naquele mesmo ano. Enfim, o fato é que a gente torceu para mais um time fraco qualquer enfrentando um time mais forte qualquer, como provavelmente também torcemos pelo Paraguai de Larissa Riquelme contra a Espanha de 2010.

Nas duas vezes, pararam apenas nas mãos dos futuros campeões. O Paraguai de 2010 jogou muito mais bola que o de 1998, mas não habita nosso imaginário da mesma forma, assim como outros tantos times que fizeram o papel do chato em Copas foram embora como isso, mesmo, chatos e só. O Paraguai de 98, não: alguma coisa aconteceu na narrativa oficial brasileira que transformou aquela seleção em legal, quase cult, um namoro ligeiro com o tosco de quem , nos outros dias, não tem a menor paciência com a legítima estratégia defensiva.

 

74- CHUTEIRA NO PESCOÇO

Você já viu algum jogador, após uma partida, pendurar a chuteira no pescoço? Não parece um gesto natural, né? Ronaldo foi o único que tenho notícia, logo numa final de Copa do Mundo. Não é um ato espontâneo, e sim comercial. Pagando bem, penduraria até uma melancia. A Nike entrou no futebol, e na seleção brasileira, de forma realmente agressiva. Ronaldo, cobaia maior dos alquimistas que maltrataram seu corpo, era também o alvo principal dos vendedores do jogo, tão influentes naquele Brasil. A escalação de Ronaldo na final de 1998 às vezes me pega assustado.

 

73 – AS FOTOS NA PAREDE, OS AUTORES DAS FOTOS E O QUE VEIO DEPOIS

Era uma vez J.B. Scalco, fotógrafo que podia ser classificado como um “canhoto dos olhos”. Sua estratégia habitual era se posicionar no lado oposto do habitual dos fotógrafos concorrentes, e conseguir, assim, o ângulo que os outros não tinham. Trabalho de fotógrafo quase nunca é sorte, e no caso de Scalco, conhecido por bancar e explicar suas fotos antes de serem reveladas, havia uma sensibilidade diferente para o registro futebolístico – é o que dizem aqueles que com ele trabalharam.

Esta foto de Paulo Roberto Falcão era o registro do alívio e da euforia, o retrato da alegria do time que jogava um futebol que alegrava o torcedor. No momento deste clique, a Itália estava superada, havia sido só um susto, o jogo agora estava 2×2, de novo empatado como era de nosso interesse, e jogaríamos a semifinal merecidamente, ufa, vocês nos assustaram mesmo, heim, italianos, essa foi boa.

É Scalco o autor da foto mais bela desta campanha, e teria, dizem, no ato, comemorado a foto como o próprio fotografado comemorou o gol. Paolo Rossi, porém, deu a vitória à Itália e carregou de significado a imagem, agora categorizada como a da euforia que foi em vão e se foi pelo ralo minutos depois. A principal foto do dia seguinte doi de Reginaldo Maente, capa do Jornal da Tarde, uma criança segurando o choro com a camisa da seleção e a manchete “Barcelona, 5 de julho de 1982”, uma das mais tocantes capas de nosso futebol.

Pois J.B. Scalco não fotografou a final daquela Copa do Mundo de 82, não por falta de escala, e sim por estar em um hospital de Madrid, onde ficou por uma semana internado e, na volta ao Brasil, foi diagnosticado com pericardite, doença que lhe deu só mais um ano de vida. Morreu aos 32, sem clicar mais nenhuma Copa. Seu método consagrou, na Copa de 94, Pedro Martinelli, da Placar, único a fotografar Taffarel de frente defendendo o pênalti de Massaro, enquanto os outros fotógrafos estavam atrás ou ao lado do gol. O retrato na parede é sempre uma bomba. O retrato de Falcão é tão bonito que dá pra sentir até o cheiro.

 

72- O PALHAÇO DE JOÃO SALDANHA, A APOSENTADORIA DE TELÊ E AS SEQUELAS DE UMA DERROTA NOS PÊNALTIS

 

Está posto: O Brasil perdeu a Copa de 86 para a França nos pênaltis, depois de uma preparação longa demais, que desgastou o relacionamento entre seus integrantes, liderados por Telê, cuja convivência ao lado não era fácil. Já no vestiário, Muller disse à imprensa que foi um absurdo ter sido sacado por Telê na hora “H” do jogo. Minutos depois, Casagrande apareceu e afirmou que o técnico foi desonesto com ele, notadamente por causa das escolhas nas cobranças de pênaltis, que foram diferentes das previstas após os treinos.

Naquela tarde em 1986, Telê Santana respondeu assim à derrota: “Esta foi minha última partida, talvez, como técnico. Talvez, não: com certeza acabo de encerrar minha carreira de técnico”. A Copa, quando acaba mal, tem mesmo clima de terra arrasada. Sobre os pênaltis, Telê contestou Casagrande: “bateram os melhores”. De fato, quando Zico (este no tempo normal) e Sócrates perdem pênaltis, é difícil partir para teorias mais complexas, o futebol é do capeta e fim – mas partimos para elas.

Julio Cesar, vilão por carimbar a trave na cobrança final, tinha só 23 anos. Branco, que bateu, e fez, o penúltimo tiro, tinha 22. Idades baixas. Isso foi determinante para, em 1994, o elenco decidir, sem Parreira, que em caso de pênaltis, bateriam os mais velhos e pronto. Sobre Zico, a crítica era sobre o fato de ele estar machucado e ter cobrado o penal pouco depois de entrar, ainda com pernas frias. “Copa é coisa séria”, reclamou, sobre isso, Joelmir Beting.

Já em relação a Sócrates, bem, João Saldanha, comentarista da Globo naquele Mundial, como você vê no vídeo abaixo, fala o que achou de sua postura…

A Copa do Mundo colocou Zico, Sócrates, Telê, nomes intocáveis no imaginário de trinta anos depois, nas condições mais mundanas que o futebol pode oferecer. Foi nossa primeira tragédia envolvendo pênaltis em uma Copa do Mundo, e, até hoje, incrivelmente também a nossa única. Requintada de crueldade, como a cobrança francesa que bateu na trave e nas costas do nosso goleiro Carlos, mas única. Telê ainda viveria o auge de sua carreira. Casagrande, em livro, admitiria que não estava em boas condições físicas para criticar alguém naquela Copa. Branco, aos 28, bateria de novo o quarto pênalti na final do tetra.

E quanto a Zico e Sócrates? Não ganharam uma Copa. Azar do Zico, azar do Sócrates.

 

71 – UMA DÉCADA DE MUDANÇAS E OS PAÍSES QUE SUMIRAM DAS COPAS (E DO MUNDO)

Em 1989, caiu o muro de Berlim, reunificando a Alemanha. Em 1991, o Estado Soviético foi dissolvido, dando fim à União Soviética. Em 1992, o “Divórcio de Veludo” extinguiu a Tchecoslováquia, separada, assim, em dois países. Ainda em 1992, a Iugoslávia se desintegrou, fechando de vez o livro da Guerra Fria e apresentando aos mais novos um monte de bandeiras antes escondidas pelo pavilhão iugoslavo.

De modo que acompanhar Copa do Mundo pelos anos 90, sobretudo entre os Mundias de 1990 e 1994, demandou algum engajamento geopolítico também. O Brasil, por exemplo, estrou na Copa de 94 contra a Rússia, a herdeira do espólio esportivo da União Soviética, presente nas três edições anteriores e semifinalista lá longe, em 1966, patamar que os russos (e os ucranianos e qualquer outro ex-soviético) nunca alcançaram desde então.

A República Tcheca, parte do divórcio tchecoslovaco, até mostrou que teria história forte, sendo finalista da Euro de 96, mas sua presença em Copa do Mundo é quase nula, só conseguiu jogar em 2006, e nada de relevante fez. A Eslováquia, por sua vez, conseguiu vaga no mundial de 2010, até passou de fase, venceu a Itália, mas parou nas mãos da Holanda. Pouca coisa a se destacar.

Entre os iugoslavos, cenário mais confuso, de guerra. A Croácia, independente da Iugoslávia desde pouco antes do final da dita cuja, jogou a Copa de 98 contra a própria seleção iugoslava, ainda existindo no mundo da bola embora já extinta no mundo geopolítico – foi semifinalista, a Croácia! Dois mundiais depois, em 2006, assistimos “Sérvia & Montenegro” em campo, dois territórios ex-iugoslavos que jogaram como uma seleção só. Agora, pra 2018, Montenegro quase classificou, e a Sérvia caiu no grupo do Brasil – sem contar a Bósnia, que estreou no Maracanã contra a Argentina em 2014.

A Copa do Mundo é de um mundo sempre em movimento. Vejam a Alemanha, campeã em 1990 um ano após a queda do muro, mas ainda oficialmente dividida. A Copa de 2014 foi a primeira vencida pela Alemanha inteira, unificada, isso depois de, na esteira do tempo, anexar (e tirar da Copa como consequência) países como a Áustria, que tem esta história em mundiais para (não) contar. A gente quase viu a Síria se classificar para 2018. E a gente vê tensões quase indissolúveis em diversas partes do mundo. As próximas Copas receberão o impacto disso, como sempre.

Manchete na Revista Placar, pra Copa de 82, analisa a União Soviética, mas enxerga nela o time russo.

 

70 – O “SILÊNCIO DE COPA” QUE NOS FASCINA CEDO E UM LINDO FINAL DE TARDE EM BUENOS AIRES

Foi uma noite estranha em São Paulo. A Alemanha acabara de enfiar 7×1 no Brasil, e, enquanto o país ainda tentava entender a pancada, a cidade era tomada pelos argentinos e pelos holandeses, que assistiriam em Itaquera a outra semifinal. Foi preciso coragem para cada brasileiro que saiu de casa para, com sete gols nas costas, curtir um pouco da última noite de Copa em terra paulistana.

Isso era 8 de julho. Argentina x Holanda se enfrentaram, portanto, no dia 9, que é feriado nacional no nosso país vizinho. Um dia inteiro sem trabalho, com tempo de sobra para rir do 7×1 e se preparar para a contenda. Muito argentino ficou sem ingresso, mas curtiu em uma tarde mais do que a seleção brasileira permitiu ao seu mais patriótico torcedor.

A Copa do Mundo é o que é porque transborda das mãos dos ciumentos amantes do futebol pelos outros quatro anos. Ela é apropriada até por quem não gosta de jogo, de bola, de nada. A tal da rua pintada, da bandeira na janela, mexe com a importância da coisa, e quando a Copa perder a rua e não reverberar nas esquinas, aí enfim terão conseguido transformá-la em apenas mais uma competição de elite.

O pessoal do estúdio Molé, lá na Argentina, posicionou a câmera no alto de Buenos Aires, e mostrou como um fim de tarde bonito de inverno, um feriado normal para a natureza portenha, se transforma, de um pênalti para o outro, em fogos explodindo no céu e buzinas, gritos, tudo rompendo o que antes era o famoso “silêncio de Copa do Mundo”, aquela nossa descoberta infantil de que quando nossa seleção está em campo não passa carro na nossa rua.

 

69 – O TRIO DE GOLEIROS DE 2002

Acaba a Copa de 1998 e, junto com ela, os dias de Taffarel à frente da seleção, dias estes que começaram em jornada olímpica inspirada, em Seul-88, e terminaram sem que ele tivesse alguma culpa pelos gols franceses. O Brasil partia para um novo momento, inclusive debaixo das traves, e Vanderlei Luxemburgo, o novo técnico, quase unanimidade no país, deu a camisa para André, por só um jogo, trocando-o por Rogerio Ceni no restante do ano e até a Copa América, de 1999, quando Dida tomou conta da posição.

Dida tinha estatísticas de defesas de pênaltis inéditas na história, e, mesmo com situação conturbada em relação ao passe, portanto sem jogar em clubes por um bom tempo, tinha a confiança do técnico. Mas o técnico caiu. Quem assumiu foi Leão, goleiro de tantas Copas, sumidade no assunto, com moral para escolher e trocar. Rogerio Ceni estava de volta à meta, com moral embora sem toda liberdade para bater faltas, mas também durou pouco tempo: Leão caiu, entrou Felipão, e este também tinha seu preferido: para Scolari, Marcos era o camisa 1 ideal.

Com Marcos, caminhamos até a Coreia e o Japão, Copa do Mundo que uniu, naquele momento, os goleiros dos rivais Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Com temperamentos, estilos de vida e até gostos musicais diferentes, dividiam o público, não só em São Paulo, onde a preferência obedecia a paixão clubística, mas no Brasil inteiro, posto que ninguém discordava que a camisa tinha de ser de um destes três. Talvez nunca tenhamos noutra Copa três goleiros de nível tão alto e semelhante, e que acabaram, afinal, se dando bem demais, todos sob a batuta de Carlos Pracidelli, um artesão de goleiros.

A relação durou para além da Copa de 2002, cujo molho clubístico entre o trio fez com que Dida e Marcos competissem até na comemoração, trocando as camisas da CBF pelas de seus clubes nos festejos. Rogério Ceni, por sua vez, teve seu tamanho reconhecido em 2006, quando Dida, agora o camisa 1, foi substituído simbolicamente na terceira rodada. Se não há verdade absoluta sobre preferências, não há também o que pontuar de negativo na participação de Marcos em 2002, ou mesmo na de Dida em 2006. Passaram ilesos da crueldade de um país que matou Barbosa. Dida foi fazer carreira vitoriosa no Milan. Marcos e Ceni até namoraram o futebol inglês, notadamente o Arsenal, mas ficaram aqui e alcançaram a imortalidade em seus clubes cativos.

Em dias de milagres de Vanderlei, do Santos, em tempos de epifanias sobre Jaílson, do Palmeiras, em período de expectativa sobre a convocação de Cássio, do Corinthians, e com a memória fresca da campanha continental de Grohe, do Grêmio, este editor não esconde que queria pelo menos um goleiro daqui em Copas. Não serão nem terão o carisma e a confiança do trio de 2002, mas nos dariam um pouco mais de identidade.

68 – TOPÚ-TÔ

Ouvia-se muito mais rádio do que hoje. O consumo de música era bastante diferente do que é atualmente, e a relação de espera por uma música tinha lá o seu sabor em tempos sem internet. Os Titãs, em 1990, arrebentavam a boca do balão com a música O Pulso, lançada em 89 e composta por Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Tony Bellotto. Paródia estava em alta nas redações das rádios, faziam sucesso, e, quando perdemos para a Argentina na Copa de 90, o pessoal da Transamérica se saiu com essa: “O Pulso” virou “Tô Puto”, e a canção saiu pra rua como um hino da eliminação que não poupou ninguém. Teve vida curta, o “Tô Puto”, já que Os Titãs não gostaram muito da brincadeira e pediram a retirada da canção. “Viajaram às nossas custas”, mesmo assim, tocou o suficiente para estar no Youtube, que só tantos anos depois nasceria para ajudar o nosso consumo musical – e futebolístico.

 

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