Duas transferências recentes de jogadores do Corinthians evidenciam que, apesar do 7 a 1, poucas pessoas no futebol brasileiro querem alguma mudança. A explicação é simples, pois, apesar de tamanho desastre atrapalhar um pouco os projetos dos atuais donos da bola, o cenário, para eles, é o melhor de todos os tempos.
Sim, para alguns, o futebol brasileiro vive a melhor fase da história. A explicação pode ser dada em uma palavra: dinheiro. Muito e fácil. Na semana que começou com a notícia da saída de Jadson para o futebol chinês, a repórter da ESPN Camila Mattoso publicou que a (re)venda de Cleber do Timão para o Hamburgo é investigada pela FIFA, uma vez que o zagueiro foi registrado pelo clube-ponte SEV/Hortolândia, que não deveria ter nada a ver com a história.
Cleber aportou no Parque São Jorge em meados de 2013, para compor elenco, e demorou algum tempo para ganhar espaço. Após a saída do zagueiro e líder político dos atletas Paulo André (aliás, boicotado por essa turma do 7 a 1), o ex-pontepretano começou a entrar no time. Um punhado de jogos como titular e logo veio a proposta alemã. Ou seja, se o desconhecido clube serviu de ponte, o mais popular do Sudeste não ficou atrás.
Quanto a Jadson, trata-se de outra despedida de um destaque de clube grande para mercado emergente cujo nível técnico não supera a Série A-3 do Paulista. Isso apenas 45 dias depois de o clube passar a dono dos direitos federativos do ex-10 do Shakhtar e do São Paulo.
Tampouco devemos esquecer que o jogador vai embora apenas quatro dias depois de realizar sua maior partida com a camisa do clube, e a poucas semanas da venda de Lodeiro para o Boca.
O alvinegro justifica-se pela cláusula de venda, que obriga a negociá-lo caso o comprador a cubra. É certo, mas os mercados asiáticos e norte-americanos estão em alta já há algum tempo e os que tanto pronunciam a palavra “planejamento” deveriam estar mais preparados para segurar o time ao menos até o fim da Copa Libertadores.
No entanto, o ponto central deste texto não é cornetar as novas ladainhas de “gestão” e sua linguagem corporativa decorada. Como posto no início, estamos falando de muito dinheiro e da mamata que o pós-Copa vem escancarando.
Isso porque em ambas as transferências a “vitrine” fez papel de otário. Dos 9 milhões de reais pagos por Cleber, nenhum vintém. Dos 16 milhões por Jadson, apenas 8%, pois, apesar de o jogador “ter ficado livre” em dezembro, 70% de seus direitos econômicos ficaram com o grupo de empresários que o agencia. E, de acordo com o que se lê da matéria do UOL, coube ao Corinthians, e ninguém mais, o pagamento dos tributos.
Pois é, o contrato com o São Paulo acabara e o jogador era livre pra assinar um novo, mas parece que conseguiram inventar uma nova espécie de lei do passe, na qual os empresários continuam tendo direitos econômicos, mesmo após uma livre-transferência. E na hora da venda a parte do leão cabe somente ao clube, infere-se.
Tais informações são impressionantes para os olhares mais atentos, e cansados, de modo que é prudente continuarmos a investigar as nuances jurídicas e contratuais desse futebol ultra-liberalizado que virou o brasileiro – com suas comissões legalizadas de fazer inveja ao pessoal da Operação Lava Jato.
E não adianta culpar Lei Pelé (de 2001), muleta de velhos dirigentes. Depois que a Lei Bosman (de 1995) entrou em vigor na Europa, a antiga Lei do Passe só podia ter os dias contados.
O problema é que ninguém (?) previu tamanha proeminência dessa classe nada simpática de negociadores do talento e suor alheios. Agora, até a FIFA quer uma nova legislação no futebol,a fim de impedir grupos empresariais de comprarem e revenderem atletas da forma como o fazem hoje.
Resta saber se os “novos” e “modernos” dirigentes brasileiros aderem à ideia. Afinal, às vezes até mais que o Corinthians, Fernando Garcia, conselheiro e membro da oposição, e sua empresa de “marketing esportivo”, tem arrancado boas fatias de atletas do próprio clube.
Para dar um exemplo, tem 40% dos direitos sobre Malcom, entre outros jovens, em obscuras negociações que visavam “ajudar o clube a equilibrar as contas”. Ainda nessa doce ajuda ao clube do coração, sua empresa levou o atacante para conhecer instalações de clubes europeus nas férias, ao lado do meia Matheus Pereira, de apenas 16 anos e já no alvo de alguns times.
Reforçando o absurdo, é necessário reiterar que o futebol nacional viveu uma inédita bonança financeira após o impulso econômico que elevou o Brasil à sétima economia mundial, o que logo se refletiu no futebol em ótimos contratos televisivos e publicitários.
Porém, como alguns alertaram, era um rio de dinheiro nas mesmas mãos de sempre e, passado algum tempo, as ilusões logo virariam fumaça. É o que estamos vendo. Clubes que gastaram muito nos últimos três ou quatro anos enxugam elencos e folhas salariais (enquanto o nível técnico manteve-se em queda) e agora lidamos com novos êxodos, para locais cada vez mais remotos e medíocres.
Que tais mercados tenham muito dinheiro, não podemos evitar. Mas que não se criaram as mínimas condições para atrair uma quantidade maior de atletas a abdicarem de um quinhão a mais para ficar em casa, em campeonatos de muito maior relevância internacional, é indiscutível.
E diante de tanto dinheiro que vimos girar nos últimos anos, como compreender que todos estejam em franco processo de recessão? Como dito, ficou tudo na mão dos mesmos de sempre. Todos os velhos esquemas e troca-trocas de épocas mais coronelistas se mantiveram, apenas com uma roupagem mais moderna e midiática.
Isso fica nítido na gestão das arenas da Copa. Fortunas de dinheiro público para construir estádios suntuosos dados de graça à iniciativa privada. Essa, por sua vez, só visa o lucro, e morde enormes fatias das rendas das partidas. Não sem alguma razão, pois se nos enfiaram goela abaixo estádios megafuturistas para uma sociedade de baixa distribuição de renda, a culpa não foi dessas empresas, reconheça-se. Outro exemplo da velhacaria são as taxas que as federações mordem em jogos de clubes, o que em tempos de rendas milionárias passou a saltar aos olhos de todos.
De toda forma, os estádios vazios e as saídas de nossos melhores jogadores para times que não venceriam a Copa Kaiser, menos de um ano após uma Copa do Mundo, mostram que toda a grana irrigada nesse último período serviu apenas para ampliar e sofisticar as mesmas ações entre amigos que sempre empobreceram e desmoralizaram o esporte brasileiro.
O futebol é a perfeita metáfora da colônia primário-exportadora que somos,ainda por cima arrotando caviar.
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Gabriel Brito é jornalista, participa dos programas Central Autônoma e Conexão Sudaca na Central 3. Twitter: @gabrimafaldino