PAPPO, 65: mito da guitarra

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Por Felipe Bigliazzi

Noite fria de Abril. Estamos bem abrigados na calle Junin, Barrio Norte, em pleno começo do outono de 2007. Sandro, Los Gatos e Roberto Carlos soavam ao fundo em meio a uma rodada de Quilmes e amendoim. Configurava-se uma Fiesta Cervezal tradicional na residência de Hugo Irrisarri, vocalista e líder do Doble Fuerza.

Um poster ao fundo, entre o beliche e a sala, eclipsava um homem rude, com cara de lobo, sentando em uma Harley imponente. Dessa forma conheci Norberto Pappo Napolitano, a lenda da guitarra na Argentina. A evolução do rock no país vizinho passa pela discografia de Pappo. Do blues ao hard rock, do hard rock ao heavy metal em uma carreira marcada com passagens por míticas bandas: Los Abuelos de La Nada, Los Gatos, Pappo’s Blues, Riff, Aeroblus e até a paulistana Patrulha do Espaço foram abrilhantadas por seus solos e riffs inconfundíveis. A última edição do Conexão Sudaca fez uma breve homenagem a El Carpo, que se estivesse vivo completaria 65 anos no último 10 de Março. Por justiça, o governo de Cristina Kirchner instituiu a data como o dia nacional do guitarrista.
ABUELOS DE LA NADA

Pappo foi criado no bairro porteño de La Paternal, mais precisamente na casa localizada na esquina das calles Artigas e Camarones, separado a 5 quadras do estádio do Argentinos Juniors, Seu destino começaria a mudar ao conhecer grandes figuras do emergente rock local nas noitadas no clube La Cueva, meca de boêmios e artistas de Buenos Aires no final dos anos 60. Pappo participou da gravação de duas músicas do primeiro compacto de Los Abuelos de La Nada, banda liderada por Miguel Abuelo e que ganharia enorme fama nos anos 80 com uma levada pop e new wave. Pappo, implanta uma pegada blusera aos Abuelos de La Nada, que por ora tentava transitava pelo beat e o folk da invasão britânica . Tema en flu sobre el planeta e La Estacción são os primeiros registro de um Pappo letal, que já demonstrava todo o talento surreal para um guitarrista de 18 anos.

LOS GATOS

A fama entre os músicos locais é tanta, que em 1969 é convidado por Litto Nebbia para entrar no Los Gatos, grupo que constituiu ao lado de Manal e Almendra o tridente embrionário do rock autoral na Argentina. A banda de Rosario foi a primeira a conseguir sucesso comercial com suas próprias composições, principalmente com os hits La Balsa e Ayer Nomás. Pappo grava os dois últimos discos de Los Gatos de maneira impecável, dando uma cara mais pesada e blusera a um grupo que era altamente melódico e pop. Rock de La Mujer Perdida de 1970 é um petardo aos ouvidos. Um clássico sem pormenores para ouvir a todo volume.

 

PAPPO’S BLUES

Com a saída de Los Gatos, Pappo excursiona pela Europa, onde vivencia o começo do Hard Rock inglês. Ao regressar a Argentina forma o power trio Pappo’s Blues. É a grande fase de Pappo como compositor. Letras intimistas e uma mistura de blues com toda influencia do rock inglês setentista, principalmente do Cream de Eric Clapton e Jack Bruce. De 1971 a 1975 grava 6 discos. Os 3 primeiros entram, indiscutivelmente, em qualquer lista dos melhores discos da história do Rock Argentino. Verdadeiros hits eternos como El Hombre Suburbano, Desconfio de La Vida e Sucio y Desprolijo fazem parte desta fase de Pappo.

 

AEROBLUS

Aeroblus marca o começo do elo de Pappo com o Brasil. Em 1977, após a dissolução de Pappo’s Blues, El Carpo viaja a São Paulo junto ao baixista Alejandro Medina. Por essas voltas da vida, acabam conhecendo Rolando Castello Junior, virtuoso baterista paulistano que formou parte do Made in Brazil e da Patrulha do Espaço – duas das mais importantes bandas da história do hard rock brasileiro. Após ensaios pelo interior paulista e posteriormente na própria casa de Pappo em La Paternal, o poderoso trio Aeroblus entra no estúdio em Buenos Aires e grava um disco impecável, constituindo uma das melhores fases da carreira de Pappo.

https://www.youtube.com/watch?v=xvHdmTX4uKQ

 

RIFF

A Argentina vivia a fase mais sangrenta da ditadura. Cansado do momento fonográfico e social do país, Pappo parte para a Inglaterra onde presencia in loco o apogeu dos australianos do ACDC e os primeiros movimentos do pub rock inglês, assintindo shows de Motorhead e Dr Feelgood. Influenciado pelo rock distorcido e veloz, forma em 1980 o quarteto RIFF. A banda é um sucesso rotundo e a primeira incursão do heavy metal na Argentina. Com todo o contexto violento, a proibição de canções em inglês e uma cena de rock em Buenos Aires cada vez mais limpo e progressivo, Riff conquista uma legião de jovens que se identificam com o aspecto duro da banda. Rueda de Metal, Macadam…3,2,1 e Contenidos são os discos fundamentais para o rock pesado na Argentina.

 

PATRULHA DO ESPAÇO

Com a repressão intensa aos shows do RIFF, Pappo volta ao Brasil em 1985. A convite do amigo Rolando Castello Junior grava o quinto disco da Patrulha do Espaço em São Paulo.

 

CARREIRA SOLO

A segunda metade dos anos 80 marca a fase obscura de Pappo. Uma Argentina pós-Malvinas, da inflação galopante dos tempos de reabertura política com o governo Alfonsín, onde Pappo tenta algumas reuniões de Riff sem tanto exito comercial. Passa um tempo nos Estados Unidos e até grava um disco por lá. No começo dos anos 90 passa a apostar na carreira solo, reunindo músicos amigos dos tempos de Riff e Pappo’s Blues. O disco Blues Local de 1992 é o ponto alto dessa fase, marcando o retorno de Pappo as suas origens bluseras.. O hit Mi Vieja recoloca El Carpo no sucesso midiático.

 

A PASSAGEM PELO ABC PAULISTA E SUA MORTE

Em 1994 Pappo esteve em São Bernardo. O guitarrisa argentino Tito Matos, ouvinte fiel do Conexão Sudaca e membro da banda Dr Blues, conta que el Carpo tocou no bar Window no bairro do Rudge Ramos em maio daquele ano. “Pappo fez um baita show com clássicos do Blues, quase apenas para nós. O pessoal assistiu o Dr Blues, e como não conheciam ele, acabaram indo embora”. Naquela época ainda teve a honra de abrir os shows dos Rolling Stones em Buenos Aires e compartir o palco com BB King em Nova York.

Tito conheceu pessoalmente a Pappo em Buenos Aires, no final dos anos 70. “Eu trabalhava com Leon Gieco e um certo dia o pessoal que fazia parte da banda me convidou para ir até a casa do Pappo em La Paternal para passar a noite. Ele nos recebeu bem. Tinha até um quarto nos fundos com 3 camas para dormir. No dia seguinte acordamos, enchemos a cara de vinho e tocamos”.
Em 1994, Pappo quase perderia a vida em uma acidente de carro. Em alusão ao fato, El Carpo lançou um disco ao vivo chamado Pappo Sigue Vivo; na capa a foto com seu Renault totalmente destruído após o acidente.

Eis que, 11 anos depois, em um 25 de Fevereiro de 2005, Pappo perderia a vida em um acidente de moto na estrada que liga Buenos Aires a Rosário, mais precisamente da cidade de Luján. Uma morte trágica e marcada por sua paixão pelos motores, o perigo e a velocidade. Pappo deixava uma legião de fãs e uma obra única, para ser ouvida na integra e com toda a alma. Gracias Pappo!

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