Por Leandro Iamin
Já devo ter contado em um podcast por aí, aconteceu lá nos anos 90: Rogério Ceni, novo goleiro titular do São Paulo após período de espera na reserva de Zetti, é chamado para o Cartão Verde, da TV Cultura, e vai ao encontro de Trajano, Kfouri e Flavio Prado usando possante terno e garbosa gravata. O cabelo – que ele tinha – penteado não deixava dúvidas de leitura, a ocasião era de gala para o arqueiro que ainda não batera nenhuma falta e nenhum recorde na vida. Seu visual destoava.
José Trajano observa, com ar provocativo, que o convidado veio todo na estica, e Rogério responde, com acidez acidental, que é importante estar bem vestido em aparições como aquela. Juca Kfouri, então, finge estar ofendido, interpretando que Rogério Ceni afirmou que “por todos esses anos eu apareci na TV mal vestido”. Não foi isso, claro, que o goleiro quis dizer, mas o terno e a gravata já diziam algo sobre ele. Descobriríamos com o tempo que ele é incapaz de fazer apenas o que todo mundo faz, e não é por mal.
Mesmo que pese no papel todo o infinito ego que Ceni possui, cultiva e depende para viver bem, seu jeito de se descolar da concorrência nunca foi uma estratégia sórdida, mas sim opção única de um obsessivo que foi salvo pelo talento. Rogério foi, como jogador, um competidor à beira da loucura, colecionador de taças e inimigos para conseguir taças, muitas vezes cego para os eventos diplomáticos e corporativos da carreira, e com um tempero raro, quase fetichista, dentro de si, que colocava o futebol como fonte de angústia competitiva só deglutível quando acompanhada de feitos paralelos, desafios cuja importância para ele nunca foi possível de chegar totalmente ao nosso conhecimento. Não batia faltas por talento, nem por picardia, mas por enxergar, no gesto, mais do que o gesto tem, por si só, de atraente, pioneiro, divertido. Batia falta para não enlouquecer com medo do tédio da mesmice.
O último movimento é sempre de Rogério Ceni. Vai te observar e só depois agir, com dois objetivos dentro de si: ser melhor, mas, sobretudo, ser também diferente, personalizado. O jogo de 90 minutos que dá uma taça ao time que vence mais jogos até que o diverte, mas não é suficiente. Rogério Ceni, tal qual um acumulador de quinquilharias, tem visão distorcida do que lhe basta. É dependente de outro enredo e infiel ao futebol em sua essência mais simples, pois dele sempre quis mais que o profano e dele ocultou outros prazeres, que soam como caprichos para nós mundanos, mas são fundamentais para que o camisa 01 não perca o tesão ou a imagem que acha que vê no espelho.
Então era evidente que Rogério Ceni, ao começar em uma função nova no esporte, não seria apenas um treinador em começo de carreira. Ele teria auxiliares gringos, dinâmicas de treino inéditas no país, apareceria rouco após uma atividade simples e convenceria seus comandados de que os antecessores estavam todos mal vestidos. Afinal, ele só entra no jogo se puder representar, ele mesmo, uma quebra de paradigmas. E se telefonarem para o Renato Gaúcho e pedirem sua opinião sobre os treinos do novo comandante do São Paulo, o que ele dirá? A leitura com toques revolucionários de Rogério Ceni ofende outros ex-jogadores na mesma função? Duvido que ofenda, mas petulância há. Cada vez que coloca seu terno e sua gravata, Rogério Ceni, de alguma forma, olha com deboche para a turma da camisa surrada.
Rafael Techima disse:
E eu achando que era coisa da minha cabeça quando só eu e nenhum outro lembrava da época em que o Rogério ia para as mesas redondas de domingo vestindo terno e gravata. Numa época de ouro para Onbongos e Cobra D’Águas da vida.