Por Victor Faria
Até bem pouco tempo, como toda entidade respeitável, os times tinham em sua torcida, o bobo. Em determinado momento da evolução esportiva fizeram falta iluminação elétrica, infraestrutura, vias de incentivo e comunicação. Mas o que não faltava era o bobo; e isso era primordial, porque havia naquela bem-aventurada figura a certeza que o dinamismo do progresso era irrelevante diante da categórica paixão que o envolvia, o impulsionava, o doutrinava.
De certa forma, o bobo, em comunidade, sempre fora a forma rudimentar mais característica dos serviços prestados. Sem exigir muito, esse personagem, que geralmente tem tanto de monstruoso por fora como por dentro, inefável e puro, é a primeira e definida manifestação embrionária do progresso. Ninguém como o bobo está, biológica e civicamente falando, mais autorizado a acompanhar seu time. Onde ninguém ousa estar, diante das catástrofes naturais e pessoais, lá está o bobo.
Antes que a torcida se permita à metamorfose das vontades, é o bobo que resolve com dignidade e eficiência todos os problemas que a sociedade encomendou à custosa diligência das federações. Ele está em toda parte: unitário e múltiplo, incômodo e serviçal, insensato e complacente, preguiçosos e febril, angelical e pornográfico – tudo isso conforme amanheça seu fígado. É o melhor intermediário no amor e o mais perigoso na raiva; o melhor espetáculo para animar um jogo e também o mais eficiente em por tudo a perder.
Quando, resplandecida a imagem do time à organização dos privilegiados, o bobo é relegado a um novo lugar na escala diatônica da utilidade social, desalojado que foi por esses gigantescos e complicados mecanismos de alienação, que a sociedade inventou em nome da ordem mundial.
Foi exatamente isso que aconteceu com o bobo, a quem numa certa manhã meteram num trem e levaram para o longe, ingrata e inoportunamente convocado para outras alegorias compulsórias. Mas não demorará muito para que o bobo – e isso apenas pelo fato de não se encontrar mais ali – se faça notar.
Faz falta um par de orelhas longas e peludas que a tudo escutam, e quatro dentes cariados sempre a sorrir, apesar do oferecido. Um bobo que durantes vinte anos, todas as noite, se dirigia à praça pública para contar a glória de feitos atléticos alheios. Alguém capaz de cantar o hino com o alegre senso de improviso que é comum a todos os bobos num campanário, a extraordinária faculdade de, ao mesmo tempo, entoar o grito e acompanhar a batalha.
Um dia percebam, quem sabe, sua importância e começam a angariam fundos a fim de repatriá-lo. Meritória tarefa de uma comunidade, que oportunamente se dará conta de que faz falta um bobo, e talvez tenham a coragem cívica de reconhecer que erraram.