Atletiba, Grenal, Flaflu. Com ou sem reforma ortográfica, estes nomes precisam ser separados por um hífem. Quando não há, a gente enxerga mesmo assim. Embora formem uma só palavra na boca do narrador, são expressões que representam em forma de pequeno paradoxo linguístico o antagonismo que salvam ambas as partes da mediocridade de viver sem um rival direto, de mesmo porte e passado. Torcedores que muitas vezes se recusam a citar o nome do rival curiosamente não sentem nojo de uma palavra que una os nomes dos inimigos, algo que poderia equivaler a um fio de cabelo de cozinheiro descuidado num prato de sopa. As forças que se medem em cada esquina de suas cidades se repelem em pequenos gestos simbólicos.
O fato é que, no campo simbólico, o hífem, que fazia o papel de cordão de isolamento separando as torcidas escritas, mostra sinais de que, no campo real de jogo, está para acabar. Com um atraso espantoso, estamos testemunhando aliviados sinais de que alguns rivais compreendem onde devem medir forças e, principalmente, onde precisam uní-las por um bem comum. O campeonato estadual, cantinho no mundo para um justo e inofensivo bairrismo caipira, tão chicoteado pelo mundo sedento por globalização, está, em 2017, servindo como palco de cenas que podem, na história contada do futuro próximo, ser descritas como fundamentais em uma mudança de eixo de um futebol brasileiro que só se verá totalmente livre da lama com o passamento de algumas gerações.
O Flaflu com estádio dividido, neste domingo, é a vitória brava dos conscientes contra a retórica dos legalistas, e este duelo não tem um nome, sei lá, “Conscielista”. Ironicamente jogado na cancha botafoguense, clube, com seus motivos, ainda apegado ao ramerrame da discórdia menor que sabota a pauta maior. Dependesse dos homens do lado de lá da batalha, os legalistas, bastaria dizer “foi uma decisão judicial, e este tipo de decisão a gente acata”. O futebol paulista viu exatamente este tipo de comportamento, Paulo Nobre e Roberto de Andrade à frente. No Rio, não: Fla e Flu protegeram juntos o legado de suas próprias camisas misturadas em campo e refletidas nas arquibancadas. Não precisaram pensar objetivamente no torcedor, que isso é coisa que vem junto do óbvio. Dividir estádio no Rio não é propor saudosismo aos contemporâneos, é preservar o mais elementar significado estético, que também é físico, prático, necessário para que um jogo de futebol continue mais relevante que uma tarde na praia ou num boteco sem TV. Bateram o pé até cair a decisão, e que caia o pão de açucar se for necessário.
O Atletiba unido contra a televisão, embora sem anjos no comando do ataque de lado algum, é outro excelente exemplo do quanto o desejo das camisas é capaz de, com algum trauma e um ou outro arranhão, subverter esse maldito costume estabelecido no consumo do futebol brasileiro. A caneta que assina para Chico, assina para Francisco, e a trama jurídica suportou um comportamento conjunto das equipes curitibanas que, de quebra, decepou outro estereótipo fácil dos homens do carpete, aquele que dizia que o torcedor é burro, passional e incapaz de compreender certos contextos. Pois atleticanos e coxa-brancas, no centro do gramado, com camisas intercaladas, saudaram o público e receberam aplausos, não vaias, de milhares de pessoas que saíram do conforto de suas casas num domingo. Não, eles não são clientes. Não são como o Stênio Garcia no cinema ou a Xuxa no Mercado Livre. São torcedores de futebol, e voltaram pra casa tranquilos mesmo sem verem um jogo de futebol. Em compensação, viram a expressão atletiba sair da retórica e ganhar corpo real.
Flaflu e Atletiba jogaram alguns de seus mais importantes clássicos neste estadual de 2017, e eu não escrevo tudo isso com esperança real de que os clubes se unam e acabem com essa relação inacreditável que possuem com as federações estaduais. Não custa lembra que Corinthians e Palmeiras, absolutamente alheios a qualquer contexto do futebol nacional, acionaram uma fofucha união dos departamentos de marketing, que, juntos, lançaram o slogan “O Maior Dérby do Mundo”. O Corinthians com sua arena, dane-se o Maracanã. O Palmeiras na Libertadores, e dane-se a greve do futebol argentino. O Corinthians com seu contrato com a Globosat, o Palmeiras assinado com a Esporte Interativo, e dane-se o Youtube. Corinthians x Palmeiras em campo com torcida única, e dane-se a gente.
Muita coisa ainda para lutar contra, Fla, Flu, Atle e Tiba. Mas me parece que o caminho vocês já entenderam qual é.