*Por Miguel Rios
Dandara dos Santos chegou ao New York Times Times, ao The Sun, ao Daily Mirror. Sua morte, seu massacre, correu parte do mundo. Sem pestanejar, atestaram a existência de LGBTfobia no Brasil. Talvez só assim convençam que ela existe. Talvez nem assim. Nem diante do óbvio tem gente que se convença, que admita ou que pare de fingir. Gente que vive para negar. Gente que vive para normalizar violências. Gente que vive para culpar a vítima pela agressão sofrida.
Nem diante de um vídeo feito pelos assassinos, se convencem. Nem diante da nitidez de que Dandara foi morta como entretenimento. Documentaram os próprios risos, a galhofa, as pancadas, a humilhação. Registraram os comentários: “Viado feio”, “Vai matar o viado”, “Rá Rá Rá Rá Rá”. Enquanto surravam, gargalhavam, se autopromoviam.
Gravaram o vídeo para rir mais depois. Para compartilhar com as amizades, para que rissem também. Queriam se gabar de tê-la feito sofrer, tê-la feito sangrar, tê-la feito chorar, tê-la levado ao desespero, ao fim. Brincaram de gato e rato com a presa. É LGBTfobia ou não?
Queriam se vangloriar de serem os machos em defesa da macheza. De serem exterminadores. De eliminarem uma aberração. Dar cabo de quem desobedeceu às sacrossantas regras da masculinidade, quem ousou decidir ser o que sentia ser, quem desviou da imposição de comportamento e sexualidade que atrelam a ter pênis e testículos entre as pernas. É LGBTfobia ou não?
Dandara ousou ser mulher, se portar, se vestir, se batizar como uma. Um crime imperdoável, acusaram. Pena de morte, sentenciaram. Morte violenta, para servir de exemplo e para elevar o moral de seus carrascos. É LGBTfobia ou não?
Dandara era um acinte aos machos. O que foram treinados a desprezar, caçar e abater. Porque a veem como um animal inumano, perigoso, detestável. Sua morte começou muito antes. Começou quando pai, mãe, família, vizinhos, amigos, comunidade, mundo implantaram a ordem de que se você nasceu com genital tal, você tem que ser do jeito tal, amar gente com o genital tal. Andar do jeito tal, sentar do jeito tal, falar do jeito tal, se cumprimentar do jeito tal, se vestir do jeito tal, beber do jeito tal, transar do jeito tal, se expressar do jeito tal. Viver totalmente dentro do jeito tal.
Ai de você se sair dos trilhos, nem que seja um pouquinho. Ai de você que vai ouvir piadinhas, que vai levar ofensas na cara, que corre risco de surras para se ajeitar, que não temerão em te assassinar para servir de exemplo, para saber que há leis criadas para serem obedecidas, para que ninguém mais saia da linha.
É a LGBTfobia. A estrutura de poder para que pessoas apontem pessoas como incorretas, como não naturais, como afronta ao divino, para que possam se autoeleger corretas, naturais, divinas. Para que se apresentem como superiores.
Daí terem tanto medo de debate de gênero e sexualidade nas escolas. As informações que virão têm tudo para demolir um discurso de ódio baseado em preconceitos, em conhecimento vago, em uma ideologia de senso comum, rasa e desmontável diante da instrução e da competência em discutir, em informar, do fazer pensar.
Se a ideologia de ódio se espatifa, como manter os privilégios de superioridade da parcela hétero cisgênera? Como manter o público LGBT na caixa dos rejeitados, dos que deram defeito? Como brigar com estudos fundamentados tendo apenas blá-blá-blá de igreja e de conservadorismo como argumentos? Como convencer as crianças e a adolescência, cheias de informação, de referências de pesquisa, com o discurso sem sustância? Como lidar com o próprio debate precário? O saber esmaga a ignorância. Querem-no bem distante.
Dandara foi morta pelo debate precário. Pelo ensino cotidiano e bate-estaca de que ela era uma não pessoa. Um ser abjeto, sem direito a existir. O orgulho nos rostos e nas risadas de seus assassinos é por estarem convictos de que faziam uma limpeza social, que promoviam o bem-estar social ao eliminar o que foram adestrados a reconhecer como uma praga, um mal a ser extirpado. É ou não LGBTfobia?
É. Nitidamente LGBTfobia. Trata-se da banalidade do mal. A naturalização dele. A justificativa. Uma propaganda de ódio e ataque como a feita pelo estado nazista. Que ofende, rejeita, exclui, cria guetos, perseguições, maltrata, violenta e mata. A todo instante, em todos os lugares. E recebe aplausos e risadas.
*Miguel Rios é jornalista, recifense, militante LGBT e filho de Oxalá.
Raphael disse:
Parabéns ao autor, Miguel Rios, pela abordagem. Toda forma de preconceito deve ser denunciada e rejeitada numa sociedade democrática.
Mariana Mesquita disse:
Que o absurdo sacrifício diário de dezenas de dandaras e gilbertas que não chegam às páginas dos jornais não seja em vao.
Que elas saiam dessa condição de sub humanas, quase nadas.
Que tragédias inaceitáveis como esta não se repitam.
Que este assassinato em praça pública sirva como catalisador para leis mais efetivas, instrumentos de prevenção mais explícitos e punições concretas e exemplares.
Antonio Cleilson Ferreira Vasconcelos disse:
O debate sobre a diversidade sexual foi criado artificialmente para distrair as pessoas dos problemas reais da sociedade. E neste caso o problema do Brasil é a insegurança, pois em grande parte do país não há autoridade do Estado, o povo está abandonado e as máfias mandam. Antonio Cleilson não morreu de homofobia. Eles não o mataram porque ele era homossexual, mas porque o acusaram de roubo em um lugar dominado pelo submundo. Esses bandidos o acusaram e, sendo parte de uma máfia, se autoproclamam autoridade naquela área. Agora, o fato de Cleilson ter sido vítima de linchamento não faz dele um herói. Sua mãe tentou incutir nele bons valores e ainda assim, ele queria seguir uma vida de prostituição. Ele contraiu o vírus da AIDS porque era promíscuo e degenerado.