A contradição do Clássico das Multidões sem torcida

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*Por Anderson Santos

Alagoas viu no final de semana o quinto clássico entre CSA e CRB no ano. O terceiro com algum elemento estranho, ou a falta dele: a torcida Após cinco jogos no Campeonato Alagoano com portões fechados, incluindo os dois clássicos da primeira fase, o deste último domingo pela terceira rodada do hexagonal, que contou só com torcedores azulinos. A decisão havia sido tomada em reunião para definir o segundo jogo da fase inicial do Nordestão, ainda no início de março, e foi ratificada pela Justiça Desportiva na semana passada.

A semana, por sinal, foi marcada pela disputa entre as diretorias nos perfis de mídias sociais sobre o tema. De um lado, o CSA entendia que torcida única significava: “paz no estádio, família no jogo e segurança muito maior, dentro e fora”. Do outro, o CRB foi direto, não apoiando a decisão por indicar o “fim do futebol alagoano”. O clube regatiano tentou reverter na justiça, por ferir o regulamento da competição, que define carga de 10% dos ingressos para o time visitante. Não conseguiu.

Todo este cenário surgiu como punição ao que ocorreu no segundo jogo da final do Alagoano do ano passado, quando o CRB ganhou o título, mas as imagens que foram passadas em diferentes meios de comunicação foram as de dois espancamentos entre torcedores dentro do campo do Trapichão. Não se sabe se quem participou daquele grave acontecimento seguem fora dos estádios – apesar de a cada jogo a crônica desportiva local sempre relatar a quantidade de pessoas presas.

O que se conhece é que ambas as equipes foram punidas. De início, o entendimento era que precisariam jogar fora de Maceió, o que quase parou o campeonato em fevereiro, mas depois cumpriram a punição de atuarem com portões fechados, gerando prejuízo financeiro para os clubes, especialmente o CSA, que não conta nem com o patrocínio de R$ 1 milhão da Caixa, nem com o recurso por participar da Série B (cerca de R$ 4,5 milhões) que o rival pode se apoiar durante o ano.

Para se ter uma ideia do prejuízo, a média de público pagante do CSA no ano passado (Alagoano + Série D) foi de 8776 pessoas, que geraram um lucro líquido de quase R$ 2 milhões. Mas vamos pegar como referência o valor ganho com CSA 1X2 Itabaiana, com tiquete médio de R$ 8 e público pagante de 5499 pessoas: R$ 46.630. Tirando os descontos, mais de R$ 100 mil não foram para os cofres azulinos de janeiro a março.

Antes de ir ao estádio, previa que a decisão da diretoria em não brigar para a entrada da torcida rival aumentaria esse prejuízo. Ainda sem os números do público, já que em Maceió só se tem isso no dia seguinte, imagina-se que tenha sido por volta de 7 mil pessoas. O time não vem bem em 2017 e, mesmo sendo clássico “família”, era claro que os 3 mil do outro lado financeiramente fariam falta – até porque dentro dos prováveis 7 mil entram os sócios, cujo valor é pago em separado.

Falando pelo lado torcedor, o clássico começa mais de meia hora antes da partida, com os gritos de provocação entre as torcidas dentro do estádio – bem separadas por divisórias no Trapichão. Seguem depois no andamento do jogo, com direto à “Mundiça se calou” de acordo com o que ocorre dentro das quatro linhas. À exceção do que ocorreu em maio de 2016, ao final do jogo, a torcida definida pela PM (ganhadora ou perdedora) para sair antes saía e as provocações ficavam para o outro lado sem qualquer maior acidente.

Entendo que torcida única significa admitir que a sociedade não tem capacidade para lidar com grandes eventos, mesmo se tratando de um clássico centenário como CSA X CRB – assim como ocorre em São Paulo e tentaram fazer no Rio de Janeiro este ano. Costumo dizer que o evento futebol é privado e, como tal, deveria ter segurança interna específica e preparada para isso, como deve ser em shows. A violência de dias de jogos nas ruas, que aí sim caberia aos órgãos públicos do setor, é parecida com a que temos no dia a dia – no caso de Maceió, da capital mais violenta para jovens no Brasil.

No final das contas, em tudo que parece haver intolerância, normalmente de dezenas em meio a milhares, opta-se pela decisão ainda mais intolerante para a maioria. Caminhamos para o momento da “seleção natural” da torcida, como ocorreu na Inglaterra a partir de relatórios forjados, em que evitaremos determinadas pessoas no estádio não porque cometeram algum crime antes – sim, em estádio também é crime –, mas porque pessoas com determinados limites de renda ou times, para alguns jogos, estariam mais predispostas a serem violentas ou a estimulariam.

Enquanto torcedor do Centro Sportivo Alagoano (CSA), sócio-torcedor desde o final de 2014, neste assunto eu concordo com o CRB. Não bastassem os dois clássicos, dentre 489, sem público pela primeira vez em 101 anos de história do Clássico das Multidões, podemos caminhar para uma direção de torcida única, como hoje, também pela primeira vez de um confronto que já teve público dividindo as grandes arquibancadas do Trapichão. Com CSA e CRB competitivos novamente, incluindo em torneios nacionais, e a regularidade do ASA, parece que queremos copiar o que não é bom de outros Estados. Não existe Clássico das Multidões sem as torcidas, que o “fim do futebol alagoano” não ocorra.

 

*Anderson Santos é professor da Universidade Federal de Alagoas, jornalista e mestre em Ciências da Comunicação.

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