Talvez o trauma de ter vivido esta recente “copa do mundo” ajude no exagero e na amargura a seguir. Talvez seja o restaurante “comfort food” ou o salão de beleza com conceito. Pode ser também o “bistrô com conteúdo”, que ensina o inacreditável prato de pipoca com chocolate derretido por cima (com conceito!), o metrô que não anda mais na linha, os “golaços” da rodada do brasileirão que parecem saídos de um videogame, e não posso me esquecer das antenas que não cessam a confusão…
Mas, vamos lá.
Há dezoito anos, pelo menos, me sinto um zumbi. Mataram o futebol, e teimo em mantê-lo vivo numa fagulha no meu peito – único rincão que nos sobrou. O jogador do Newell’s calça chuteiras amarelas; o do Central, vermelhas. Ninguém se revolta. A polícia atira, à queima roupa, e a TV filma tudo. Tudo virou filme, todos se sentem as estrelas que, realmente, somos em essência – a ironia é que me parecem tão decadentes nesta forma humanóide/modernóide, ocas luzes que morrem na aurora da plena compreensão da realidade. O surreal aí está, jorrado, desonrado e festejado. Tempos atrás vendiam o milagre da segurança social nas câmeras de seguranças, que enfeitariam as calçadas de condomínios, escolas, microempresas, multinacionais, esquinas a todo canto!
Hoje, vê se neste exemplo o quanto o mundo gosta não só de equivocar-se sem parar, sem aprender em cada queda, como principalmente a habituar-se a lidar com o surreal, aquilo que reza ser uma coisa, quando é o oposto, de fato – parece ate papo do diabo da bíblia. A que ponto chegou a coisa toda! O orgulho e a empáfia que reinam nas ruas e cega o aprendiz. Não somente os crimes continuam existir, agora eles são filmados, saciando o sadismo que, também, compõe o novo homem. O pior é o efeito psicológico das coisas. A presença das câmeras glorifica a morte do humano. Engana-se o tempo todo. Atua-se diante delas e como elas estão por toda parte, finge-se a vida a todo instante. As pessoas não compartilham mais, só sabem competir. Os de dentro do “castelo” iludem-se de segurança com as câmeras; os de fora as invejam e, estupidamente, as almejam.
E assim semeiam no pobre não o sentimento de justiça, e sim de querer apenas trocar de lugar com “os de cima”. A confusão dos diabos, sanguinolenta, sempre. Como sobrevivem, dia após dia? Dopados! Cada vez mais… as festas não cessam, dia e noite, uma emenda na outra, com “esquentas”, “afters”, ocupando as horas de cada novo dia que nasce.
Onde fica a luta? Foda-se a luta! “O mundo é bão, Sebastião!”. Vamos sorrir, é a “geração cocaína” do sorriso histérico, numa doentia sequencia na página da rede surreal, que os pegou como peixinhos, na real. O “sorriso Ronaldo Gaúcho” venceu, eles entrouxaram “guela” abaixo. Goebbles morreu, ele agora veio na forma escancarada. Não faz veneno silencioso. Agora é barulho, é para as massas, todos estão juntos no barco da festa que não acaba e sufoca o que poderia ser luta. As eleições explicitaram que esta nova geração “Flower Power” muda tanto a sociedade quanto qualquer outra que veio antes. Mas vive o tempo todo pensando que faz, que realiza, todos brigam por poder, querem gritar mais alto. O que bradam não importa mais. É uma merda atrás de outra. Mas tem que gritar. São estes tempos de guerra cósmica que afeta mares, polos energéticos…
Imaginemos nós, lindas e minúsculas formiguinhas que somos neste universo, quanto poder interno acumula-se neste processo e que precisamos jorrar para não explodir. Vamos nos bestificando. Viver como escravos parece não incomodar essa gente, tampouco. O inferno cresce na sua cara e sua expressão parece cada vez mais amena. A cotinha, a migalha te faz dormir tranquilo, com seu papel cumprido. É assim que domesticam o homem, enjaulando-o e divertindo-o. É o homem-escravo-hiena. Se permite misturar com seu puto amo, que por sua vez, também não suporta mais ignorar o sabor do suor de seu serviçal. O encontro dos mundos, é a dança dos planetas. Aqui embaixo, a coisa ficou feia demais. A chuteira amarela no rival vermelho, e a vermelha no rival amarelo. Eles se revoltam? Não, estão sorrindo, muito bem vividos e alimentados. E dopados!
Os que se revoltam também não parecem mais tão longe dos alienados. A melancolia reina no milésimo de segundo em que você sabe que o avião vai colidir com a montanha. Com tesão de sobreviver a tudo isso, o pobre e o rico vão se aproximando, na robotização, o regresso a tempos ignorantes do homem-macaco, em suas mediocridades, desejos, medos que se assemelham, também cada vez mais. Aprendendo a compartilhar nesta doentia competição. Na marra, sanguinolento, sempre. Se violentando cada vez mais, buscando abrir cada possibilidade, cada pedaço de carne, fazer jorrar o sangue. Querendo ver lá dentro, de que somos feitos, estes seres tão infectáveis, tão adoráveis. Como podem se perder tanto a ponto de matar seu mundo? Na escravidão de cada um de nós, vivos na era em que, finalmente, um império conquistou todo o globo. Este império dos cabos elétricos.
Eu tenho um sonho também, como aquele mister King fazia. O meu, hoje, é um mundo sem mais um fio elétrico, uma antena. Apenas comunicação natural, trocas naturais. Por que com o globo todo amarrado dentro de si, o que fazem alem deste amar, respirar, gozar, comer, cagar, mijar, gozar, dormir, pensar e sentir que nos define? O puto amo vai responder com o domínio, o controle. O momento em que alguém se esqueceu daquela que deveria ser a primeira e ultima regra do ser humano aqui: ninguém é mais ou menos, menor ou maior do que outrem. Quem não vive isso, faz merda, pisa no calo e não pede desculpa, e passa mais um e-mail via smartphone, a única esperteza que lhe sobrou. É a cena da miséria com a tecnologia, o siamês que te recepciona na porta do inferno e que tirou tantas noites de sono daquele velho Nostradamus.
O pênalti perdido no ultimo minuto. O gol contra. A falta. A ausência. Este caminho leva direto ao fim, doloroso, sem volta. Quero perfeição, não. Reconheço e torço pela existência da imperfeição no processo evolutivo de todos e cada um de nos. O que me faz escrever essas coisas é a falta da mera oportunidade de algo (perfeito, imperfeito ou a caminho de ambos…) acontecer naturalmente. O aperto da garganta encontra na morte o limite da força dos músculos do assassino. Eu só estou estrebuchando meu desespero antes que isso aconteça. Do outro lado deste vicioso espelho da vaidade e ignorância, jaz o além. Além-mar para Colombo. Além dos 4Gs para os humanoides versão 2014.
Vamos além, amar o boicote (um santo!), sentir intensamente a negação, plena e deliciosa – verdadeira, sem concessões. Viver estes pequenos sacrifícios que escondem gigantescas doses de carinho, vigilância, respeito a família de Antonia. Compartilhar o mesmo Oceano Atlântico de hoje, infectado séculos a fio por malignos cargueiros de mercadorias e homens-mercadorias, o velho Himalaia, a Amazônia, o deserto do Saara sem medo, com igualdade entre cada uma de nossas formiguinhas, incondicionalmente. O mesmo mundo será outro, irreconhecível às micro-ondas que estrangulam a criatividade e paixão, irresistível aos que apenas querem viver com liberdade. Bom dia.