Primeiro, Levir Culpi, treinador do Atlético-MG, criticou abertamente a cultura de concentração que o futebol brasileiro mantém como praxe desde quase sempre.
Na noite de ontem, Muricy Ramalho fez o mesmo, e defendeu a mudança na maneira como o tema é gerido. No jogo desta segunda-feira, até pela data inusitada, o São Paulo optou por deixar os atletas em suas casas na véspera, domingo de eleição. A delegação se encontrou apenas na tarde do jogo.
Concentração é um tema que ninguém costuma levar muito em conta. Se colocar uma lupa em cima, certamente vai encontrar motivos para questionar. Os atletas de ponta, cada vez mais ricos e munidos de objetos eletrônicos, experimentam o que de pior a concentração pode oferecer. Uma solidão virtualizada. Uma angústia ociosa que carimba um atestado de desconfiança entre as partes. O clube não quer o atleta com sua esposa, namorada ou garota de programa. O atleta não sabe como rebelar-se sem ser fritado no momento seguinte.
Em sua autobiografia, Magic Johnson, astro do basquete, de personalidade implacavelmente efusiva e promíscua, um caçador de emoções e diversões, nos dias de jogos em casa, se apresentava no ginásio duas horas antes da bola subir. Normal. Na NBA são mais de 80 jogos só na temporada regular, os treinos são infinitos, encontrar-se no vestiário era um alívio, o assunto sobrava ao invés de faltar, a amizade e parceria era mais espontânea que imposta.
A Seleção Brasileira de futebol tornou público semana passada o novo caderno de regras dela. Nela, entre outras coisas, todo mundo precisa jantar junto e só após o capitão levantar-se os outros também podem. Como reúne jogador de todo canto do mundo, o encontro da Seleção torna inevitável uma reunião da delegação em um hotel. Mas a cartilha nova dela parece sublinhar que a tal cultura que trata jogador como interno de reformatório não é, para ela, um problema.
De um lado, Muricy, Levir e Magic Johnson. Do outro, Marin e toda uma história sem sentido que tira os jogadores de suas casas e famílias em troca de uma hipócrita segurança e de um falso sentido de união do grupo, tempo de convivência, blá, blá, blá.
Ainda é o começo. Times como o Botafogo suspendem a concentração quando o salário está atrasado. Times como o Guarani suspensem a concentração quando a diretoria não tem como pagar o hotel. Tem um tal de Bom Senso FC na área, em tese para defender algumas mudanças, para arejar o ambiente da bola. Tem também um sindicato de atletas que poderia sair dos anos 80 e enxergar o jogador de hoje como gente séria. “Ah, mas nem todos são, não dá pra confiar que chegarão bem nos jogos”.
Aí sim este é um problema do clube. A lógica não é prender, e se você pensa isso, tenho dó de seu namorado ou namorada. Se um profissional bem pago, funcionário do clube, não merecer a confiança do próprio patrão, estamos então bem longe de um futebol sério.