A primeira resposta sobre a cor do fatídico vestido sempre vem acompanhada de um tom de obviedade. É inimaginável que aquilo que vemos não seja real, que outra pessoa em sã consciência veja outra cor. Inicialmente a pergunta nem faz sentido. Mesmo quando nos dizem que metade da população mundial vê outra cor, nossa reação é de incredulidade e de desconfiança de estarmos em algum tipo de pegadinha.
Para um torcedor, no entanto, a situação não deveria parecer nem um pouco estranha. Na verdade, estranho seria se todos vissem a mesma cor na maldita imagem. Todo dia um corinthiano vê méritos em seu time, sua torcida e sua diretoria, enquanto palmeirenses veem sorte, exagero e trapaças nos mesmos fatos. Num maracanã lotado aqueles com vestidos camisas rubro-negras enxergam um lance normal enquanto aqueles que tem a cruz de malta no peito sabem que o desarme foi faltoso. Não é a percepção de cada um que é diferente: é a realidade que muda. Tanto é verdade que quanto mais se vê replays do lance, quanto mais ângulos estão disponíveis, mais se tem certeza de ter visto certo da 1a vez.
Quem nunca cansou de ver e rever seu time ser roubado de todas as câmeras possíveis e enlouqueceu com o rival afirmando que o juiz acertou, só para na semana seguinte estar no lado oposto da discussão? Pelo menos uma vez por rodada todo torcedor acusa seus adversários de estarem loucos por verem uma posição ilegal num lance indubitavelmente regular. E por mais que saiba que se a situação fosse a contrária provavelmente mudaria de opinião, não consegue ver o impedimento naquele. Todo estádio de futebol nos apresenta inúmeros vestidos a cada quarta e domingo e para aqueles acostumados a ver torcedores discutindo não deveria ser estranho ver pessoas inconformadas com a discordância alheia a respeito da cor de uma foto.
O que me assusta nesse maldito vestido, no entanto, não é o desacordo sobre suas cores, mas sim como de repente o vemos mudar. Com certeza você já ouviu alguém contar como viu preto-e-azul, entrou no banho e na volta só conseguia enxergar dourado-e-branco (se é que isso não aconteceu com você quando decidiu dar mais uma olhadinha nele antes de dormir). Se a realidade pode se alterar de forma tão deliberada em relação ao vestido, pode fazê-lo para qualquer coisa. Imagine assistir a um clássico e só conseguir ver faltas pro seu rival? Começar a achar que as declarações do seu ídolo não são espontâneas e originais, mas jogadas de marketing do tipo mais barato e raso? E se ao abrir o jornal a impressão que se tivesse fosse de que a imprensa deixou de cornetar o seu clube e agora o protege e elogia de maneira não merecida? E se de repente você começasse a concordar com os torcedores rivais e ver como eles têm razão em cada uma de suas opiniões, tornando-se incapaz de discordar até a morte com eles?
Melhor não olhar mais para esse vestido.