No último final de semana hospedei, através do CouchSurfing, Fregmonto Oliphant, pseudônimo de um simpático australiano de 28 anos que está viajando há mais de um ano pela América Latina. Meu hóspede é natural de Melbourne, no sudeste do continente australiano, capital tanto do Estado de Victoria, segundo mais populoso do país, quanto do futebol australiano.
Para efeitos de comparação, 10 das 18 equipes da Australian Football League (AFL) – sucessora da Victorian Football League que se manteve durante quase um século, de 1897 até 1990 – estão localizadas em Victoria.
O esporte símbolo do Down Under é um misto do rúgbi, introduzido pelos colonizadores ingleses, com jogos clânicos do Outback. A partida é realizada em um campo oval, assim como a bola, com dimensões entre 135-185 metros entre os gols e 110-155 nas bordas laterais, cada equipe possui 22 jogadores – 18 titulares e 4 reservas – que disputam 4 tempos de 20 minutos, mais os acréscimos.
Em comparação com as outras modalidades de futebol a vertente australiana parece ser mais violenta e dinâmica, pelo que pude atestar pela coletânea de brawls e marks disponíveis no Youtube.
Freg é um entusiasmado torcedor do Melbourne FC, um dos clubes mais tradicionais da liga, fundador e campeão da Liga em 12 oportunidades, a última delas em 1964. Os Demons, como são conhecidos, mandam os seus jogos no Melbourne Cricket Ground, maior estádio da Ilha com capacidade para 100 mil espectadores e também casa da seleção australiana de críquete, foi uma das sedes da Copa do Mundo de Críquete de 1992 e do ano corrente, palco dos Jogos Olímpicos de 1956 e dos Jogos do Commonwealth de 2006. A temporada da AFL dura de março a setembro, justamente para não concorrer com o críquete, uma das outras paixões nacionais.
Um dos ídolos recentes da equipe azul e vermelha se chama Liam Jurrah. Ele foi o primeiro atleta oriundo de uma comunidade remota dos Territórios do Norte a jogar profissionalmente. Filho de Leo Japaljarri Jurrah, uma lenda do futebol Yuendumu – um dos jogos clânicos que deram origem ao futebol australiano – o atacante estreou na AFL na temporada 2009, apenas com 21 anos, mas teve sua carreira na elite – 36 jogos e 84 gols marcados – abreviada por questões legais.
Em seu quarto ano na Liga, o jovem astro se envolveu em um conflito tribal no acampamento de Little Sisters Town, nos arredores da sua Yuendumu natal, e acabou ferindo um homem de 35 anos chamado Basil Jurrah com golpes de machete, em resposta ao assassinato de um amigo em 2010. Liam compareceu a corte de Alice Springs, há 300 km de distância da sua comunidade, em março de 2013 e foi absolvido após 8 horas de julgamento. Dois meses antes, ele já havia perdido sua carteira de motorista após ser flagrado dirigindo alcoolizado. Em dezembro, mesmo sem licença para dirigir, foi perseguido pela polícia após ultrapassar os limites de velocidade.
Mas o pior estaria por vir. Sua esposa fez uma denúncia por violência doméstica e como o jogador era reincidente foi sentenciado, em abril de 2014, a cumprir seis meses de detenção no Centro Correcional de Alice Springs, onde sua mãe Corrina e o pai Leo também estão reclusos.
O caso da família Jurrah, exposto pela fama repentina de seu filho mais famoso, nos revela como as décadas de segregação da população aborígene na Austrália, algo semelhante ao Apartheid na África do Sul e a Lost Generation no Canadá – coincidentemente duas nações do Commonwelth – estão longe de ser superados.