Por Victor Faria
Aos 74 anos Eduardo Galeano ainda gostava de acompanhar jogos de futebol. Nada de futebol moderno e comercial. Ele gostava do trato do jogador com a bola, sua intimidade, dos movimentos de drible e fantasia, dos recursos mágicos e espetaculares de um camisa 10. A tática conceituada e estabelecida de nada importava.
Como todos os meninos uruguaios sonhava ser jogador. Era um apaixonado da bola, do drible, do passe, do gol. Praticava em sonhos jogadas sensacionais. Nos campos de Montevideo corria, chutava, brincava. Sabia ser o gol um detalhe da comoção de uma paixão nacional. Desde pequeno era torcedor do Club Nacional de Football. Logo em seu primeiro ano de torcedor uma vitória histórica contra seu maior rival. Um sonoro 6 a 0 que até hoje faz com que os hinchas bolsilludos pareçam apaixonados e se entreguem à nostalgia. Eram os heróis de um campo centenário. Inesquecíveis.
Apesar da gloriosa lembrança, os olhos do escritor sabiam ser apaixonados, acima de tudo, pelo futebol. Era capaz de guardar na memória lances aurinegros magistrais, narrava com perfeição jogadas de “Pepe” Schiaffino que levavam os torcedores de Nacional e Peñarol à loucura. O ódio e o amor se fundiam na prática de um futebol arte, mesmo em pés rivais.
Com o passar dos anos o futebol como espetáculo se tornara pragmático. A ousadia, o improviso, a fantasia deram lugar a estatísticas de velocidade, força e arremates ao gol. Um futebol sem alma, sem vida ao que chamamos de moderno.
Se achava sim um “andarilho do futebol”, um amante da bola que se esquivava de rótulos. Que percebia a beleza evidente do jogo longe dos holofotes e da televisão. Que amava a prática de uma partida por essência, sem motivo, sem relógio e sem juiz.
Com a precoce partida de Eduardo Galeano, o futebol mundial perde um autêntico torcedor. Fanático pelo futebol jogado em campos de terra batida, de traves imaginárias e linhas sensoriais. Apaixonado pelo drible e pela loucura acerca de um grito de gol. Quem sabe Álvaro Recoba, ilustre e ainda representante desse futebol, em seu ano de despedida ofereça ao querido escritor uma alegria mesmo que tardia. Que seja capaz de uma bela jogada pelo amor de Deus, que em seus últimos jogos seja atrevido e consiga a façanha de driblar um time adversário inteirinho, além do juiz e do público das arquibancadas, pelo puro prazer do corpo que se lança na proibida aventura da liberdade.