Por Victor Faria
Há quase um ano que Ernesto Oliveira não recebe correspondências de seu melhor amigo. Por 65 anos ininterruptos trocaram impressões sobre o futebol jogado na Colômbia, sobre táticas, talentos individuais e barulho da torcida. Todo sagrado domingo após o encerramento da rodada. Desde a fatídica derrota para o Once Caldas fora de casa, em abril passado, que seu amigo Gabo não responde.
Ernesto lembra que ao descrever a partida ao amigo suas palavras eram amargas. Estava desolado com a derrota e não entendia a forma como o time jogava. Mais exposto que a defesa só sua opinião e angústia. Não salientava sua indignação em defeitos táticos e técnicos, dos jogadores do Junior Barranquilla não espera nada além de raça.
A resposta do amigo era branda tal qual uma despedida. Ao invés o jogo, preferiu salientar o comportamento da torcida que naquele dia se portara com total desânimo em campos rivais. Já na chegada do campo oponente já pareciam cabisbaixos, desanimados. A impressão que tinha era de uma derrota anunciada. Também lembrava da falta de um ídolo, um mito além das brancas linhas. Alguém que pudesse resolver o jogo num lance ou assumir a culpa por um decorrente fracasso.
Muitos sabem sobre a primeira impressão de Gabriel García Márquez num estádio de futebol. Naquela tarde em que Heleno de Freitas estreava em campos colombianos e despertava em Gabo um sentimento único sobre esporte. O que os biógrafos do autor esqueceram de contar é que Ernesto Oliveira estava com Gabo nesse dia. Fora ele quem apontara o Doutor de Freitas em campo e contara com euforia todas as suas qualidades. Aguardaram com êxito um sucesso que em campo nunca se justificara.Desde então trocam figurinhas. Ernesto e Gabo como crianças que fantasiam em seu jogo de botão, uma paixão em via dupla e intimamente verificada. Todos os jogos, sem falta. Uma prática perpetuada em confidências datadas, vital aos laços de amizade independente do resultado. E assim os anos se passaram.
O que também não se encontra nas memórias do autor é o motivo de um atraso numa festa de premiação em que Gabriel García Márquez era o homenageado. Realizada num domingo de clássico entre Los Rojiblancos e El Ciclón Bananero, a cerimônia começara assim que encerrada a rodada. Em seu quarto de hotel Gabo aguardava o telefonema do amigo a fim de desfrutar de notícias frescas da partida, mas o telefone de maneira alguma tocava. Os organizadores do evento bateram à porta do quarto a fim de que o cronograma não atrasasse, mas o autor não respondia nem se apressava. Aflito, ele tentava desesperadamente falar com Ernesto, chegou a ligar para amigos próximos e até uma tia abastada. Sem sucesso. Ninguém sabia onde ele estava.
Já se passavam mais de 30 minutos e, apesar da insistência, Ernesto não era contatado. A preocupação de Gabo era evidente, se importava agora em saber do amigo e não do jogo, do resultado. A atmosfera de apreensão tomava o quarto.
De repente um mensageiro esbaforido chega ao quarto, clama por atenção sem obter qualquer tipo de resposta. Somente quando disse ter um bilhete em mãos, a ser entregue única e exclusivamente ao Sr. Exmo. Gabriel García Márquez é que o escritor abriu a porta. Rapidamente tomou o envelope das mãos do menino, e ao abrir a carta pode ver a seguinte mensagem: “2 x 1: Ganamos”
Gabriel García Márquez apenas sorriu e imediatamente subiu ao palco. Envolvente, natural, emocionado, o discurso daquela noite, dizem os especializados em crítica e oratória, fora o maior de seus agradecimentos. Um discurso épico. Jornais da época até trataram o atraso como uma estratégia de propaganda devido ao brilhantismo enunciado. Esplêndido e tocante, palavras de Ernesto quando soube do enunciado.Há exatas 52 semanas que Ernesto não tem resposta de seu amigo Gabo. Talvez a última derrota tenha muito o abalado e talvez seu comentário não tivesse o agradado. É triste o ficar sem resposta. Em ambos os casos.
Nesse jogo de confidências a maneira como jogam sempre fora mais relevante que o próprio resultado.