Nas últimas semanas, perdemos um dos jogadores africanos mais célebres de todos os tempos. Em sua homenagem, achamos justo resgatar, e porque não dizer, retificar uma história que durante anos foi mal contada. O texto foi traduzido livremente pela equipe do Sem Firulas do site In Bed With Maradona.
Em 22 de Junho de 1974, o Brasil ia vencendo tranquilamente um jogo da Copa do Mundo contra a já eliminada equipe do Zaire. Enquanto Rivellino e Jairzinho discutiam sobre quem bateria uma falta na entrada da área, ocorreu um incidente que transformou o jogo em uma das partidas mais memoráveis na história das copas.
Se Mwepu Llunga recebesse royalties a cada vez que o vídeo em que ele aparece saindo correndo da barreira e dando uma bica sem sentido na bola fosse exibido, ele seria um homem rico. O vídeo é conhecido, mas a história que o cerca é obscura.
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Infelizmente a teoria que se disseminou por anos foi a de que os jogadores africanos eram tão ingênuos futebolisticamente nessa época que mal sabiam interpretar as regras do jogo.
Para entender melhor a questão precisamos lembrar do presidente do Zaire na época Joseph Mobutu. O líder do país era um ex jornalista e grande entusiasta de esportes tendo conseguido hospedar a luta do século do boxe entre Mohammad Ali e George Foreman no país no mesmo ano de 74. Para a seleção de futebol, o presidente prometeu carros, casas e férias no exterior para os jogadores caso eles conseguissem a vaga para a Copa do Mundo de 1974.
Depois que a seleção obteve a classificação heroica (a última equipe africana em uma copa havia sido o Egito em 1934) apenas alguns jogadores receberam parte dos incentivos prometidos.
Posteriormente, a seleção chegava à Copa do Mundo no mesmo grupo que Escócia, Iugoslávia e Brasil confiando na dupla dinâmica do ataque. Adelard Mayanga, apelidado de “o brasileiro” pelos seus recursos técnicos e Mulamba Ndaye eram os responsáveis por carregar o time na campanha milagrosa.
O Zaire começou jogando bem contra a Escócia, mas acabou cedendo a derrota por 2 a 0. Após o jogo, o elenco recebeu a notícia de que não seria pago e furiosamente os jogadores ameaçaram entrar em greve.
Apesar das divergências, a equipe entrou em campo para o segundo jogo contra Iugoslávia. No entanto, a performance foi pífia, bem distante da atuação inicial.
Estranhamente, o técnico Blagoje Vidinic substituiu “o brasileiro” e o goleiro titular durante a partida ajudando a construir o placar de 9 a 0 para a Iugoslávia.
Quando perguntado sobre os motivos das substituições, o técnico afirmou que era um “segredo de estado” acelerando teorias da conspiração que sugeriam desde que o técnico (nascido na Iugoslávia) estaria ajudando o seu país de nascença até a possibilidade de oficiais do governo estarem exigindo a escalação de reservas que eram seus amigos no time.
A derrota também não foi bem digerida pelo presidente Mobutu que tomou ações diretas sobre o time e enviou guardas para ameaçar o elenco em caso de nova derrota por goleada diante do Brasil. “Após a partida contra a Iugoslávia, os guardas do presidente fecharam o hotel para jornalistas e nos avisaram que se perdêssemos por 4 gols para o Brasil não retornaríamos para a casa”.
Alguns dias depois, o momento clássico. Perdendo por 3 a 0, aos 40 minutos do segundo tempo, os jogadores do Zaire viam de perto uma enorme possibilidade de não retornarem para suas casas tendo o governo como patrocinador da ação.
Quando entendemos o contexto, a corrida de Mwepu em direção à bola parece muito menos com uma ausência cômica de entendimento das regras e muito mais como um ato desesperado de sobrevivência. Por vezes exibido em uma coletânea de “momentos engraçados do futebol” essa cena representa praticamente o oposto: um exemplo do que pode acontecer quando jogadores viram uma brincadeira para ditadores.
Nenhum dinheiro prometido foi pago aos jogadores e o governo parou de financiar a equipe logo após a Copa do Mundo. O Zaire (agora chamado Congo) nunca mais chegou a uma copa.
A maioria dos jogadores da equipe viveu o resto de suas vidas na pobreza, impedidos de jogar em clubes do exterior. Ndaye Mulamba, possivelmente o maior jogador da história do Zaire mendigou nas ruas da África do Sul até o final da sua vida. “Na Europa, eles homenageiam os futebolistas enquanto aqui todos te conhecem enquanto você joga, mas te esquecem quando você para”.
O caminho África-Europa era impossível para Mulamba e seus conterrâneos em 1974, mas as suas palavras mostram porque esse caminho é tão desejado pelos jogadores africanos até nos dias de hoje.