Diego Gallardo, amigo de longa data, é natural de Antofagasta, mas viveu boa parte dos seus 30 anos em Santiago. Apesar de ser hincha de ley da Universidad de Chile, se considera mais boliviano do que chileno. Foi por este motivo que saiu da capital na última segunda-feira com destino à Valparaíso para acompanhar a segunda partida de La Verde nesta edição da Copa América.
Antofagasta, conhecida hoje como II Região, pertencia à Bolívia até 1879, quando em 14 de Fevereiro tropas chilenas ocuparam o território – estopim para a Guerra do Pacífico – e o anexaram após vencida a Batalha de Topáter, no mês seguinte, representando a perda da saída ao mar para os bolivianos.
La Perla del Norte foi o palco do “amistoso” entre Chile e Bolívia, em outubro do ano passado, que terminou empatado em 2 gols. Destacável foi a comemoração do primeiro tento anotado por Carlos Saucedo que simulou estar nadando no gramado do Estadio Regional Calvo y Bascuñán, sendo apelidado de Caballo del Mar. Poucas semanas depois, Alvaro Garcia Linera, atual vice presidente boliviano, declarou, em ato solene referente aos 188 anos de criação da Marinha, as seguintes palavras: “Para que Bolívia renuncie al Mar deben matarnos a todos”.
Já em março deste ano, La U visitou The Strongest em La Paz, partida válida pelo Grupo 4 da Copa Libertadores, e acabou sendo derrotada por 5 a 3. Contudo, os Romanticos Viajeros saíram vitoriosos do Estadio Hernando Siles, pois um grupo de torcedores azules levou uma faixa com os dizeres: “Mar Para Bolívia Con Soberanía”, contrariando a versão oficial do Ministério das Relações Exteriores do Chile, que inclusive criou uma página chamada Mito y Realidad – Bolivia tiene aceso al mar. No mês passado, a discussão retornou ao Tribunal Internacional de Justiça, localizado em Haia, no qual os bolivianos pedem a modificação do Tratado de Paz, assinado em 1904.
Voltemos ao Estadio Elías Figueroa Brander, ironicamente, separado há poucos metros do Oceano Pacífico. Logo aos 5 minutos de jogo, a Bolívia já ganhava do Equador, após o escanteio cobrado por Martin Smedberg-Dalence encontrar a testa do veterano Ronald Raldes. 13 minutos adiante foi a vez de Smedberg marcar o seu primeiro gol pela seleção paterna. Ao contrário dos seus companheiros, Martin foi criado no litoral, entre Norrköping e Götteborg, banhadas pelo Mar Báltico e Mar do Norte, respectivamente. O meio-campista de 31 anos é fruto do relacionamento de uma sueca com um boliviano natural de Oruro e esta foi apenas sua terceira partida por La Verde.
Houve tempo ainda para duas penalidades na sequência, assinaladas pelo árbitro salvadorenho Joel Aguilar, para cada lado. Romel Quiñonez conseguiu parar o arremate de Enner Valencia, enquanto Marcelo Moreno bateu firme no canto, sem chances para o goleiro Alejandro Domínguez. Após o terceiro gol boliviano meu amigo, citado no primeiro parágrafo, ouviu um garoto, trajado com o uniforme verde, perguntar ao pai: se gañamos nos devuelven el mar?
A lembrança de uma vitória pela Copa América é quase tão longínqua quanto o acesso ao mar para os bolivianos. O último triunfo ocorreu nas semifinais de 1997 e a única conquista foi em 1963, ambas sediadas no Altiplano. Nesta ocasião os anfitriões celebraram com o famoso grito de guerra:
Bo-bo-bo
Li-Li-Li
Via-Via-Via
Viva Bolivia
Por toda la vida
Con su litoral
Os chilenos e equatorianos presentes na Playa Ancha faziam questão de lembrar a questão marítima ao cantar: Hay que saltar, hay que saltar / El que no salta no tiene mar. E bem que Valencia e Miller Bolaños tentaram prender o grito preso há 18 anos, ao descontarem para os bananeros no 2º Tempo. Mas o placar se manteve 3 a 2 para a Bolívia no final, que chega com moral para o clássico contra o Chile.