Por Felipe El Biglia de la Gente Dominguez
Dona Regiane é um anjo da guarda e reserva moral na residencia dos Dominguez. Sabia, com o senso materno aguçado, jamais se esquece de seu segundo filho ao secar a garrafa de um bom Cabernet. O álcool reanima as convicções, a solidão pós-Karlinha e os anseios futebolísticos de uma alma de luto. Visto a jaqueta clássica do Tricolor, com a mesma fé e devoção de outrora. O Morumbi é o destino, o Fluminense o rival. A frieza do clima, da arquibancada, do peito de Ganso, Pato e Luis Fabiano, retrata o futebol paupérrimo das duas equipes. Um show de horror, “praticamente”, digno dos mais tensos roteiros do mestre José Mojica Marins.
Na coletiva pós-jogo, El Profe Osorio tentava esconder a má atuação de seu time exaltando o legado da seleção chilena. Sem a devida interrogação, Michel Bastos se transformava em Valdivia, Lucão em Medel, Ganso em Vidal… o fato é que La Roja se tornou vanguarda, em meio a decadência e a perda de identidade das grandes potências que ficam eternamente esperando pela individualidade de Messi, Neymar e cia. O Chile esta em todas as discussões. Algo impensado antes de 2007, quando La Roja brigava apenas pela quinta, sexta ou sétima colocação nas eliminatórias. Marcelo Bielsa, com trabalho e perseverança, levantou a auto-estima chilena. Claudio Bravo, Gary Medel, Jean Beausejour, Mauricio Isla, Gonzalo Jara, Matías Fernandez e Arturo Vidal começaram o ciclo com El Loco somando polivalência e vitalidade. Todos, sem distinção ou polêmicas, hoje gozam a conquista com o devido reconhecimentos aos 8 anos de trabalho, com a clara identificação com esta ideia de jogo.
O goleiro formado no Colo Colo é um emblema do esquadrão; figura articulada, que destoa de um elenco repleto de presepeiros, aportando uma qualidade fundamental na saída de bola.Uma qualidade extra-classe com os pés, somada a inteligência tática ímpar que chamou a atenção do Barcelona.
O fim dos pelotazos, o popular chutão, é uma marca do Chile. Medel, então volante na Universidad Católica, foi deslocado por Bielsa para fazer a saída como volante. Jara e até mesmo Vidal já jogaram como laterais/alas, mostrando a versatilidade e leitura tática imposta por El Loco. O gol de Orellana contra a Argentina, no returno das eliminatórias de 2010, é uma obra de arte que mostra a importância de Medel na saída de jogo e na rotação posicional. O lance sintetiza o estilo de jogo de um time que trata de não rifar a bola, sempre com deslocamentos inteligentes e chegada surpresa pelos flancos.
O alto nível – o melhor da Copa América – é mérito de Jorge Sampaoli, que agarrou o Chile mergulhado em crise dentro e fora do campo após a saída de Bichi Borghi. Mesclando a base de Bielsa com seus jogadores de confiança da Universidad de Chile – Marcelo Diaz, Charles Aranguiz, Eugenio Mena, Eduardo Vargas entre outros – Sampaoli manteve a marcação pressão, a saída de bola precisa e corajosa, porém aumentou o índice de possessão, além de seguir dando solidez defensiva com uma variação constante de acordo ao adversário.
Contra a Argentina voltava o esquema com três zagueiros – utilizado nos dois primeiros jogos da Copa América contra Equador e México. Uma marcação, ora individual, ora por zona, com Medel invertido para o lado esquerdo da zaga para marcar individualmente a Messi; Marcelo Diaz ficava na sobra, com Francisco Silva no combate a Kun Agüero. Curioso o fato de três volantes de origem jogarem na zaga; um símbolo de uma equipe que aposta numa defesa rápida e com boa saída de bola. O Chile foi protagonista durante todo o jogo, forçando a Argentina a retroceder e esperar de contra-ataque. Mais do que isso, ficou claro que o confronto era baseado no coletivo versus individual. No minuto final, uma estocada de Messi quase levanta a máxima histórica de La Roja: “jogaram como nunca e perderam como sempre”. Enquanto do outro lado da Cordilheira um país inteiro pedia por Carlos Tévez, no entanto, Gonzalo Higuaín seguia dando vida ao sonho de um título inédito. Na prorrogação, nos pênaltis, a frieza de quem estava convicto em ser o melhor. Matías Fernandez, Arturo Vidal, Charles Aranguiz – o melhor da final – e Alexis Sánchez, a lo Panenka, desataram a loucura de uma justiça histórica a essa geração.