Que 19 anos não são nada sabemos bem. Os riverplatenses amanheceram sabendo melhor ainda. Depois de anos desastrosos para a instituição, que viu ruir a idolatria por Daniel Passarella, envolvido em falcatruas quando presidente, e uma passagem pela segundona, o River Plate está de volta à final da Copa Libertadores.
A história dessa retomada da grandeza millonaria dá uma bela película, sem dúvidas, com todo o sangue, suor e lágrimas que tão bem caem nas grandes histórias futeboleiras.
Primeiro, foi preciso resgatar a instituição e saná-la minimamente no plano econômico. Depois, ter um time capaz de voltar a jogar sem olhar para a tabela do promedio, como exigia a história.
Tal qual em todo gigante, ídolos da casa precisam participar do processo e, de certa forma, legitimá-lo, especialmente diante dos hinchas.
E claro que não faltaria essa mão a um clube de tamanho porte. Ramón Díaz, comandante dos áureos anos 90, veio primeiro e ajudou o time a ser o campeão do Torneio Inicial 2014.
Sem o mesmo vigor de antes, Don Ramon deu lugar a outro ídolo, por sinal pupilo seu, Marcelo Gallardo, técnico da nova geração, afeito ao jogo ofensivo e com ideias claras de futebol.
Após recuperar terreno interno, era hora de anunciar ao continente que o gigante do norte de Buenos Aires estava de volta.
Primeiro passo: a Copa Sul-Americana, mais adequada para voltar a passear pelos países vizinhos e medir sua força. Ao lado do Atlético Nacional de Osorio, o River sempre mostrou o futebol mais agradável, o que, por sinal, culminou numa bela final entre ambos.
No entanto, a afirmação já chegara antes da decisão. Na semifinal, o Superclásico diante do Boca Juniors deixaram velhos fantasmas para trás. Mostrando uma pierna fuerte não muito associada à história de refinamento do clube, marcou terreno numa Bombonera entupida.
Na volta, começaria o acúmulo de cenas de cinema. No primeiro minuto, o sempre discreto Barovero pegou pênalti de Gigliotti, que convertido obrigaria uma virada. Pisculichi, modesto, mas inteligente camisa 10, fez o gol da vitória. Pela primeira vez, o River eliminou o grande rival em um torneio continental – o que até virou um certo caô publicitário.
Virou o ano e a sempre desejada Libertadores voltava à mira. Antes, um belo aquecimento com o título da Recopa contra o San Lorenzo, enterrando outro fantasma do passado – no caso, a dolorida eliminação em 8 de Maio de 2008, quando os cuervos buscaram o empate em 3 minutos, perdendo por 2-0 e com 9 jogadores em campo.
Porém, a primeira fase de La Copa foi marcada por empates, em noites mal jogadas ou azaradas. Era a vez do destino mostrar-se parceiro.
Monterrey, 43 do 2º Tempo: Tigres 2-0 River pela quinta rodada do grupo 6 e eliminação a meio metro. Sob os auspícios de Rodrigo Mora, o Millonario tira dois gols da cartola e respira.
Na última rodada, enfim a primeira vitória, contra o San José, de Oruro. Mas era preciso que os reservas do Tigres colaborassem em Chiclayo contra o Juan Aurich. E como o fizeram! Jogo insano, 5-4 para os visitantes. Com a pior campanha, River classificado. Logo, enfrentaria o time de melhor campanha: o arquirrival Boca Juniors, 100% na fase de grupos.
O futebol já não era o mesmo, uma goleada de 5 gols no verão mendocino deixou um mal estar em todo o clube. O histórico favorecia o xeneize. Mas a nova “Revolução de Maio” estava no horizonte, três superclasicos em 10 dias, era preciso ir à luta.
No primeiro, pelo campeonato nacional, 2 a 0 para o Boca e euforia na Bombonera. Quatro dias depois, o primeiro mata, no Monumental. Jogo mais peleado do que jogado, mas ao final um penal matreiro convertido por Sanchez deu a vantagem, mínima ou gigante, a depender da visão.
Jogo de volta, e toda a pilha do mundo pairava sobre la Boca. Tensão em níveis coléricos, pancadas e nervosismo pra todo lado. O River fazia seu jogo e administrava. No intervalo, a loucura que ficará eternizada nas discussões dos botecos portenhos. O gás disparado por um tal Panadero Napolitano, jogadores feridos, lacrimejando, com queimaduras na pele, alguns atordoados.
No meio disso, o famoso drone com o Fantasma de la B cai no gramado, pra aumentar de vez a sanha de moer o rival. Fim de jogo, indignação no Planeta Bola. Acovardada, a Conmebol deixou os atletas na mão e ainda demorou dois dias pra confirmar a classificação do River. Mas bem ou mal outro capítulo épico estava escrito. Duas classificações seguidas contra o Boca e alma lavada.
E depois de passar por uma aventura que lembrou os tempos mais caudilhos, pra usar um eufemismo, de nosso futebol, reverter a vantagem cruzeirense numa Arena repleta de gente apática e “eventista” foi um passeio no Parque Palermo.
Nem a parada de 45 dias pra Copa América podia conter o embalo. Diante do bravíssimo Guarani, o repleto Monumental precisou de paciência pra ver cair a quase icônica resistência aborígene. Feito isso, bastou Mora encarnar velhos craques da banda roja e fazer o gol do campeonato, o gol que deu a certeza de que este é o ano.
Ainda havia um Defensores del Chaco pela frente, é certo, e um digníssimo oponente, bem treinado, solidário, inteligente em cada movimento, de postura e montagem exemplares.
É preciso exaltar o aurinegro de Assunção, admirável em sua postura e humildade. Quem achava que só sabia defender, viu um time jogar e criar mais durante a maior parte do jogo. Martelando incansavelmente, fez seu gol, viu Sánchez salvar o segundo, deu toda a ilusão que seu povo simples merece viver e mostrou muitas virtudes para além do mero catenaccio.
Mas os deuses do futebol parecem ter decidido seu lado em 2015. Inspirado, o jovem Viudez entrou para dar uma bola mais açucarada que outra, até deixar Alario de frente pro crime e o gol da classificação.
Daí em diante, delírio na torcida, que com seus 10 mil militantes foi voz dominante na maior parte do tempo, mas vinha sendo consumida por uma crescente tensão com a grande pressão dos donos da casa.
Assimilada a classificação, cantaram por seus ídolos, exaltaram Gallardo, gozaram com o “abandono” bostero, tiraram outra espinha da garganta.
Faltam dois jogos para uma brilhante tríplice coroa continental. Dos partiditos más, papá.