Jorge Maravilha

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Por Marcelo Mendez

Do que se faz um camisa 9 na várzea? De qual barro sai o molde que talha o pé que balança rede? De onde se origina a sanha implacável de matador de redes adversárias, qual é a historia desse Lee Van Cleef ludopédico que ao invés de Colt 45 cheia de balas no velho oeste americano, usa chuteiras cheias de cores, cadarços e enfeites pelos terrões do ABCD?

Houve um tempo em que jogador futebol era algo lúdico. Um tempo distante onde não havia tantos “Bruno César” no futebol, ao invés disso tinha Zizinho, Garrincha e um que me vem à mente quando penso na camisa 9: Vavá.

Vavá “Peito de Aço”. Que apelido mais supimpa!

Vavá jogou muito pelo Palmeiras e pela seleção brasileira onde foi bicampeão do Mundo em 1958 e 1962. Nunca foi dos mais técnicos, habilidosos e afins. Mas foi artilheiro como poucos. Uma vez perguntaram a ele sobre sua profissão e o artilheiro então respondeu:

“Centroavante é igual abutre. A gente vive de restos, de todos os restos que aparecerem na grande área”

É por profissão de fé e de chuteiras que o camisa 9 varezeano vive como um abutre. Dele não se espera que seja um craque de bola, a idiossincrasia de sua posição de oficio o abstém disso. Na várzea nem sempre é necessário que se tenha 10 Romários. Mas um milhão de Geraldões é fundamental. Assim eu vi Jorge, o Camisa 9 do Guaraciaba.

Seu time era muito bom. Tinha lá uns bons meias, uns ótimos marcadores, outros atacantes rápidos, insinuantes. Seu time que ali enfrentava o Vila Sá, pela semifinal do campeonato de Santo André já estava metendo um 2 a 0, classificação encaminhada e então, como estava Jorge, nosso camisa 9?

Esbaforido!

Jogando de costas para todos os trancos dos zagueiros do Vila Sá, Jorge conseguiu parar todas as bolas. Escorou todas as jogadas para seus meias chegarem, se esgoelou debaixo de sol para marcar a saída de bola do adversário, por vários momentos do jogo se viu ali, por entre zagueiros bravios, desamparado, sozinho como um Johnny Cash. As bolas vinham quebradas, os sonhos estavam complicados e então nosso camisa 9 decidiu tomar uma atitude:

Jogou futebol!

Em meio ao sol do meio dia no campo do Nacional, Jorge começou a jogar futebol. Não ficava mais parado para tomar bordoadas. Parava, olhava no olho de seu marcador e partia para cima. Driblou, foi para linha de fundo, tabelou, por uns átimos de futebol que restavam na peleja, Jorge passou a jogar como um Van Basten.  Boquiabertos ficavam seus companheiros:

“Boa Jorge!”

Seu técnico chamava atenção:

“Jorge, solta a bola”

Não soltou.

Ali no campo do Nacional, nos 15 minutos que restavam, Jorge arrebentou com o jogo e não quis soltar mais da bola. Ela como que por encanto, retribuiu. Em uma jogada que apareceu, Jorge de costas, girou e deu um drible de corpo digno de um passista em seu marcador. Sem ter dúvida, encheu o pé estufou as redes do Vila Sá. Feliz da vida, a bola entrou naquela meta quase que como uma redenção.

Contra tudo que de mais mecânico pode haver no futebol, sempre haverá um Jorge a lutar pelo encanto. Solitário como mil cantores de Blues, ele, o NOVE, resistirá. Será belo, pleno e da peleja dos sonhos sairá vencedor. Nesse domingo no campo do Nacional, contra tudo que se podia imaginar, Jorge foi vencedor.

A ele hoje, dedico minha crônica. Que jamais lhe falte uma bola e uma camisa 9 a lhe entregarem. Que não se resigne, que não fraqueje, que não desista como fez no último domingo. O futebol agradecerá.

E eu ficarei muito feliz…

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Leitura recomendada: Por que ler os clássicos

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