Axé, Frevo, Carimbó e Futebol

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Por Leandro Paulo

Quando criança tinha como hobby usar meus sentidos para três coisas que até hoje ainda sinto prazer; ler a revista Placar, assistir futebol e ouvir boa música. Adorava ouvir nas rádios o axé da Bahia, os frevos de Pernambuco, a lambada e o carimbó do Pará, algo que anos depois batizaria em meu universo musical como o país imaginário de Salvador do PE-RÁ.

A Placar a cada década sempre ressurge após alguma crise, desejo-lhe muita sorte nessa sua nova jornada. Todavia, jamais entendi o porquê desses gêneros musicais nunca terem sido reconhecidos fora das suas regiões e como alguns jogadores do Norte e do Nordeste sofrem uma subestimação e até preconceito ao longo da sua carreira.

Na primeira metade da década de oitenta surgia uma banda chamada Acordes Verdes, da qual faziam parte Carlinhos Brown e Luiz Caldas, que em seu primeiro compacto tinha uma música chamada Como um Raio uma homenagem ao ponta Osni, ídolo tanto de Vitória quanto do Bahia, vencedor de duas Bolas de Prata em 1972 e 74, quando defendia o Leão da Barra. Recordo-me bem de uma manchete da revista exemplificando o baixinho já no final de carreira em 1984: “técnico, ponta e artilheiro”. Ele era um faz tudo no Esquadrão de Aço, mas nunca soubemos aproveitar o seu talento pela seleção brasileira.

Luiz Caldas seguiria carreira solo e com o lançamento da música Fricote, em 1985, marcou o início da era do Axé, segundo a imprensa. Nessa época, em minha cidade, descobríamos o que se passava no futebol alagoano, principalmente o reinado de Jacozinho no CSA, através as reportagens de Márcio Canuto na Globo ou nas matérias da supracitada revista. Infelizmente, o ponta não vingou no Santa Cruz, mesmo jogando muita bola, e foi classificado apenas como folclórico para a grande mídia. Jacozinho chegou até a ser cogitado para cantar um frevo denominado Saudação do Povo, porém a gravação foi cancelada.

A partir de 1986 a música de Salvador começava a fazer sucesso, o Chiclete com Banana já aparecia nos programas televisivos – com a genialidade do guitarrista Cacique Jonne, mesmo após a saída do poeta Missinho – a Banda Mel e Reflexus surgiam com músicas de protesto e exaltação à África, enquanto no futebol o Bâea vinha aflorando para sua epopeia fazendo boas campanhas no último biênio, a consagração seria questão de tempo.

O Tricolor da Boa Terra se consagraria campeão brasileiro, em 1988, com um timaço que ia além da elegância sútil de Bobô“, sendo que dois jogadores não tiveram o devido reconhecimento. O excelente volante Paulo Rodrigues e o centroavante Charles, tido no Nordeste como o novo Careca…  Algo que passou batido por Lazaroni, que resolveu levar Renato Gaúcho, o lesionado Romário e Tita para o Mundial de 1990, mesmo após o clamor pelo camisa 9 do Bahia, nos jogos disputados em Salvador pela Copa América do ano anterior.

Paralelamente a música do Norte também iniciava seu “descobrimento pelo Brasil”. Passaríamos a conhecer Alípio Martins, Beto Barbosa, Kaoma, Pinduca entre outros, enquanto o Santinha tinha contratado Dadinho, o Rei do Remo, em 1987. Ele vinha para substituir o meu ídolo Marlon, e não decepcionou, sendo campeão pernambucano no mesmo ano em que aprendi a cantar os frevos dos álbuns Rubi e Leque Moleque do rubro-negro Alceu Valença. Até hoje considero a faixa título deste disco como meu alter ego.

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Dadinho vivia sua fase áurea e logo seria vendido ao Internacional, jogou pouco por lá, sua melhor partida e os dois únicos gols pelo Colorado foram justamente contra seu ex-clube pela Copa União de 1988. Tal como Osni na Bahia, Dadinho foi ídolo máximo nos dois gigantes do Pará, conquistando posteriormente a Série B pelo Paysandu, em 1991. Até hoje é o maior goleador da história do Remo e também o maior artilheiro do campeonato paraense, sendo lembrado com carinho pelas galeras do Leão Azul e do Papão.

No final da década de 1980, a música dançante invariavelmente era chamada de lambada, porém as letras eram criticadas ou taxadas de “anti-intelectuais”. Historicamente o sucesso musical do Norte e Nordeste nunca foi representativo para a crônica especializada, que não sabia diferenciar samba-reggae, zouk ou merengue e desconhecia que o frevo foi o embrião dos solos ecoados nas guitarras baianas.

No começo dos anos 90, o Tricolor do Arruda contratava Mazinho Loyola o “último moicano cearense” do Ferroviário, de Fortaleza, já que o bom centroavante Cícero Ramalho era potiguar. Ele tinha sido emprestado pelo São Paulo após não ter sido aproveitado nem como reserva por Diego Aguirre e fazendo somente a dupla de ataque com o Aritana na Copa João Jorge Saad. Anos depois foi ídolo no Internacional, clube que sempre soube aproveitar os talentos nordestinos. Mazinho foi o nosso maestro na conquista do campeonato pernambucano de 1990, ao lado do zagueiro guerreiro Tanta que posteriormente foi vendido ao Famalicão, de Portugal – equipe com uma história de declínio e ressurreição idêntica ao Santa Cruz. Nessa temporada, Sérgio China meia talentoso e hoje grande treinador arrebentaria meu coração ao deixar o Santinha para jogar no… Inter.

Enquanto isso a axé-music chegaria ao seu apogeu entre 1990 e 1995, com a explosão da Asa de Águia, Banda Beijo (muita saúde para você, Netinho!), Cheiro de Amor, Daniela Mercury e Margareth Menezes. O futebol nacional vivia um período de transição e a Banda Mel na música “Dona Redondinha” do disco Negra de 1991 relatava bem a situação; saudade do Pelé, cartolagem e Maradona. Talvez seja a única música nacional que exalte o ídolo argentino que era unanimidade na época.

Nesse período o lado rubro negro tanto de Salvador quanto de Recife passaria a comandar a década. Vimos jovens talentos nessa época, que podiam brilhar em qualquer clube do Mundo: Chico Monte Alegre, Chiquinho, Dário, Dedé, Hélio, Jéferson, Moura, Naldinho (outro Baixinho), Rodrigo, Sandro e Serginho (do Santa Cruz). Todavia nenhum foi convocado jogando por clubes nordestinos, como no caso de Dida, Edilson, Juninho Pernambucano e Vampeta. Outras exceções foram o zagueiro Adriano e o lateral Dedimar que integraram a seleção olímpica.

A excelente divisão de base do Vitória passou a ser reconhecida no país, levando o clube à final do Brasileirão de 1993, enquanto o rival soteropolitano mergulhou em dívidas até ser rebaixado em 1997. Já no Pará, o Remo chegou à fase final em 1994 até ser massacrado pelo Guarani de Amoroso, Djalminha, Luizão e companhia por 8 a 2, e o Paysandu venceu o São Paulo no mesmo ano, em pleno Morumbi. O Sport passaria a ser a exceção do Nordeste… “A madeira de lei que o cupim não róido belíssimo frevo de Capiba, ao contrário dos rivais Náutico e Santa Cruz. Raramente chegava ao “mata-mata”, porém não sofria ameaça de rebaixamento, e até chegou a enfrentar o Santos nas quartas-de-final de 1998, mas foi derrotado na bola e no apito.

Na virada do século, Remo, Náutico e Santa Cruz tinham seus “homens gols” que carregavam os times nas costas. Edil Highlander, após passagens apagadas por Inter e Vasco, chegou para dominar o ataque do clube de Periçá, apesar de vestir a camisa do Paysandu no passado. O Timbú celebrava os gols de Róbson, apelidado Robigol, que quase classificou a equipe para a elite em duas oportunidades (1996-7) despertando o interesse do Inter, passando pelo Santa Cruz, até ser ídolo no Paysandu ao final da carreira.

Cobra Coral, por sua vez, apostava em outro animal, no caso Maurício Pantera artilheiro da série B em 1996 e logo vendido para o Compostela da Espanha. Não durou muito por lá, voltou ao Brasil para jogar em Grêmio e Sport, encerrou a carreira recentemente, sendo ídolo em clubes paraibanos, piauienses e potiguares. Parelelamente a sua carreira profissional, foi artilheiro em campeonatos amadores de bairros do Recife, entre eles o Iburão, recebendo vários cruzamentos do meu amigo Van Lobinho, um bom lateral direito que havia passado pela base de Náutico e Sport.

Ao mesmo tempo, o “suspiro derradeiro” do frevo em Pernambucano foi substituído pelo fenômeno Mangue Beat e o axé passou a sofrer forte influência do pagode e da alta exposição corporal das dançarinas. Sua última explosão coincidiu com o sucesso dos baianos Edilson e Vampeta junto do alagoano Dida no Corinthians e com aquele excelente Vitória, semifinalista do Brasileirão de 1999, sob a batuta do jovem maestro Fernando. O começo do milênio seria marcado por sucessivos rebaixamentos de baianos e pernambucanos, inclusive com a participação da dupla Ba-Vi na série C e do Santa Cruz beirando o desaparecimento na quarta divisão.

O Pará ainda teria um novo boom musical com a chegada da Banda Calipso. No futebol, o Papão fez sua história ao jogar a Copa Libertadores e vencer o Boca Juniors em La Bombonera. O cearense Iarley, beirando os trinta anos, vestiu a camisa xenezie alcançado fama internacional, algo que não foi propiciado ao bom meia Bechara do Fortaleza e ao valente atacante Balão – outro ídolo das duas partes azuis de Belém. A partir de 2005 o Clube do Remo declinou em ritmo acelerado, chegando a ficar sem disputar nenhuma categoria do futebol brasileiro.

Antes dos seguidos rebaixamentos, o Santa Cruz tinha um timaço com Xavier, Valença e quatro jogadores que passariam pelo rival da Ilha do Retiro: Andrade, Carlinhos Bala, Osmar e Rosebrink. O último, apelidado Mago, jogava muito, porém o lado psicológico e os problemas extra-campo sempre atrapalharam sua carreira. Já Carlinhos Bala foi um gênio, nunca se escondia em campo, chamava a responsabilidade nos grandes jogos e foi o grande pilar na conquista da Copa do Brasil em 2008.

Hoje vejo Yago Pikachu no esplendor da técnica e arrebentando nos jogos, mas sofrendo o que muitos jogadores aqui descritos passaram, um fenômeno que chamo de “caricaturização”. O baixinho joga muito, bate faltas com maestria, marcando muitos gols e tem uma maturidade adquirida com a insistência de permanecer no Paysandu até na Terceirona.

Quando o Valdo, então meia gremista, estava em negociação com o Benfica em 1988 a Placar estampou a seguinte manchete: “vejam o Valdo antes que ele vá embora”. Digo o mesmo sobre o camisa 2 com apelido de Pokemon, pois o seu contrato com o Papão termina agora em dezembro. Caso ele vá ” se esconder” no futebol da China ou do Oriente Médio talvez seja tarde demais para aproveitamos seu talento.

Cito novamente um verso do mestre Pinduca: Dona maria que dança é essa que a gente dança só…”, logo faço a analogia com os diversos craques que relatei aqui; são craques que somente jogam por aqui? Somente nós conseguimos ver eles como craques e ídolos?

Penso que é azar de quem não valoriza todas as regiões do país, não reconhece a plenitude além das fronteiras do seu Estado. Da mesma forma, é um desperdício não terem reconhecido a riqueza das letras do axé pioneiro, o sincretismo da música paraense, achar que o frevo é um filho das marchinhas cariocas. Busquem a arte de Bukjones, a beleza em todos os sentidos de Cátia Guimma, a classe de Claudionor Germano, os magníficos acordes da guitarra de Aldo Sena, etc.

O reinado de Salvador do PE-RÁ continuará sempre sendo os moinhos de ventos para os gigantes que tendem a manipular aquilo que vemos nos campos de futebol e ouvimos nas músicas. Espero apenas que o “Nordeste Independente” relatado na música de Elba Ramalho venha anexado com o antigo Grão Pará, assim nosso escrete não fará vergonha no futebol e não seremos apenas o país do samba… seremos o país do frevo, do axé, do carimbó, da lambada, do samba-reggae, do merengue…

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