As oito categorias do futebol argentino terão folgas forçadas no próximo final de semana, por conta das eleições presidenciais no país vizinho, embora o uso político do esporte não dê descanso à pelota. Daniel Scioli, candidato da situação pela coligação peronista Frente para la Victoria, é um renomado ex-atleta tendo conquistado diversos títulos em classes diferentes da Motonáutica.
Nem mesmo um acidente no rio Paraná, em 1989, o impediu seguir correndo sobre as águas, apesar de ter perdido o seu braço direito – ironicamente, ele era o principal aliado do falecido Néstor Kirchner, acompanhando o Pinguino como vice-presidente por quatro anos (2003-7). Antes de assumir o segundo posto da Casa Rosada, já havia sido eleito deputado nacional (1997-2002) pelo Partido Justicialista, além de responder pelas pastas das Secretarias de Turismo (2002) e Esportes (2003).
Seu nome foi referendado pelos kirchneristas nas primárias realizadas em agosto, somando 8.424.749 votos (38,41% dos válidos) e ganhando em 20 das 24 províncias, inclusive Buenos Aires, na qual foi eleito governador nos dois últimos mandatos.
Contudo, foi durante sua gestão que o capitão Roberto Lezcano, da famigerada Bonarense, assassinou o torcedor Javier Martín Gerez, que acompanhava o Lanús em sua visita ao Estudiantes de La Plata, pela antepenúltima rodada do Torneo Final 2013. Na chegada dos granates ao Estadio Unico, na capital da província, houve uma forte repressão policial que foi prontamente respondida por La 14, principal barra brava do clube. Em meio aos confrontos, El Zurdo Gerez na condição de representante da Subcomisión del Hincha tentou interceder, mas recebeu um disparo à queima-roupa do já citado oficial, quando estava imobilizado no chão.
O governo Scioli que já havia substituído o contestado Comité Provincial de Seguridade Deportiva pela Agencia de Prevención de Violencia en el Deporte, no ano anterior, anunciou no dia seguinte à tragédia a proibição de torcedores visitantes – medida adotada em conjunto com a AFA e a presidenta Cristina Kirchner – na principal categoria do futebol argentino. Atualmente o capitão Lezcano se encontra em liberdade, enquanto a Aprevide é comandada pela mesma corporação culpada pela morte de Gerez.
Em suas horas vagas, Daniel Scioli costuma jogar futsal pelo Villa La Ñata Sporting Club, equipe formada por ele, em 2010, quatro anos após comprar um terreno no bairro homônimo, localizado em Tigre, que lhe garantiu domicílio eleitoral para concorrer ao governo de Buenos Aires.
Com apenas dois anos de atividade, o cartola/governador convidou o poderoso Boca Juniors, seu clube de coração, para uma partida beneficente. Os campeões do Clausura 2011 da modalidade, receberam o “reforço” de Mauricio Macri, ex-presidente do quadro azul y oro, que foi derrotado por 10 a 5 pelos naranjas no gramado sintético de Mar del Plata, sendo que um dos gols foi anotado por Scioli.
Macri é o principal concorrente do kirchnerismo – com 6.595.914 votos (30,07%) do PASO – no pleito a ser realizado neste domingo. E sua popularidade é explicada pelas 12 temporadas que esteve à frente da Casa Amarilla, período em que o Club Atlético Boca Juniors conquistou 6 títulos argentinos, 4 Copas Libertadores, 3 Recopas, 2 Copas Sul-Americanas e 2 Mundiais. Em 2005, foi eleito deputado nacional pelo Compromiso para el Cambio, partido que ele mesmo fundara, e que hoje faz parte da aliança Propuesta Republicana, mais conhecida como PRO, pela qual se elegeu chefe de governo da cidade de Buenos Aires dois anos depois.
A volta dos torcedores visitantes é considerada uma das principais pautas de campanha, tanto na área de esportes quanto de segurança pública. O candidato da coalização oposicionista Cambiemos declarou que o tema tem sido utilizado por motivos eleitorais – foram realizados testes em partidas de menor risco nas últimas rodadas – e também foi o único dos presidenciáveis a criticar o uso político do programa Fútbol Para Todos. Entretanto, Macri e Scioli têm as mãos sujas pela violência no futebol, de acordo com o jornalista Gustavo Grabia no livro La Doce – La Verdadera Historia de la Barra Brava de Boca:
“De hecho, hasta los proprios gobiernos de la Ciudad y de Provincia blanqueaban la relación que siempre habían tenido con La Doce: Macri, a instancias del diputado Cristian Ritondo, con históricas relaciones con la barra de Nueva Chicago y la fracción Lugano de Boca Juniors, nombraba como nuevo jefe de Seguridad de la Legislatura Porteña a Marcelo Rocchetti, ex abogado de Rafael Di Zeo y Alan Schlenker (líder de Los Borrachos del Tablón). Y el gobernador bonarense Daniel Scioli, a instancias de su ministro de Seguridad, Carlos Stornelli, ponía como asesora de gabinete a Soledad Spinetto, la mujer de Rafa.”
O primeiro título argentino conquistado pelo Boca Juniors após a saída de Macri foi o Apertura 2008. Na ocasião, os xeneizes disputaram um inédito triangular final e sagraram-se campeões mesmo perdendo para o Tigre por 1 a 0, pois haviam vencido o rival San Lorenzo por 3 a 1 que, por sua vez, bateu a equipe da Victoria por 2 a 1.
Na temporada anterior, o Club Atlético Tigre voltava à elite do futebol argentino após 37 anos. Um dos protagonistas do ascenso foi Martín Galmarini, filho do casal de dirigentes peronistas Fernando El Pato Galmarini – figura próxima de Carlos Menem e Eduardo Duhalde – e Marcela Durrieu – ex-deputada nacional.
Malena, irmã mais velha do Patito, conheceu Sergio Massa nos últimos anos do menenismo e ambos se casaram no começo da década passada, motivo pelo qual o jovem político deixou o município vizinho de San Martín para começar a sua carreira em Tigre. Com o apoio dos sogros, o então torcedor do San Lorenzo teve as portas abertas no Matador tornado-se dirigente em 2004, quando a agremiação da Zona Norte escapou do rebaixamento à Primera C. Com dois acessos em três temporadas, Massa não teve dificuldades para eleger-se intendente da cidade que empresta o nome ao clube por dois mandatos consecutivos (2007 e 2011).
Porém, Sergio Massa não “virou a casaca” apenas na sua predileção clubística. Nas eleições legislativas de 2013, abandonou a FPV e formou uma nova coligação peronista chamada Frente Renovador para concorrer a uma cadeira como deputado nacional pela província de Buenos Aires, obtendo mais de 12% de vantagem em relação ao candidato kirchnerista Martín Insaurralde.
O homem forte da chamada agora Unidos por una Nueva Alternativa se apresenta como uma terceira via para os eleitores, que responderam com 4.525.497 votos (20,63%). Todavia, no tocante à conivência com barra bravas ele se assemelha muito aos seus dois principais adversários na corrida presidencial.
Em fevereiro de 2013, ao mesmo passo que o Tigre disputava pela primeira vez a Copa Libertadores da América, dois grupos disputavam o poder pela supremacia no Coliseo de Victoria. Na prévia de um jogo de visitante diante do River Plate, La 13 e La Banda del Pacheco se enfrentaram a tiros, no bairro Troncos del Talar, em San Fernando, deixando um rastro de sete feridos e um morto. Ao que tudo indica, o primeiro grupo responde a Gustavo Posse, intendente de San Isidro e afiliado à Unión Civica Radical, enquanto os demais são leais a Massa, que negou qualquer envolvimento no caso.
Já durante a última Copa do Mundo, Daniel el Negro Fiorucci Paz, líder da barra brava do Tigre, foi detido no Brasil, e Alejandro Rodriguez, secretário de Esportes do governo bonarense cobrou um posicionamento de Sergio Massa, que devolveu a acusação para dois funcionários sciolistas.
Qual será a resposta das urnas em relação à violência no futebol argentino?