Por Leandro Paulo
Henágio Figueiredo dos Santos nasceu em Aracaju no dia 10 de dezembro de 1961. Desde cedo praticava esportes, era um conhecido velocista e colecionava medalhas no revezamento 4×100 em competições escolares na capital sergipana. Nas horas vagas praticava futebol, pois também tinha habilidade e realmente era o esporte que mais gostava. Sua família era contra e mal sabiam que aos dezesseis anos havia abandonado o atletismo e começava a treinar nos juvenis do Club Sportivo Sergipe, após receber um convite do treinador Geraldo Oliveira.
Os parentes só descobriram que o garoto tornara-se jogador ao ouvir os elogios que alguns vizinhos colorados faziam quando ele se destacava nas preliminares dos jogos do quadro principal do Gipão. Nessa época, Jacozinho havia se transferido do Vasco-SE para o “Mais Querido”. O ponta-esquerda então passou a convidar Henágio para participar de jogos amistosos e torneios pelo Sport Club Gararu, às margens do rio São Francisco. Logo Henágio subiu para os profissionais com seus dribles e elegância, conquistando títulos e mais elogios. Foi eleito o craque do Campeonato Sergipano de 1982 e teve boas atuações na Taça de Ouro de 1983, competição que registrou o recorde de público do Batistão, quando mais de 35 mil torcedores lotaram o estádio estadual para acompanhar o empate em 0 a 0 com o São Paulo FC.
Depois do assédio de vários clubes a jovem revelação foi contratado pelo Santa Cruz – clube que tinha grande tradição e êxito com os seus conterrâneos; Mirobaldo, Zé Carlos Olímpico, Nunes e Joãozinho – para completar um timaço que contava com as defesas de Luís Neto, a juventude de Ricardo Rocha, a liderança de Zé do Carmo, os gols de Peu e Django além da sorte do talismã Gabriel, que sagrou-se Supercampeão Pernambucano.
Contudo, a vida boêmia começava a ser noticiada para os torcedores e Henágio não treinava com ímpeto, passou a ser mais cobrado, porém continuava a arrebentar nos jogos. Mesmo assim, o Santa perdeu a decisão do Campeonato Pernambucano para o Náutico e a diretoria questionou as suas noitadas. Em meio aos preparativos para o Brasileirão de 1985, o Santa Cruz jogaria um amistoso contra o Central de Caruaru e Henágio recusou-se a entrar em campo em forma de protesto pela não liberação do seu passe. Ele alegava não ter mais clima para atuar no clube.
A paciência da torcida foi embora após a goleada de 7 a 0 sofrida para o Flamengo no Marcanã. Os muros do Arruda foram pichados e Henágio teve uma série de problemas extra-campo: perdeu dois filhos (um aos três meses e outro na barriga da mãe), comprou um carro roubado, foi assaltado… Um conselheiro tricolor o levou para um centro de umbanda para “descarregar” o craque. Resultado: Henágio recebeu nota nove da revista Placar sendo decisivo contra Santos e Vasco da Gama, marcando o gol da vitória e empate, respectivamente.
Apesar da reação, o Santa Cruz não se classificou para a segunda fase ao ser derrotado (4 a 3) novamente para o Náutico no “Clássico das Emoções”. Sendo assim, a diretoria correu atrás de jogadores qualificados para acabar com o domínio alvirrubro, que imperava com os gols de Baiano. Ao vender Ricardo Rocha para o Guarani, o dinheiro serviu para buscar o jogador mais comentado do Nordeste na época; Jacozinho. Henágio municiaria novamente seu velho amigo, todavia ele chocou todo Pernambuco ao se transferir para o arquirrival Sport.
O Leão também buscava se equiparar ao Timbu e foi buscar no Coritiba, então campeão brasileiro, o treinador Ênio Andrade, que de imediato cobrou mais dedicação do ponta de lança nos treinos e jogos, além da trabalhar a parte defensiva. O seu rendimento caiu muito, marcou apenas 17 gols pelo Sport, não conquistou titulo algum e de quebra viu os seus ex-companheiros darem a volta olímpica em plena Ilha do Retiro. Em um depoimento a uma rádio recifense afirmou: “Comecei a beber e a fumar quando virei jogador. Era juvenil e o pessoal do profissional me mandava comprar cigarros e depois acender. Cheguei a fumar quatro maços por dia e, às vezes, também nos intervalos dos jogos. Com a cerveja foi a mesma coisa. Sempre bebi e nunca neguei. Só não bebia na concentração. O jogo era sagrado”
Passou os três primeiros meses de 1987 parado até que diretores do Guarani – que além do já citado Ricardo Rocha, tinha outro ex-coral (Marco Antônio) em suas fileiras – vieram até Pernambuco para contratar o volante Lourival do Náutico, o goleiro Carlinhos do Central e resolveram apostar em Henágio, muito elogiado pelos antigos companheiros, sendo contratado por empréstimo até o final do ano por 3,5 milhões de cruzados. Arrebentou na sua estreia, ao marcar dois gols na vitória por 3 a 1 sobre o São Paulo no Brinco de Ouro de Princesa, em partida válida pela fase de grupos da Copa Libertadores da América, e também revanche burgrina pela perda do último Brasileirão, há poucas semanas, para o Tricolor do Morumbi. O Bugre não conseguiu a classificação para o triangular semifinal – apenas o primeiro colocado de cada chave avançava – ao perder as duas partidas em sua visita aos quadros chilenos (Cobreloa e Colo Colo), ocasião na qual o craque jogou se contundiu.
Ao recuperar-se dessa contusão foi repassado ao Flamengo, com a Copa União já em andamento e com uma alcunha que marcaria sua vida: fora contratado para ser o “substituto” de Zico, contudo o Galinho estava em ótima fase e jogou divinamente aquela competição. Henágio entrou no decorrer de algumas partidas, foi campeão brasileiro, mas só teve oportunidade de vestir novamente a camisa 10 como titular cinco meses depois da sua chegada, na decisão da Taça Guanabara de 1988, abrindo o caminho para a vitória por 2 a 1 diante do América.
Continuou sem espaço na Gávea, onde terminou sua passagem com apenas 28 jogos e 4 gols, e foi cedido ao lado do volante Delacir ao América em troca do meia Renato para jogar a Copa União de 1988. O Mecão não fez boa campanha e Henágio foi apresentado a boêmia carioca, abandonando a pacata vizinhança da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde se instalara ao chegar no Rio. Na temporada seguinte, jogou o Campeonato Catarinense pelo Figueirense e depois foi vendido ao Esporte Clube Pinheiros, de Curitiba, para formar o meio de campo com o saudoso Assis, ex-jogador de Atlético-PR e Fluminense. Na época, o Alviceleste se fundiu com o Colorado Esporte Clube dando vida ao Paraná Clube e Henágio foi um dos 11 jogadores a vestir pela primeira vez a camisa tricolor.
No segundo semestre de 1990, continuou na capital paranaense transferindo-se para o Coritiba FC. A temperatura do termômetro mudou drasticamente ao aceitar a proposta do Sampaio Corrêa, sendo campeão maranhense de 1991 pela Bolívia Querida e de São Luís mudou-se para Belém, defendo as cores do Tuna Luso.
Em 1992 recebeu o convite para voltar ao Santa Cruz, que já havia contratado seu amigo Lourival e outro ídolo dos anos 80: Nunes.
Henágio não era nem a sombra do raio da década anterior e acabou emprestado ao Campinense em 1993, por conta de atos de indisciplina. Pela Raposa seria o “jogador bilheteria” voltando às boas atuações e imortalizado nos corações raposeiros pelo lance conhecido como “drible nos onze do Treze”, ao driblar os jogadores do Galo desde a sua intermediária em uma edição do Clássico dos Maiorais, e também pela conquista do Campeonato Paraibano daquele ano, ao bater o rival local por 3 a 1 na última rodada do quadrangular final, com direito a toque de calcanhar do craque na jogada do terceiro gol.
Após cruzar o país de Norte a Sul, Henágio comprou seu passe e foi para a Europa, onde ficou por 6 anos, atuando quatro temporadas pelo FC Vizela da II Divisão B de Portugal e em seguida no SK Rita Berlaar da Bélgica. No Velho Continente enfrentou muitas dificuldades, não sabendo administrar os seus ganhos e passando fome inclusive. Ao retornar para o Brasil, em 1999, ainda tinha lenha para queimar, jogando pelo Cori-Sabbá, da cidade de Floriano no Piauí, pela Desportiva Vitória, de Pernambuco e encerrou a carreira disputando a 2ª Divisão do Sergipe em 2001, aos 38 anos, pelo histórico Cotinguiba Esporte Clube, de Aracaju.
Já aposentado, continuou morando na sua cidade natal até retornar ao Recife, para trabalhar nas categorias de base do Santa Cruz, especialmente no aprimoramento dos atacantes, algo que lhe foi proporcionado por Carlos Alberto Silva na sua primeira passagem pelo clube. Voltou a atuar dentro das quatro linhas pela equipe master do Santinha, e não dispensava o pagode e a cervejinha do pós-jogo. Fazia questão de retribuir o carinho da torcida, quando o clube jogava em seus domínios.
No último sábado (24), o ex-jogador passou mal durante um jogo comemorativo pelo aniversário de Luís Neto, ex-goleiro tricolor e amigo de Henágio, no campo do Paulistano. Após convalescer, o atacante foi levado a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Paulista na qual, segundo amigos, tomou soro e fez um cateterismo. No mesmo dia, recebeu alta e voltou para casa, no bairro do Arruda, onde morava sozinho.
Ao que consta, adormeceu no domingo (25) e amanheceu já sem vida na segunda-feira (26). Tornou o nosso começo de semana ainda mais chato, sentiremos falta da sua alegria. Não foi o herdeiro do Zico, mas será para sempre o eterno craque coral que vestiu nossa camisa em 195 oportunidades, comemorando 34 gols e nos brindando com lances inesquecíveis.
Seu corpo foi velado tanto na sede do Santa Cruz quanto na sede do Sergipe e foi enterrado em Aracaju, onde recebeu as últimas homenagens dos amigos e companheiros. Obrigado Henágio!