Por Marcelo Mendez
São muitas as analogias que podem ser feitas da América do Sul dos anos 70. A que mais gosto é aquela que diz que nosso continente era uma espécie de “um churrasco com cerveja em cima de um barril de pólvora. Uma hora ou outra alguém vai dispensar uma bituca de cigarro acesa, ou um faísca outra que botará fogo na parada toda”. E no meio disso tudo havia futebol e a Copa Libertadores da América.
Na volta de Raíces de América, esta coluna falará de um confronto que será reeditado hoje, a partir das 21h45.
Noticias de um Continente em Chamas
Não dá para dizer que a América do Sul era um lugar dos mais hospitaleiros em 1978. Uma onda nefasta de ditaduras, repressão e totalitarismo varria o continente. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai… Quase todos os países tinham um generalzinho a açoitar qualquer arremedo de liberdade que se ousasse ter.
Já a Colômbia havia acabado de eleger o liberal Julio Cesar Turbay Ayala, o sujeito que fez com que o país mergulhasse em um período obscuro, afundada em tortura, repressão, violência extrema contra movimentos sociais e grupos rebeldes e a franca expansão do poder do narcotráfico de drogas e seus cartéis.
Enquanto que os argentinos sobreviviam ao apogeu da Guerra Sucia, comandada pelo assassino Jorge Videla. A base de desaparecimentos e terror, o caudilho governava a nação, calando a imprensa e fazendo a ufanista propaganda do país vitorioso através do futebol. Meses antes, a Argentina havia sediado e ganhado a Copa do Mundo.
Naquela época não havia outra rede social que não fosse o abraço, outra forma de interação que não fosse a conversa. E por mais dura que fosse a realidade do período, essas coisas resistiam a truculência por profissão de fé e encanto. Assim se fez o verso e dele a poesia sudaca possível daqueles tempos.
Em meio a todo esse cenário descrito, La Copa aconteceu até que de maneira tranqüila. Não vivíamos o boom das grandes campanhas televisivas, as comunicações se limitavam basicamente ao rádio e a Libertadores ainda era cobiçada apenas por orgulho de ser soberano dentro do continente ludopédico. Nada muito surpreendente, mas a campanha do Deportivo Cali chamou atenção.
O quadro colombiano saiu vitorioso de um grupo que tinha seu compatriota Junior Barranquilha, o bom time do Danúbio e o gigante Peñarol. Passando para as semifinais – que na época eram disputadas em dois triangulares com os vencedores dos grupos mais o campeão da edição anterior – os azucareros bateram Alianza Lima e Cerro Porteño.
Já o Boca, teve uma trajetória mais curta, mas não menos árdua, enfrentando o Atlético Mineiro e seu grande rival, River Plate. Os xeneizes ganharam do Galo por 2 a 1 em BH e 3 a 1 na Bombonera. Contra os millonarios foram duas batalhas épicas; 0 a 0 em La Boca e 2 a 0 em Núñez calando o Monumental. Campanha de respeito, credenciando-os para a decisão.
Na primeira partida da final, em Cali, o Boca sabia que enfrentaria um adversário mateiro, comandado por um técnico conhecido em La Bombonera, Carlos Salvador Bilardo, que contava com a habilidade de Ángel Landucci e o letal atacante Néstor Scotta, artilheiro da competição.
Os visitantes, por sua vez, mantiveram a base vencedora com o goleiro Hugo Gatti, o capitão Roberto Mouzo, o meio-de-campo formado por Ernesto Mastrángelo, Mario Zanabria e Rubén Suñé, além de Hugo Perotti no ataque. Contudo, o placar não saiu do 0 a 0 no Pascual Guerrero.
28 de novembro de 1978
A primeira vez que estive na Bombonera pra torcer contra o Boca foi em 2000, quando meu Palmeiras tentava o bicampeonato da Libertadores. Fui aquecido pela poesia épica ao entrar naquele estádio em uma noite fria.
Era esta atmosfera que o Deportivo Cali encontrou quando se deparou com 60 mil bosteros que lotaram as arquibancadas. O clima daquela noite pintou de azul e amarelo o caneco de La Copa desde o primeiro minuto. Foi um baile!
O Boca contou com uma atuação endiabrada de Perotti, autor de dois gols, mais um de Mastrángelo e outro de Salinas.
O Boca Juniors chegou à final no ano seguinte, quando começou a sua freguesia para o Olímpia, encerrando o ciclo de Juan Carlos Lorenzo no clube. A seca “libertadora” só terminaria em 2000, diante do Palmeiras, mas, aí é outra história que logo mais contaremos. Pra minha tristeza…