*Por Victor Faria
Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que o horto (o nosso horto, atarracado, modesto, humilde, cheio de altos e baixos, faixas e bandeiras) estava explodindo em beleza. E nós todos estávamos cantando, muito antes do apito inicial, passávamos o dia torcendo e cantando e logo depois desmaiávamos extasiados, contentes da vida. Até me esqueci da rotina, das coisas que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora é hora de comemorar.
Os adversários corriam desembestados, lançavam-se como pendões e marcação intensa. Nossos jogadores explodiam em emoções de nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a equipe parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, em festa comum, feito gente. O continente era nosso. Que mais podíamos desejar?
E assim foi até o momento de levantar a taça, erguê-la num espaço tão grande que nós, meninos, pensávamos que chegaríamos até as nuvens. Teríamos força para sustentar tamanho sentimento, emoção? Papai disse que só íamos ter a noção do feito depois de muito tempo, que seria justa a repercussão, que não entendíamos o resultado exato de tamanha bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que tal feito se repetiria somente nuns trinta anos, outros cinquenta, e nós sabíamos que não tardaria, que seria logo no ano seguinte.
E assim voltamos a disputar o campeonato para defender o título. Pelo caminho também fazia meus cálculos. Para mim, os que torciam contra estavam enganados. Era só o que eu pensava. Na primeira fase passamos com folga e estávamos classificados ao mata-mata. No dia do jogo, meu pai disse que podíamos ir ao estádio, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua aparecendo que ia se arrastar pelo chão. Fiquei ali, onde começa o alambrado que separa o gramado da torcida. E foi ali, bem colado ao campo, que eu vi a maior desgraça do mundo: o time havia tomado o gol de empate nos minutos finais: a esperança havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus.
Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.
Eu vi os olhos de meu pai ficarem esquisitos, vi meu pai arrancando os cabelos com a mesma força que havia comemorado no ano anterior.
– Quem será que foi o desgraçado que planejou uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?
E vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se estampar na cara de meu pai, ele que não dizia nada, levantava o chapéu e balançava a cabeça. E via a cara de boi capado dos torcedores atleticanos e os invejosos, rivais, falando, falando, falando e eu achando que era melhor que todos calassem a boca.
Após a partida saímos do estádio e ficamos por ali mesmo, jogados. Sentado em seu lugar de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.
Fui o primeiro a ter coragem de ir falar com ele. Um vento leve soprava e era tudo. Quando cheguei, papai estava balbuciando.
– Ainda temos outros títulos a disputar, não temos? Ainda temos um bom time, não temos? Ainda temos jogadores capazes de ganhar, batalhar, encher o povo de glórias e conquistas, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.
E disse mais:
– Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou.
Então eu pensei: o velho está certo.
Eu já sabia que cada vez que disputarmos o campeonato, lá estará ele, não importa a fase da equipe, lá estará ele, plantado em seu lugar, a espera de um pouco mais de emoção.