Já tem tempo que os assuntos a respeito do calendário do futebol brasileiro passam pelo autoboicote: o time contrata jogador de seleção, que vai para a seleção e desfalca o time, que poupa o jogador pensando em outro campeonato, onde ele quer conquistar uma vaga para um terceiro torneio, para quando chegar poupar o jogador no segundo novamente, e tome senso comum para lidar com tudo isso, na linha de estadual é pré-temporada, não dá para ganhar Brasileiro e Libertadores no mesmo ano, a Sul-Americana não serve para nada, vamos focar na Copa do Brasil… quem perde? O torcedor, claro.
Diante dessa salada que se arrasta por toda a temporada – no final das contas, em quantos jogos por ano o seu time entra 100%, para valer, sem reclamar de cansaço ou vislumbrar algo mais importante à frente? – o Sport Club do Recife tomou uma decisão inédita no início desta semana: anunciou que entrará para perder na Copa do Brasil, e para isso mandará o sub-20 representar a equipe. Para quem não sabe, passar da terceira fase do mata-mata nacional tira da equipe o direito de jogar a Sul-Americana, e a competição internacional é mais atrativa ao atual momento do clube pernambucano.
Primeiro, digo que respeito a posição da diretoria rubro-negra principalmente por dois motivos: de início, escancara o que chama de “regulamento arcaico” e ressalta que sugeriu mudanças para alterar a regra e evitar que o time seja impedido de jogar um campeonato por avançar no outro – ou seja, a culpada principal é a CBF, óbvio; e também por prezar pela transparência de informar ao seu torcedor qual é o plano do clube para a temporada, já que nos últimos anos não foram poucas as situações em que, claramente, um time preferiu ser eliminado em campo.
Isso posto, se tem o que gerou elogios por grande parte da imprensa: a coragem do Sport em assumir que, diante de uma situação ridícula, preferiu ser franco sobre o que pretende para o clube.
Agora, o que me surpreende é lidarmos com algo extremamente condenável: entrar em campo para perder.
Pensemos na situação do rival em campo, no caso da primeira fase que começa nesta quarta-feira, o Aparecidense, de Goiás: será que é hoje que eles foram orientados a perder? Pensemos na situação do árbitro dos jogos: como se prepara para apitar uma eventual partida de terceira rodada de Copa do Brasil, um possível Sport x Fluminense (ainda que não pareça que o time de Recife chegue até lá, claro), sabendo que um já anunciou em nota que não quer ganhar? Pensemos na situação dos jogadores do sub-20, que saberá honrar as tradições do Sport e desincumbir-se com muita honra e muita garra, loucos por um lugar nos profissionais (deveriam estar, ao menos): ô, professor, dá para ganhar desses caras!, que nada, moleque, não vá fazer gol. Pensemos na situação da torcida, convocada pela diretoria em nota para apoiar em todas as partidas: como se apoia a vontade de perder? O que pensar de um chute isolado na pequena área, ele é grosso ou foi de propósito?
Entendo a decisão do Sport, mas em última instância não dá para elogiar quem vai a campo para perder. Que assumisse um W.O. às últimas consequências, ou anunciasse a desistência da competição no início do ano, ou boicotasse a Copa do Brasil junto de outros clubes até que se resolvesse a questão. Qualquer coisa, a briga comprada até o fim de alguma forma. Eu que não passo meus olhos por esse jogo que jamais será um. E lamento por uma camisa desse tamanho precisar anotar, de véspera, uma inédita derrota planejada.
*Atualizado às 12h40 desta terça-feira, 05/04, com o depoimento do executivo de futebol do clube, André Zanotta, reproduzido aqui no último paragráfo de texto do Superesportes, onde ele insiste que “vamos disputá-la sempre jogando para vencer”, sabe-se lá o que isso significa quando se anuncia que o clube decidiu perder: Sobre “forçar” uma eventual eliminação rubro-negra (algo que seria antidesportivo), o executivo de futebol negou de forma veemente a possibilidade. “O Sport vai disputar a competição e se for passando é um risco, mas vamos sempre jogar para honrar o nome do Sport. E mais para a frente vamos ver como vai se desenrolar. Mas vamos disputá-la sempre jogando para vencer”, despistou. “É uma boa oportunidade motivar esses meninos jogarem”, concluiu.