Começo de outono de 2013, noite fria, jogo decisivo para os do Morumbi contra o futuro campeão Atlético-MG. Rogério Ceni veste azul celeste e bate firme a penalidade que coloca, na última chance, o São Paulo nos trilhos do mata-mata da Libertadores. Ironias da bola, cabe aos dois times outros confrontos, agora pelas oitavas da corrida continental.
E nas oitavas o São Paulo, combalido, detonado, sem fôlego, capenga, dá um cacete no Atlético. Trinta minutos de monólogo que imortalizam Ademílson, o atacante que perdeu doze, talvez trinta, chances de gol. Está 1×0 para o clube paulista, a tendência é virar passeio, mas Lúcio, o zagueirão, consegue a expulsão mais tola de sua carreira. O Tricolor está sabotado pelo seu xerife, e toma a virada, e apanha em Belo Horizonte, e ouve o primeiro desaforo do triênio que começava ali: “quando tá valendo, tá valendo”, diz, com ironia, Ronaldinho Gaúcho.
Lúcio era aquele nome carregado de experiência e malícia, amontoando as malas no CCT da Barra Funda com um discurso de pentacampeão. Na prática, o zagueiro não tinha mais nível para competições do porte da Libertadores. Poderia ajudar de outra forma, mas não foi capaz. Saiu mais cedo do estádio em Sarandí, se indispôs com o treinador, não foi diplomático nem político nem parceiro nem nada. Ele foi a mala sem alça de uma campanha mequetrefe que, pouco depois, com duas surras levadas do Corinthians na Recopa, abriu um período de três anos de pesadelos.
Três anos depois, São Paulo x Atlético-MG voltam a medir forças, “valendo valendo” do jeito que o Ronaldinho não gosta, mata-mata, e o São Paulo não tem Lúcio: tem Lugano.
Contratar ou não Lugano foi um embate honesto entre a razão e a emoção em um time de futebol com a autoestima pisoteada. No fim dos argumentos pra lá e pra cá, o São Paulo estava, pelo menos, humanizado. O cara chegou, e houve quem cravasse: o treinador não vai ter peito de sacar. Teve. Antes de estrear, houve quem bancasse a capacidade do veterano atuar como titular. Não atuou.
Entre Lúcio e Lugano estão três anos bizarros para o tricolor. Estraçalharam os dentes bem cuidados de seus cardeais, e não foram socos de Ataíde Gil Guerreiro. Carlos Miguel Aidar resgatou do esgoto o pior São Paulo possível, existente nos maldosos estereótipos dos rivais: arrogante, mesquinho, e, pior, ao que tudo indica, corrupto – certamente o mais cambalacheiro dos presidentes. Juvenal Juvêncio, condutor galopante de boa parte dos vícios políticos de um tricolor com cheiro de carpete nicotinado, era também, paradoxalmente, uma bandeira do São Paulo carismático, engraçado, cativante à sua maneira.
Pois Juvenal morreu na mesma semana em que Rogério Ceni saiu de cena, finalizando assim um ano pra lá de doloroso. O Corinthians meteu 6×1, o Palmeiras duas coberturas, o Santos passeou na Copa do Brasil, a roupa suja foi lavada em público, o Osorio ficou enojado, o Wesley causou nojo, o Luis Fabiano fez inferno por dentro, o Kaká fez por fora, o Doriva espiou e vazou, o Milton Cruz continuou, o Ceni ficou contundido um tempão, o Cruzeiro, outro mineiro, entrou de novo no caminho da Libertadores, os problemas com o sócio-torcedor minaram a paciência do torcedor, e, olhando assim, nem parece possível que veio a classificação para a Libertadores, por sinal com dois gols absurdos, um na penúltima e um na última rodadas.
Os limitados Thiago Mendes e Rogério, autores dos gols, colocaram um São Paulo impróprio e improvável na Libertadores. Um bom jogo do Galo no Horto derrete qualquer tese, mas hoje, agora, a silhueta de um São Paulo campeão é visível, por incrível que pareça, e que enredo interessante já é. Seria mesmo a mais surreal e redentora das conquistas no Morumbi.
Sim, surreal e redentora. O que aconteceu nestes três anos entre Lúcio e Lugano só o torcedor do São Paulo pode te contar.