As tramas que sufocam a Copa do Nordeste

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Imagine um torneio que envolve 9 estados brasileiros e é um dos únicos bem sucedidos dentre tantos outros de seu tipo. Pense num torneio que reúne, todos os anos, um mínimo de 20% dos participantes da Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Agora imagine que esse torneio se dá numa região com uma população maior que a da Argentina e a da Colombia, e possui potencial comercial maior que as principais competições de mais da metade dos países do continente sul-americano.

Uma região que, caso estivesse à parte do Brasil, se tornaria o segundo maior país da América do Sul, o terceiro da América Latina. Com três regiões metropolitanas mais populosas que todo o Uruguai.

Me refiro à Copa do Nordeste, um torneio que não necessita se separar do Brasil para ser gigante, ou ao menos, bem maior do que é hoje.

Um torneio capaz de movimentar as placas tectônicas do futebol brasileiro e burlar o desequilíbrio financeiro que tanto prejudica as equipes locais nas competições nacionais, contra as cotas televisivas cinco, seis ou até dez vezes superiores dos clubes do chamado “Eixo Rio/SP”.

Um torneio que já rendeu aos seus participantes dez vezes o que vem rendendo na atualidade, antes de ser forçado a se encerrar em 2003, a mando da CBF e do seu desejo em sufocar as “ligas de clubes” que ameaçavam o seu poder. Mas o que atrapalha a Copa do Nordeste de crescer nos tempos de hoje?

A Lampions já está em funcionamento, desde 2013, graças a uma conquista dos clubes na justiça, que os deu ganho de causa na longa batalha por conta do “encerramento forçado”. A atual Copa do Nordeste é um acordo feito com a CBF pelo “perdão” de uma indenização de R$60 milhões. Uma troca que constou com um elemento problemático que hoje pode ser considerado o elemento chave de seus problemas: o poder de decisão das federações estaduais.

O surrealismo que rege a Copa do Nordeste hoje começa numa situação ímpar. O torneio é totalmente organizado pela Liga do Nordeste, mas depende da CBF para chancelar e definir o seu calendário, que por sua vez implica no agrado aos interesses das federações estaduais. Isto é dizer, o interesse das eleitoras das presidências da CBF, e da manutenção das datas dos torneio estaduais.

É desnecessário explicar aqui que os torneios estaduais do Nordeste (assim como 96% dos estaduais do Brasil) são deficitários, desinteressantes e desgastantes. Mas como as federações ainda tem poder de decisão sobre o calendário de um torneio o qual não se comprometem com absolutamente nada, as datas da Copa do Nordeste são sufocadas, e ocorrem em menor número, do que as datas dos campeonatos estaduais.

No ano de 2018, mais uma vez, a Copa do Nordeste contará com apenas 12 datas (sendo só 6 na fase de grupos), contra até 15 datas dos Estaduais, mesmo que a alegação geral seja da falta de espaço por conta da realização da Copa do Mundo FIFA.

No caso do ano que vem, a cereja do bolo já está oficializada: as semifinais e as finais do torneio mais importante do primeiro semestre do país serão realizadas EM PLENA COPA DO MUNDO. Uma das finais está programada exatamente para o dia da semifinal do torneio. Enquanto isso as datas dos estaduais seguem incólumes.

Pior que isso. As federações obrigam a Copa do Nordeste a ser realizada de forma concomitante aos seus estaduais, atrapalhando a preparação dos clubes e desviando o foco do público num torneio que rende mais aos seus participantes do que uma participação na Série C.

Mas, mais do que meter o bedelho na Copa do Nordeste, as federações também têm a proeza de abocanhar 10% do valor arrecadado pela Liga do Nordeste em patrocínios e cotas televisivas. Abocanham também valores altíssimos nas bilheterias dos jogos, que nessas cinco edições contaram com público colossalmente superiores aos dos estaduais.

Em suma, na atual conjuntura, a Copa do Nordeste é produto de uma liga de clubes que pede licença às federações para poder existir, e que para tanto ainda paga pedágio. Absolutamente surreal.

Uma dessas federações faz parte de uma situação ainda mais bizarra que precisa ser exposta.

Há alguns anos a Federação Pernambucana de Futebol, sabidamente uma das mais fortes da região, já que concentra 3 clubes de massa; vem criando empecilhos para a realização pela da Copa do Nordeste. Em 2017 motivou o movimento de saída do Sport e do Náutico, assediando o Santa Cruz, da Liga do Nordeste.

Mesmo que o Náutico tenha voltado atrás e deixado o Sport “se torar” sozinho (palavras do presidente rubro-negro), ficou mais do que evidente o interesse que regia o famigerado movimento: a relação íntima entre a FPF, o Sport e a Globo Nordeste, interessados em criar uma nova liga de clubes nordestinos, ao mesmo tempo que alegava que o torneio em questão era deficitário. Enquanto isso aprovaram a participação no estadual…

Como bem se sabe, ainda em 2010, quando a Liga começou a se reaglutinar, a Globo Nordeste se mostrou desinteressada no torneio regional, deixando o vácuo para a crescente Esporte Interativo. A empresa que foi adquirida pela gigante global Turner, e que depois conquistou os direitos televisivos de nada menos que a Champions League para o Brasil, acabou fazendo um acordo de 10 anos com a Liga do Nordeste.

Com o passar do tempo o interesse pela Copa do Nordeste aumentou, ainda que a EI tenha dado deixas de que atualmente só se interessa pela revenda desses direitos. Isso acontece ao mesmo tempo que tenha deixado claro para diversos clubes de que entendia que o desmembramento do torneio dos estaduais – em todos esses aspectos mencionados anteriormente – era fundamental para o crescimento comercial da competição.

Em suma, o torneio é sufocado de forma proposital em meio a uma disputa de cachorro-grande que nem se inicia e nem se encerra no Nordestão. E como é contumaz nesses casos, consta com os respectivos capatazes. No caso da Lampions, a figura de Evandro Carvalho (FPF) e Arnaldo Barros (Sport) precisam ser expostas.

Mesmo com cotas televisivas e patrocínios arrecadados muito abaixo do potencial real, a Copa do Nordeste já tem se mostrado um elemento fundamental no orçamento das equipes locais. Ainda que signifique algo menor para os clubes da ponta – diante de seus orçamentos que já beiram 100 milhões anual –, no caso de clubes que estavam em escalões inferiores, mas que tem camisa com muita história, a Copa do Nordeste tem um peso significativo. Basta ver como Sampaio Correa, CSA, Fortaleza e Confiança tem aproveitado esse momento.

Por outro lado, ainda que a Copa do Nordeste não altere significativamente a vida de clubes como Sport, Bahia e Vitória, que disputam a Série A, ainda são torneios que dão muito mais do que tiram, ao contrário dos estaduais que lhes tomam dinheiro, tempo e preparo para as longas e difíceis temporadas que enfrentam mais uma vez.

 

*Irlan Simões (@IrlanSimoes) é jornalista e pesquisador do futebol. Autor do livro “Clientes versus Rebeldes – novas culturas torcedoras nas arenas do futebol moderno”, e participa do Baião de Dois na Central3.

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