Competição mais importante do país no primeiro semestre segue prejudicada por interesses particulares de várias fontes.
Jogões, casa cheia e depois tédio: após rodada de abertura, Copa do Nordeste só retorna depois de 15 dias.
Esse texto está saindo atrasado em três meses. O calendário já era sabido desde 11 de outubro de 2017, quando a CBF divulgou, aos moldes do que vinha fazendo em anos anteriores, o calendário diferenciado as nove federações do Nordeste. Àquela altura já sabáamos que as semi e as finais do torneio mais importante do primeiro semestre do futebol brasileiro estavam programas em plena Copa do Mundo.
Soava absurdo e nos demos ao pequeno direito de esperar que alguma correção fosse feita posteriormente. Nada feito, a CBF chegou até a autorizar a disputa durante a Copa da Série D, C e B, de modo a possibilitar que os campeonatos estaduais das federações menos ricas pudessem contar com uma grande quantidade de vagas. As datas do Nordestão, no entanto, permaneceram as mesmas.
Os campeonatos estaduais, aliás, foram os responsáveis por uma série de adiamentos do lançamento do calendário oficial. Afinal, esse ano de Copa, além de considerar um ano de poucas datas disponíveis, também é o ano das eleições da CBF. E as federações tem um peso imenso nesse pleito.
Pois bem, ainda que só signifique prejuízo para os clubes disputantes (apesar do lucro obtido pelas federações em meio a um monte de números negativos – sua participação é na receita bruta, nunca nas despesas dos jogos), os campeonatos estaduais mostraram que continuam mais fortes do que nunca, principalmente porque acharam um modo de se beneficiar da crise monstruosa que vive o futebol nacional.
Mas vamos falar da Copa do Nordeste que é o nosso papel aqui na Central 3 e no Baião de Dois.
É sabido por todos que a Copa do Nordeste é uma competição que vai muito além de ser empolgante e competitiva, envolvendo nove estados do país. Sua maior fundamentação é a capacidade de reverter os desequilíbrios financeiros causados pelas desigualdades geográficas gritantes no Brasil, coisa que afeta diretamente o futebol. Ou seja, mais do que um título almejado pelos torcedores apaixonados dos clubes nordestinos, a “Lampions” é uma questão de sobrevivência.
Decidimos lançar esse texto no dia 30 de janeiro, data da segunda rodada da primeira fase da Copa do Nordeste 2018, porque era a melhor forma de mostrar a bagunça premeditada do calendário da competição.
A rodada de abertura aconteceu no longínquo dia de 16 de janeiro, quinze dias atrás. A competição foi simplesmente “suspensa” para a realização de 3 longas e sonolentas rodadas de campeonatos estaduais. Dentre eles um emocionante clássico entre Sport e Náutico para 3.685 almas.
Depois da rodada que acontece no meio de semana em que esse texto que você lê foi lançado, teremos mais uma nova pausa de quase 15 dias.
No gráfico abaixo, passe o olho, perceba o espaçamento das datas da Copa do Nordeste ao longo dos anos de disputa dessa fase recente. E note como as datas passam a ser intercaladas e preteridas com relações às finais dos campeonatos estaduais.
Os jogos da primeira fase estão em azul, os das quartas em verde, semis em vermelho, finais em amarelo. As finais dos estaduais estão identificadas por uma cruz (de alerta!) rosa; e a data de inicio da Série A e B identificadas pelo losango branco.
Replicando a “tuitada encangada”, como diria Maurício Targino (thread é para os fracos), o panorama do calendário da Copa do Nordeste 2018 é esse aqui:
1) Nordestão abriu o ano da pré-temporada mais curta da história recente do futebol brasileiro. Quase todos os times desentrosados, estreando seus reforços.
2) Logo após a estreia, parou por duas semanas para três rodadas dos insuportáveis e deficitários campeonatos estaduais, quebrando o clima de uma primeira rodada sensacional, com gols em todos os jogos.
3) Das 6 rodadas da primeira fase, nada menos que 5 serão jogadas em dias de semana. Adivinha qual a data do único fim de semana com jogos do Nordestão? Aquele em que acontecem as maiores festas populares do mundo nas duas maiores cidades do Nordeste. Genial.
4) Depois da rodada em pleno Carnaval, um intervalo de TRINTA DIAS do com estaduais e Copa do Brasil, até que volte a se jogar a quarta rodada da fase de grupos.
5) Na altura da quinta rodada, no final de março, provavelmente estaremos nas fases finais dos insuportáveis e deficitários estaduais, tirando o foco dos jogos que decidirão os classificados para a as quartas.
6) A partir daí, mais um show de planejamento: quartas com um jogo de ida nos primeiros dias de maio, e jogo de volta nos últimos dias do mesmo mês.
7) As semifinais estão programadas para a reta final do mês de Junho, em plena Copa do Mundo, e o pior: DURANTE AS FESTIVIDADES DA SEGUNDA MAIOR FESTA POPULAR DO MUNDO que praticamente para a região.
8) As finais, na ressaca do São João, acontecerão em dias de semifinal de Copa do Mundo, já em Julho.
Vale lembrar que em 2013 e 2014, anos inaugurais do torneio – onde a “paz” ainda imperava e a competição ainda tinha status de “aposta” – foi acertado que o calendário não fosse confundido com os estaduais. Seis rodadas seguidas, e mais as quartas, preenchiam os primeiros 30 dias de futebol na região Nordeste. Coisa que descontinuou a partir de 2015.
Muitos poderiam alegar que o problema em 2018 era a falta de espaço por conta da realização da Copa do Mundo, mas não confere. Em 2014, ano de Copa no país da CBF, a solução aconteceu. Estaduais de um lado, Copa do Nordeste de outros. Vários problemas, é certo, mas um cenário muito mais positivo do que o que temos hoje.
E esse “choque de datas” tem motivações diversas: campeonatos estaduais estavam ficando esvaziados e ainda menos interessantes, o que causou a queixa das federações; mas agora percebemos que a briga ganhou outro ator: a exclusão da Globo dos pacotes de transmissão do Nordestão na TV aberta – passando agora na SBT – foi responsável por agravar ainda mais o “espaçamento” das datas do torneio mais importante.
Esse espaçamento tem um efeito nefasto na atratividade da competição, dispersa a audiência, e evidentemente diminui o potencial comercial desse torneio, que existe, acima de tudo, para salvar o futebol do Nordeste.
É possível afirmar isso por um dado muito básico: em 2001 e 2002, quando o torneio foi transformado em “Campeonato do Nordeste” (pontos corridos em turno único + semifinal), suas datas não se confundiam com as dos estaduais. Sua valorização era considerável: em valores atualizados aquelas competições estariam hoje avaliadas em cerca de 50 milhões de reais.
Recorte da Placar de 18 de janeiro de 2002
Esse número é uma projeção aproximada do que alguns especialistas já previam para o atual Nordestão. O valor atual, no entanto, ainda está na faixa dos 35 milhões. Uma evidência de que os desarranjos e os interesses particulares de determinados atores políticos e econômicos estão sufocando e prejudicando o crescimento da competição que – volto a frisar – é a salvação do futebol regional, principalmente dos clubes de grande torcida que não contam com as cotas milionárias nos nacionais.
*Irlan Simões (@IrlanSimoes) é jornalista e pesquisador do futebol. Autor do livro “Clientes versus Rebeldes – novas culturas torcedoras nas arenas do futebol moderno”, e participa do Baião de Dois na Central3.