Por Leandro Iamin
Era justo o ranço com Cristiano Ronaldo, pré-millenial em um mundo novo, já tão adaptado às coisas que pareciam nos ferir – porque se adaptar ao novo muitas vezes machuca. Ele exagerava no gel, olhava demais para o telão, preferia um bom drible a um gol decisivo e, afinal de contas, “nunca ganhou nada na carreira, tá achando o quê?”. Ele apanhou bastante de uma parte da opinião pública mundial engajada em um contraponto aos majoritariamente jovens que se identificavam com sua prática estética do jogo. E a forma como reagimos ao escarro explica um pouco de como desfrutamos os beijos.
É preciso ter ouvidos. Cristiano tem, e teve. Se o mundo reprova o que eu faço, eu preciso repensar. Então, cada vez que o gajo se viu criticado ou, pior, colocado em dúvida, o mundo do futebol acabou, no momento posterior, tendo a sua devida resposta. Não um “cala a boca”, mas uma resposta. O CR7 que diz “eu estou aqui” nos gols é dono de uma marra que a gente gosta quando é do nosso lado, mas nunca foi disso que se tratou para ele. Se hoje é um atacante completo, creditemos sua evolução à sua incansável busca por melhorar. Entre o Cristiano pontinha driblador e o centroavante absurdamente eficiente existem alguns anos de dedicação devidamente fomentada pelo inconformismo em ser rejeitado. Ele se negou a ser rejeitado, e o fez da melhor forma. Parecia só marra, mas tinha muito mais.
Pois sua imagem mudou, e muito. Passa, fora de campo, imagem oposta àquela que achávamos que passaria quando tinha 20 ou 22 anos. Se tornou um líder, um capitão de seleção de conduta realmente notável, desdizendo quem o rotulava como um ególatra incorrigível. Sua autoestima opressiva e angustiante não o transformou, no final das contas, em uma figura intragável, pelo contrário, e Ronaldo se relaciona com fãs e mídia de um jeito menos afetado do que poderia se supor lá atrás para alguém com tantos fãs e tantos anunciantes ao redor. Trocando em miúdos, Cristiano Ronaldo era moleque quando tinha idade para ser moleque e se tornou adulto na hora de virar adulto. Amadureceu o seu jogo, aperfeiçoou o dito cujo, e nos dias mais áridos se alimentou de nós, críticos dos detalhes, cujos apontamentos negativos foram encarados como pista para a solução de suas imperfeições. Em um futebol de eternas crianças, ele teve a idade que tem, sempre.
O amontoado de músculos chamado Cristiano Ronaldo ganhou muitas taças, fez muitos jogos e gols decisivos e entregou o que o povo mais pragmático da bola lhe exigia: marcas, números, recordes, algo a mais. Os críticos de Cristiano Ronaldo só poderão ainda resistir se forem tão engajados na negação a CR7 quanto o próprio foi comprometido em atender e responder esta gente – aos quais me incluo – que um dia achou que o craque português se perderia na carreira e se tornaria só mais um entre tantos, com sorte um Quaresma, nunca um Nani, léguas distante de Figo. Os três gols de Cristiano Ronaldo em Sochi entram para a primeira prateleira da história das Copas do Mundo. Ele está na prateleira onde dorme Eusébio.
A imagem vem de Moscou, por coincidência capital da anfitriã da Copa: em 2008, o Manchester United vence, nos pênaltis, a Champions League. Cristiano Ronaldo, que perdera a sua cobrança, chora exageradamente e sozinho enquanto os companheiros se abraçam. Na época, Ronaldo foi acusado, por exemplo, de querer as câmeras só para si, de fazer muitas caras e bocas para as lentes, de não se desligar do show mesmo na hora de maior emoção. Pode ser, quem duvidaria? Na final da Euro em 2016, lesionado, ficou ao lado do técnico a prorrogação inteira, gesticulando, claro, consciente das imagens que renderia ao público – mas agora já seria preciso algo mais potente do que isso para criticá-lo. Ele gosta de aparecer, com certeza. Acontece que ele gosta de jogar futebol também, gosta muito, e poucos fizeram tanto esforço para ocupar a seleta lista que hoje ele ocupa. Em gratidão à isso, a gente “perdoa” o resto.
Então ele sofre a falta, pega a bola, levanta o calção, dá passos para trás, abre as pernas, exibe as coxas, respira fundo, olha para o telão, respira fundo de novo, passa a mão na testa, faz biquinho, olha de novo para o telão, e, vejam só, isso agora parece não nos incomodar tanto. Porque Cristiano Ronaldo faz o gol e está lá, e ama estar no lugar que a gente gostaria de estar se pudesse escolher.