Por Leandro Iamin
Os homens e as mulheres de meia-idade possuem uma deficiência grave: costumam opinar em demasia sobre a vida dos mais velhos, aqueles “com idade para ser meu pai”, como se fosse possível medir o que sobra na caixinha anímica de quem já tem o sol da vida ás costas. Poucos se dão conta do quanto é cruel insistir para a mãe correr no parque ou o avô entrar naquele curso de cerâmica. Envelhecer é reunir um resumo do que sobrou da memória para saborear enquanto o neto finge que ouve e evitar que doam os joelhos, as costas, os olhos do mundo que parecem enxergar cada ruga e ofertar um paternalismo inútil, ainda que gentil. Creio que não há muita coisa pior para quem se habitua diariamente à realidade da velhice do que vir um jovem e cismar que deveria levar um outro estilo de vida. O velho, via de regra, já perdeu muita coisa. Merece o luxo de fazer pouca coisa, se assim quiser.
Nos casos mais agudos, as pessoas de meia-idade cometem outro erro grave: tirar a esperança das crianças é de baixeza semelhante a enxertar pulsão vital nos idosos. Tanta gente dá de ombros para o mundo das crianças, este sim terra fofa, cimento fresco, sol nascente. “Quando você tiver trinta anos, vai entender o que eu tô falando”. Isso é frase que deveria dar cadeia. A imaginação, a abstração e o ponto de partida do raciocínio infantil, ainda sem vícios nem atalhos, prato cheio para a mais profunda filosofia, é constantemente impugnada pela pessoa de meia-idade – a mesma que acha que o tio vinte anos mais velho precisa se alimentar melhor – em nome de alguma vantagem, uma busca fugaz por mostrar sabedoria superior a quem ainda não sabe que o mundo dos adultos é tão competitivo e vassalo das verdades, nunca absolutas.
A seleção uruguaia de futebol é a melhor mulher de meia-idade deste mundo. Está, a Celeste, entre duas imagens que, juntas, falam de sociedade tão quanto versam sobre o futebol daquele país. De um lado, Óscar Tabárez, o técnico desta seleção desde 2006, o homem mais respeitável do século no futebol deste continente, o sábio, o professor, o idoso: 71 anos de vida, problemas recentes de saúde, neurológicos, que lhe deixaram presentes materializados em uma bengala. Tem dificuldade para andar, o Professor Tabárez, e a doença lhe exige luta diária. Ainda assim, quando o Uruguai faz, aos 44 do 2º tempo, o gol da vitória sobre o Egito na estreia mundialista, ele se levanta sem auxílio da bengala, que virou mastro de bandeira por um segundo. “Uruguai, e nada mais!”, gritou, como uma criança. Tabárez é um tipo especial.
A outra imagem você pode ver aqui. Em uma escola uruguaia, as crianças assistem ao mesmo gol, e vibram como se compreendessem tudo que envolve uma Copa do Mundo – e quem dirá que não compreendem? Se abraçam, pulam, e transformam sutilmente aquele momento de inédita emoção em um rotineiro recreio pelo pátio da escola. Todos correndo com suas bandeirinhas, bochechas pintadas, todos enternecendo os professores com tamanho gesto coletivo, espontâneo e identitário: o grito de um gol no Uruguai em Copa é mais valioso que aulas e aulas de uma matéria qualquer, dessas que dá para estudar mais tarde. Está explicada, didaticamente, desde a hora em que a mãe deu a estas crianças uma camisa azul celeste para ir à escola e até a hora do gol-com-recreio, uma parte fundamental da vida que eles vão levar naquele paisinho bucólico.
Hoje o Uruguai pega a Arábia Saudita, e será hora do almoço no Uruguai, provavelmente hora da saída da escola. Hora na qual a molecada reencontra seus pais, que por suas vezes buscam os rebentos após um período diário de uma nada simples confiança ofertada a professores e professoras a quem pouco conhecem. No que depender do Professor Tabárez, todos estão seguros e bem acompanhados. O futebol no Uruguai nunca foi uma criança ingênua, e nunca será um idoso inválido. É forte, matuto, áspero, denso, e possui a maior das qualidades: não joga os mais velhos na vala da falta de esperança nem condena as crianças a um roteiro manjado de vida para se viver – eles nunca terão uma vida entediante ao lado da Celeste, a camisa que une as duas pontas. Seus homens de meia-idade, que no caso são Suárez, Cavani, Godín e companhia, são, antes de tudo, seres generosos. Em alguns dias todos naquele cantinho do mundo viverão outra oitavas de final.
Joel de Oliveira disse:
Ótimo texto Leandro. Parabéns.
René Simões disse:
Fantástica o artigo sobre o Oscar Tabares. Tive o prazer de jogar um play off quando dirigia a Costa Rica em 2009 e depois em 2011 almoçar com ele no intervalo de um foitcom no Copacabana palace.
Homem educado, generoso. destenido, corajoso e resiliente. Um belo exemplar para deixar o que a experiência pode ajudar.
Parabéns