Dia 8 – Veias abertas
por Gabriel Brito
Dinamarca 1 x 1 Austrália – o amigo e o inimigo do VAR
Iniciamos os trabalhos com um confronto leve antes das partidas que envolveriam dois representantes sul-americanos.
O golaço de Eriksen logo de cara deu a entender que começaríamos a ver a famosa Dinamáquina funcionar de forma mais eloquente, após vitória com impressionante dose de “sorte” na estreia.
Mas foi alarme falso. Os australianos são duros na queda, têm a força física e organização tática que já são marca de uma Copa onde os pequenos não tremem.
Novamente o VAR fez a alegria dos socceroos e a tristeza do time nórdico, em especial do ligeiro Yurari Poulsen, que se de um lado fez o gol do triunfo inicial tomou dois flagrantes das câmeras.
Jedinak, certamente um dos incorrigíveis entusiastas do advento tecnológico, igualou.
No segundo tempo, definitivamente o time da ilha-continente mostrou que não estava a passeio e acuou os europeus. Ainda que sem brilho, mereceram a virada.
E a Dinamarca soma 4 pontos quando poderia estar zerada, pensando num roteiro de férias por ali mesmo. Delaney esteve mal, Eriksen, apesar do gol, não conseguiu levar seu time adiante e o autor dos dois pênaltis, suspenso da partida com a França, perdera o brilho no meio do caminho.
França 1 x 0 Peru – Dor e injustiça
Missão ingrata do time mais bem representado nas arquibancadas. Mais uma vez o Peru jogou bem, colocou toda a alma em campo, teve boas atuações individuais, nas não viu nada disso se efetivar no placar.
Deschamps melhorou o time. E que timaço. Sacar o ainda verde Dembelé pelo maduro Giroud fez bem, pois permitiu a Griezman jogar mais fora da área e dialogar com seu meio campo. Atacante completíssimo esse.
Matuidi no lugar do jovem Tolisso também compensou, tanto pela técnica como pelo combate ao colossal Advíncula, importante escapa peruano. Pogba parece melhor com tais companhias.
Com Guerrero de volta, o time de Gareca, cujo trabalho merece aplauso, contou com sua formação ideal, apesar do desfalque do volante Tapia.
Jogo lá e cá, dos melhores da Copa. A França contou com a sorte no lance que terminou no gol de Mbappe.
A partir daí, era duro ir atrás do resultado contra um time tão repleto de recursos. Mas o Peru foi à luta, até o final, botando bolas na trave, perto do arco, parando em Lloris, enfim, fez de tudo e ficou sem nada.
Cueva duelou contra o fortíssimo e bom de bola Kanté, se entregou e fez todo o possível para compensar o pênalti que marcará o resto dos seus dias. Os pontas Flores e Carrillo criaram e agastaram seus marcadores incessantemente, dois bons jogadores. Entraram Farfán, Ruidiaz e nem parecia que do outro lado havia um timaço, por mais que os bleus também tenham ameaçado fazer o segundo.
Deu tristeza, tanto por time como torcida. Esta, jogou junto de verdade – porque tem relação de verdade com o time, ao contrário dessa farsa verde-amarela que dizem que agora aprendeu a balbuciar uma ou outra canção.
Eliminação dolorosa. Mas a vitória contra a Austrália é necessária. Todos merecem.
Croácia 3 x 0 Argentina – O cambalache
Um desastre absoluto a derrota da albiceleste para o bom time croata. Só podemos fazer a mesma leitura que o 7 a 1 nos obrigou: um futebol descaracterizado, europeizado, com atleta alienados da realidade que, dessa forma, perderam aquilo que defini como “senso de urgência na vida” na sala do nosso amigo Paulo Junior.
Não representam mais o povo que veste a mesma camisa, pelo simples fato de que vivem vidas dionisíacas demais para sentiram aquilo que ainda desejamos quando vestem uma camisa com o escudo da federação nacional, em puro e simples passe de mágica.
E no futebol cada vez mais científico nossos apelos à magia e à mística de antes são cada vez mais patéticos, lunáticos.
Mais patéticos ainda se sabemos de todo o processo argentino que desaguou nesta Copa. Como dito por um jornalista hermano, “queremos milagres, mas o milagre é a Argentina ter chegado à Copa”.
Três técnicos depois do vice no Maracanã, de estilos totalmente desconectados um do outro. Uma geração que claramente já tem a cara da derrota, um Mascherano cansado e incapaz de liderar outra epopeia, Aguero e Higuain indecifráveis. E Messi. Que cara foi aquela no hino, se não a da derrota antecipada, da depressão profunda na alma?
De resto, Sampaoli armou contra a Islândia o time que deveria enfrentar a Croácia – linha de 4 trás, meio mais preenchido e Messi no centro de tudo – e vice-versa.
O time axadrezado é bom, tem jogadores até melhores que a Argentina no meio campo. Neste aspecto, a vizinha simplesmente acabou. Exportou tanto, formou tanta gente apta a ser vendida de acordo com as demandas do mercado europeu e seu modo de jogar que, quando foi olhar o estoque, viu que não dispunha de volantes decentes. Enzo Perez ser resgatado a essa altura da vida é mostra cabal.
Como estudante que leva tudo na flauta e na hora do grande exame quer acertar tudo, a Argentina quis aplicar uma complexa ideia de jogo sem o menor lastro anterior. Caballero já ensaiara a cagada histórica que abriu o jogo. Mas o tiki taka virou fetiche né? Mesmo quando você não treinou, não se preparou. E o bom Armani ficou no banco porque um veterano arqueiro tem nome na Europa. O segundo gol jamais aconteceria também. Explosão zero de Willy.
Como dizem os acadêmicos da análise, a partir do primeiro tento o jogou ficou ao feitio dos “controladores” Modric e Rakitic. Que de fato mostraram-se excelentes. A questão é: em que ponto da história a Argentina deixou de ser capaz de formar jogadores dessa estirpe? E por quê?
Quando finalizava o texto, vejo que Sampoli corre risco de demissão antes da terceira rodada. E que Messi foi o segundo argentino que menos tocou na bola na partida.
Dito isso, se somamos o 4-0 pra Alemanha em 2010 com a debacle de Nizhny Novgorod, temos um 7 a 1 na vizinhança também, simbolicamente falando.
Naquela vez, o grondonismo senil achara bacana a ideia de colocar o chefe da torcida em 2006, no caso Maradona, como técnico. Agora, o pós-Grondona lembra nosso pós-Teixeira, a reafirmar a velha máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar.
Nosso futebol exportação é uma tragédia. E, como tentamos avisar em 2014, não pensemos que haverá mudanças estruturais. Isso tudo dá dinheiro como nunca. Para “ellos”, o futebol-mercado é uma delícia. Tais vexames são apenas estorvos circunstanciais. Não tenhamos dúvida: farão de tudo pra que continue assim.
Num futebol que reflete cada vez mais as relações globais do mundo ditado pelo capital, neste rubro, onde encantávamos o planeta, também aceitamos o papel subordinado de exportar o que temos de melhor a troco de (para os torcedores) nada.
Aguardemos a AFA exigir a padronização do campo em 105 x 68 metros, ordenar que as redes dos gols sejam todas iguais e todos assistam ao jogo sentados. São uns desgraçados.