Dia 13 – sob a mão e a brisa de Dios
por Gabriel Brito
França 0 x 0 Dinamarca – mais um naquela lista
E o primeiro placar em branco desta Copa foi um jogo sabotado. Lamentavelmente, voltamos a ver europeus em clima de marmelada a garantir uma vaga que já estava na mão, pois no jogo que corria paralelo toda a dignidade do mundo dava as cartas.
Com mudanças no time, o time de Deschamps pôs pra rodar seu elenco, o qual consideramos o melhor do Mundial. Até aí tudo certo, ótima hora.
Do lado escandinavo, vimos um bom começo, de time interessado na vitória, pois nada era garantido àquela altura. Inclusive, o time nórdico com mais negros que já vimos na vida esteve melhor na primeira etapa.
Porém, a partir do primeiro gol peruano a partida começaria a entrar em progressiva operação tartaruga.
Veio o segundo peruano lá no outro jogo e a mesquinharia só se ampliou: a Dinamarca, aparentemente, passou a se contentar com o segundo posto por considerar o chaveamento que esperava o vencedor do grupo mais impiedoso.
E assim vinte e duas tiriças arrastaram os intermináveis minutos do segundo, sob merecidas vaias do público.
A Dinamarca, no duro, não mereceu nenhum dos cinco pontos que conquistou. E a França terá de mostrar a que veio num confronto contra um time abençoado por um Deus não muito convencional, do tipo com que podemos nos identificar e adorar.
Peru 2 x 0 Austrália – Gostinho merecido
Depois de dois jogos no topo de suas capacidades, com a melhor torcida da Copa oferecendo um lindo apoio, realmente de arrepiar, o Peru entrou em campo ainda em clima de decisão.
Vencer era preciso. Não se poderia sair da Rússia sem somar uma vitória, sem ir às redes, sem desafogar um pouco da mágoa que Cueva e Guerrero certamente carregarão pra sempre e, claro, dar uma alegria a torcida mais marcante desta Copa, uma daquelas que não precisam, como bem dito por aí, de assessoria de imprensa pra criar musiquinha com base em vídeos de youtube.
Tínhamos certeza que não daria para os australianos. Quanto fogo no peito carregaram os peruanos.
Guerrero para Carrillo, golaço. Os socceroos ainda responderam com sua entrega e organização que também são dignas de respeito. Mas pararam no bom goleiro Gallese, na própria limitação e dureza das pernas.
Cueva para Guerrero, caixa. Partida liquidada, para alegria dos compadres que cessavam fogo no outro jogo do grupo.
Festa peruana, comoção dos jogadores em campo, uma grande comunhão entre time e torcida. Repito: não adianta fabricarem o mesmo sentimento por aqui. Como dito pelo editor desta Central3, a questão não é a musiquinha da moda; a questão é que precisamos nos identificar com aquele jeans sujo pelo cimento e a poeira que consumiram boa parte dos nossos sentimentos e energias nesta terra.
Uma pena a participação dos incas não se estender.
Croácia 2 x 1 Islândia – Chega de uh!
Muito simpática a Islândia, país menor que Itaquera que atingiu o socialismo, mas abdicou de avisar ao mundo para que todos esqueçam deste pequeno povoado polar e os deixem em paz.
Mas ando farto de ver europeus de 1,90m se dando bem jogando mais um handebol sobre a grama do que propriamente futebol. E não estou aqui a querer a imposição de um modo, uma estética, de se praticar o mais apaixonante de todos os esportes – justamente por ser o que mais variáveis permite na maneira de organizar uma equipe e buscar o resultado.
Obrigado, Croácia. Argentina e Nigéria tinham de ficar com pelo menos uma vaga.
Se cabe um comentário dessa partida vista de esguelha, foi um clássico confronto da leveza contra a força física. Fico com a primeira, a muerte.
Campanha exemplar dos adriáticos. Mas na Eurocopa não foi muito diferente e na hora das grandes decisões o time axadrezado não passou da primeira prova.
Veremos como será desta vez. O adversário é acessível.
Argentina 2 x 1 – Por una cabeza
Pra fechar o dia que mereceu a visita do padrinho de Ana Cecília, o próprio Leandro Iamin, acompanhado de uma bela peça de picanha, o grande tango da Copa do Mundo.
A atual seleção argentina e seu interminável descaminho, a refletir a balbúrdia no futebol interno, quema en una hoguera todo mi querer, como diria Gardel.
Pois na era do profissionalismo total, apesar de algumas nuances negativas que não cabem neste breve relato, se os ricos e premiados jogadores europeus chegam para o serviço futebolístico nacional e se encontram com uma estrutura como a que a AFA oferece, tem-se meio caminho andado para o precipício.
Estão com as vidas ganhas demais para se submeter a caprichos de velhos compadres e caudilhos que levaram o glorioso futebol nascido na beira do Rio da Prata a essa quadra histórica de sangria e descrença.
Mas ainda é possível resolver tudo dentro das sagradas quatro linhas. E um time comandado pelo melhor jogador desta década ainda deve ter seus pruridos de honra e amor próprio.
Dizem que Mascherano escalou o time. Não sei. Mas está claro que de fato a formação, óbvio 4-1-4-1 que serve para organizar qualquer bando no atual estágio do futebol, foi uma panela dos amigos de Messi.
O famoso Fernando Niembro vaticinara após a debacle frente aos croatas: “Messi não é esse craque todo sem entender de futebol. É claro que entende. Então não me importa que seja o técnico. Só peço que não escale só seus amigos”.
Não foi assim, mas o começo prometeu ares revolucionários. Banega encaixou um bonito passe por trás da zaga e Messi mostrou seus dons divinos ao dominar a bola como só os mestres podem fazê-lo, deitá-la gostosamente no relvado e bater de direita, inapelável. Golaço, la alegria volvió, viva la revolución!
Mas não é bem assim.
Enzo Perez é consciente, mas nunca teve brilho, muito menos agora, já na curva descendente da carreira. Di Maria e Higuaín são caricaturas dos jogadores que um dia foram. No entanto, é difícil questionar quem vale milhões no maravilhoso mundo do futebol europeu. Pipita é impressionante: foi comprado pela Juventus por uma fábula inacreditável e parece um atacante do ascenso quando veste a albiceleste.
Aguero e Dybala, a panela que perdoe, podem e devem ser titulares.
Veio o segundo tempo e os argumentos huevo e corazón começaram a se esgotar. A Nigéria achou o empate no pênalti de um já curtido e cansado Mascherano. Este, apesar de uma postura sempre digníssima, não é mais o mesmo, errou variados passes e a verdade é que não era jogador para quatro Copas seguidas na titularidade de uma seleção deste tamanho.
O jogo ficou ao feitio do time de Musa, mas o ligeiro camisa 7 não é muito bem acompanhado. Onde foram parar aqueles brilhantes jogadores que vestiram a camisa das SuperÁguias na década de 90? Não dá pra ter o destruidor Obi Mikel como camisa 10 em duas Copas seguidas, para ficar apenas em um exemplo. Ighalo, o 9, perdeu duas chances que outros artífices deste futebol de lindas fruições não deixariam passar.
Mas não podemos esquecer daquela fresta de sol que iluminou o rosto desse deus tão pagão quando do primeiro gol argentino. A brecha para a intervenção divina estava aberta. Apesar dos grondonas, tapias, tinellis e que tais que assolaram tanto o futebol vizinho, ainda há a mística, a camisa que pesa na hora agá, a loucura que faz um zagueiro canhoto se atirar à área rival e achar um golaço de pé direito.
Tudo certo, nada resolvido. Solidarizamo-nos com a insanidade de Maradona nas arquibancadas, disparado o melhor em campo e responsável por, no frigir do ovos, nossa adesão ao mambembe projeto de autogestão da seleção argentina, que mandou Sampaoli dormir no quarto de hóspedes e na fria cama de solteiro.
A crônica de Douglas Ceconello a este respeito é antológica, maravilhosa. Que dios lhe dê razão. De toda forma, essa campanha já está na antologia do futebol argentino e suas idiossincrasias que misturam rebeldia com loucura, peito aberto com desatinos.
Agora o sábado reserva uma chance de dar razão aos sublevados. Ou atirá-la na fogueira dos ressentimentos populares de forma irreparável.