Podia ser só sinal da idade, mas o futebol tem sido mais implacável que nossas memórias juvenis tentando sobreviver à passagem do tempo: a melhor Espanha da história envelheceu.
Oito anos depois do título na África do Sul, começou a Copa com Ramos e Piqué atrás, Busquets, Iniesta e Silva no meio (Reina, o sexto campeão do mundo, no banco). Ganhou um jogo, contra o Irã, no sufoco dum gol contra implorado, e teve o auge de sua falta de futebol numa atuação pavorosa contra a medíocre Rússia, em 120 minutos que sintetizaram tudo que a Espanha faz de ruim com seu futebol. Na hora do almoço brasileira, um jogo de siesta, uma impressão de domínio das mais fajutas que vão se lembrar, uma pressão tão insossa que embala um bebê com sono na mesa do bar.
Por muito tempo defendi a posse de bola espanhola. Não é possível que, num futebol cada domingo mais estratégico e sem espaços, o problema seja querer trocar passes. Reclamávamos dos bicos para frente, do chuveirinho na área, dos volantes brucutus e quando surge um time de baixinhos bons de bola a gente reclama que… tocam demais?
Mas sim, conseguiram. Dou o braço a torcer, definitivamente. A Espanha jogou para provar mais uma vez que no futebol qualquer teimosia é burra, qualquer insistência por um jogo inabalável pelas intempéries é só um fetiche sem graça. Aceito, da mesa dum quiosque de praia aos gritos de ‘tchau, Espanha, coisa chata da porra!’: o time espanhol preferiu se enforcar no próprio estilo que ganhar jogos como os gigantes do futebol.
Assim com a maioria dos grandes times da história, a transição é traumática, e só poderia ser. Fiquei pensando como foram malhados os brasileiros em 1966 – os veteranos Gylmar dos Santos Neves, Djalma Santos, Bellini, Zito, Garrincha – ou mesmo os alemães de agora – mais jovens, na casa dos 30 anos e tratados como veteranos bancados pelo treinador, como Hummels, Boateng, Özil, Müller. A manhã é de análises sobre o fim da dupla de zaga, a incapacidade de saída de bola do volante craque até anteontem e, essa mais objetiva, o último ato do mais talentoso de todos eles.
Andrés Iniesta deu seu derradeiro tapa na bola convertendo o pênalti na derrota contra a Rússia. Não fez um Mundial ruim. Foi bem quando o time virou o jogo contra Portugal, abriu espaço para o gol diante do Irã e fez linda jogada no empate com o Marrocos. Ficou no banco no jogo decisivo talvez porque o treinador subestimou o próprio caráter decisivo do duelo. Caminhou para os livros de história numa melancólica eliminação surpreendente de oitavas de final, muito pouco para quem rende uma coleção sem fim de jogadas resolvidas num dos mais bonitos gestos que um jogador contemporâneo foi capaz de fazer. Quando o futebol passou a correr e correr em transições sem fim, Iniesta seguiu pensando, rodando, driblando. Um ponto fora da curva mantendo o jogo, semana após semana, a seu ritmo.
Se retira o maior europeu que vi jogar. Um cara que sempre me prendeu na frente da TV, daqueles raros que não se conta a atuação pelos melhores momentos. Com Iniesta sempre fomos convidados a uma imersão ao jogo, quase hipnótica. Foi um prazer. Cada um xinga e torce para quem quiser, mas o ‘Chupa, Iniesta!’ que alguém gritou na mesa ao lado desceu quadrado. É obrigado, Iniesta! Valeu, maestro, me diverti muito contigo.