Todo mundo tem sua história

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Por Luiz Felipe de Carvalho

 

Em 2001 eu tinha vinte anos e estava no meu último período da faculdade de jornalismo. Para o trabalho de conclusão de curso, me juntei ao meu amigo Dom (que aliás hoje é membro da banda Dom Pescoço, conhece? Se não, deveria) e claro que escolhemos um tema relacionado à música. Nossa ideia era fazer um apanhado da cena musical de São José dos Campos, onde nos encontrávamos, fazendo um perfil de diversos artistas e bandas locais e criando um website com essas informações. O nome dessa página seria Locomotiva do Som (uma merda de título, eu sei), e o projeto inicial era que ela continuasse sendo atualizada – o que acabou não acontecendo.

Desilusões à parte, a feitura do trabalho foi bastante interessante. Ambos sempre fomos alunos meio nota sete, e olhando pra trás penso que poderíamos ter nos esforçado um pouco mais. De qualquer maneira, a parte mais divertida do processo foi certamente as entrevistas com nossos artistas escolhidos. Fomos à casa de cada um deles, com perguntas previamente formuladas, que seriam respondidas por todos. Óbvio que, lidando com artistas, muitas coisas fora do previsto aconteciam nessas ocasiões.

Um dos momentos mais memoráveis foi na casa da dupla Zezé & Simões. Trata-se de um casal de cantadores, ela Zezé e ele Simões, que na época estava radicado em São José, mas hoje, salvo engano, está em Curitiba. São dois trovadores, com Simões cantando, fazendo grande parte das composições e tocando os instrumentos de corda, e Zezé entrando com sua voz aguda e doce e fazendo percussão. Claro que no meio do papo eles sacaram seus instrumentos e tocaram algumas músicas pra gente de um cd que estava para ser lançado, e se chamaria “Vagabundos Pés” (um belo título, esse sim). Uma das músicas que tocaram nos deixou hipnotizados. Ficou na minha cabeça que ela era a canção que dava nome ao álbum por vir. Nunca mais a escutei, e por muito tempo só lembrava que era linda, mas não lhe sabia sequer uma palavra, ou trecho de melodia. Como o site não prosseguiu, e a vida seguiu por outros caminhos, ela ficou em minha mente como uma vaga lembrança, como um prato que se sabe ser bom, mas não se sabe mais que gosto tem.

Mais de quinze anos depois, estava eu em meu local de trabalho quando vejo se aprochegando Joaquim Simões, o elo masculino da dupla. Mais de uma década mais velho, com barbas e cabelos bem brancos, mas com a mesma voz profunda, que inspira respeito com serenidade. Pouco depois Zezé também apareceu. Contei a eles sobre como os tinha conhecido durante meu trabalho de conclusão de curso, e eles aparentemente se lembraram da ocasião – embora certamente não se lembrassem de mim. Eu disse que me lembrava de um canção chamada “Vagabundos Pés”, que entraria em um disco homônimo deles. Simões me disse que tal disco nunca saiu, mas que ele gravara a música em um disco solo chamado “Garimpeiro da lua” (acho que eu preciso aprender a dar títulos com Simões). Solicitei com sofreguidão que ele me trouxesse o disco quando pudesse, e ele me prometeu que o faria.

Promessa de artista se cumpre, e algum tempo depois Simões veio sozinho me trazer o tal cd, junto com um livro de poesias de sua autoria e mais um outro trabalho dele, dessa vez em dupla com Zezé, chamado “Toadas de acalentar simplezas” (nem falo mais nada) . Não era um lançamento oficial produzido na Zona Franca de Manaus, mas sim um trabalhinho impresso em casa, cheio de amor – me refiro à parte gráfica da coisa.

Não vou dizer que ouvi logo em seguida, porque meu metodismo é maior que minha ansiedade. Mas quando chegou a hora e a vez de ouvi-lo, fui direto à tal faixa chamada “Vagabundos pés”, a nona do álbum. Seria o emocionante momento em que a memória do passado se amalgamaria magicamente com o presente. Escutei uma vez. Bela canção. “A emoção cala, os olhos dizem e o silêncio significa”. Bonita mesmo. Mas…não era ela. Não bateu aquele sino. Não me trouxe aquela magia. Fiquei bem frustrado. Triste, até. Pensei que talvez pudesse mesmo ser ela, mas que a lembrança tinha me enganado, que o contexto de ouvir a canção do próprio artista, na sala dele, tinha formado uma memória que a realidade não poderia replicar.

Resignado, me coloquei a ouvir o resto do disco, desta vez desde o começo. E na quarta faixa… reflexão… sorriso… encanto. Era ela. Sem qualquer sombra de dúvidas, era ela. Senti tudo de novo. De volta ao ano de 2001 com a força imensa de uma melodia. De repente aquele pedacinho do meu cérebro que estava apagado pelo tempo se reacendeu. Como quando finalmente você come aquele prato de que só tinha lembrança e tudo lhe vem à mente – “Era uma receita de minha avó!”. Era a música de Simões. Roubei dela o título desse texto. E deixo com vocês, colocada por mim mesmo no Youtube, na esperança de que sintam dez por cento do que senti quando a ouvi pela primeira e pela segunda vez.

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