O que será do Nordestão sem os canais Esporte Interativo?

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Nós do Conselho Editorial do Baião de Dois, diferentes torcedores e jornalistas nas mídias sociais, dirigentes das equipes nordestinas e mais um tanto de gente começaram a manhã de quinta-feira querendo saber: o que será do Nordestão sem os canais Esporte Interativo? Tentaremos aqui diagnosticar a situação após o baque sofrido e apontar possibilidades.

Enquanto pesquisador da temática de direitos de transmissão de eventos esportivos, há cinco anos acompanho e trato do caso Esporte Interativo. Num artigo publicado em 2016 sobre suas estratégias de atuação no mercado de canais esportivos, as separo em dois momentos: antes e depois da aquisição da Turner/WarnerMedia. Da aposta aos produtos “esquecidos” pelas gigantes Globosat, ESPN e Fox (casos das Séries C e D, Estaduais do Nordeste e a promoção da Copa do Nordeste) à briga pelos principais produtos (UEFA Champions League e Brasileirão da Série A).

Não trataremos dos motivos da Turner em acabar com os canais (veja textos de Felipe dos Santos Souza na Trivela e Samuel Possebon no Tela Viva), mas é importante frisar que a mudança de estratégia para a UCL já havia encerrado as atividades do canal EI Nordeste e a filial em Recife. Além disso, os dias e horários das partidas pioraram. CSA X ABC na CNE do ano passado começou às 18h30 de uma quarta-feira e a primeira final da Série D deste ano ocorreu na noite de uma segunda-feira. Na C deste ano só foram exibidos jogos do Grupo A. Mais que isso, a briga com a Globosat no caso do Brasileirão respingou na exibição em TV aberta da Copa do Nordeste, que foi ao SBT, perdendo visibilidade – ainda que o Grupo Globo também tenha optado por não transmitir a UCL em TV aberta por ser importante produto da concorrente. O EI dava sinais que a atenção ao Nordeste seguia especialmente por causa do público fanático, que assiste e comenta bastante nas mídias sociais. Ou seja, situação já começava a ser preocupante.

Do que sabemos pela própria Turner, até pela quantidade de demitidos, TNT e Space receberão os jogos da UCL e da Série A do Brasileiro, com um ou dois programas diários – a estratégia da Turner é de grade variada, quase TV aberta, que diminui custos. A Série C já caiu fora agora, mesmo às vésperas do mata-mata do acesso, o Nordestão e os Estaduais da região seguirão o mesmo caminho. Com contratos em vigor, há duas possibilidades: transmissão no EI Plus, mas com bem menos jogos exibidos por rodada e a menor visibilidade da plataforma, até porque não há profissionais o suficiente para isso; ou romper o contrato em vigor.

Nordestão

O caso do Nordestão é sui generis nisso tudo. Primeiro é preciso falar que a CBF é obrigada por acordo na justiça a definir 12 datas para o torneio pela forma que o interrompeu em 2003. E isso vai até 2022. Não cansamos de recordar no podcast e no Twitter no Baião de Dois que o valor de mercado era bem maior naquela época, com prejuízo incalculável aos clubes nordestinos devido à paralisação do torneio.

Ao mesmo tempo, a retomada do Nordestão em 2010, com sequências anuais a partir de 2013, teve como principal trunfo a aposta de 10 anos do Esporte Interativo, garantindo receita fixa aos clubes nos primeiros meses do ano numa conjuntura de futebol de três divisões prolongadas por boa parte da temporada e com diferenças claras entre cotistas e não cotistas, maior parte dos clubes da região, mesmo na primeira divisão. Era o “canal do futebol nordestino” que promovia, a partir da experiência de marketing esportivo da Top Sports, o torneio.

Assim, minha preocupação vai mais nisso que na transmissão em si. Seguimos defendendo que a Copa do Nordeste tem atrativos de público para dentro de estádios e para meios de comunicação. O SBT tem contrato vigente para transmitir as partidas na TV aberta, o que pode sinalizar a sua continuidade ao menos pelos próximos três anos. Porém, quem irá negociar o conjunto de patrimônios do evento a serem vendidos, começando pela transmissão em outras plataformas? Quem organizará/comercializar, na prática, o torneio?

O presidente da Liga do Nordeste, Alexi Portela, tem a garantia do recebimento das cotas até o final do contrato, em 2024, que dá mais de R$ 100 milhões. A Turner pode pagar o “prejuízo” do que foi acordado, de fato, mas e os demais ganhos, materiais e símbolos, para além das cotas? A visibilidade do evento ajuda para outros valores, casos da bilheteira e possíveis novo patrocinadores num torneio de alcance regional no início do ano, cujo potencial dos estaduais é infinitamente menor para atraí-los.

Assim, é importante observar o que há no contrato com a Top Sports/EI. Especialmente se lembrarmos que a empresa cobrou o Sport na justiça uma multa justamente por descumprimento do que foi acordado – cláusula sétima impõe pagamento de multa do dobro do valor que o clube receberia num evento que não participar.

Contrato

Foi justamente a partir do processo sobre o Sport que tivemos acesso ao contrato no site do Tribuna de Justiça do Rio de Janeiro, enviado para nós por Gabriel Miranda, um de nossos ouvintes. É a partir dele que poderemos ver as possibilidades do que fazer a partir de agora.

De forma geral, o contrato define mais deveres das cedentes (Ligas e clubes) que do Esporte Interativo. No documento que alterou o contrato, no final de 2011, entraram como cessionários adicionais a Klefer e a Sport Plus, responsáveis pela venda de algumas propriedades e pela organização do evento. Até mesmo porque 50% do valor líquidos das demais propriedades seriam rateadas pelos clubes, segundo alteração na cláusula quarta do contrato.

As alterações no acordo são previstas na Cláusula Dezenove, ao final, mas apenas com a ciência de todos os interessados no contrato e com duas testemunhas. Só a Cláusula Doze determina multa para a parte infratora do contrato, seja quem for e com exceção da 7 (clube que não jogar o torneio) e 11 (atraso de pagamento da empresa), de R$ 500 mil por evento. O que dá para fazer então? A multa é pequena e há, inicialmente, a garantia de pagamento dos valores previstos.

A Cláusula Segunda indica que qualquer propriedade da Copa do Nordeste só pode ser repassada a terceiros com autorização do Esporte Interativo. Sem interesse em cobrir a proposta por parte da empresa, a Liga é autorizada a vender para outro grupo. Caberia à Liga marcar reuniões com o Esporte Interativo, a Klefer e a Sports Promotion para tratar dos interesses dos clubes e do que esperam manter ou melhorar, vide que esse processo foi iniciado ano passado, de maneira a garantir a realização do torneio nas melhores condições.

Além disso, é o momento de rediscutir as obrigações e amarras do contrato. Já que há alterações no que foi assinado por parte da empresa, pois se parte de um cenário em que não há como garantir a transmissão em todas as plataformas e nas mesmas condições do que foi feito até aqui, como está no contrato. Aí entra também o SBT para saber até mesmo se vale a pena manter-se atrelado. Com muitas críticas que fazemos ao Grupo Globo, é inegável que a atuação em diferentes plataformas de comunicação e a audiência consolidada pela concentração de mercado, dadas as falhas de regulação no Brasil, acabam jogando o Nordestão de volta a ela. Justo uma das co-responsáveis por enterrar a versão anterior.

Só que aí entra, independente de ser com a Globo ou não, um fator essencial, que é negociar tabelas e horários de acordo com os interesses dos clubes. A Cláusula Terceira do contrato com o EI impõe que a tabela e o formato de disputa se deem em comum acordo com a empresa. Sem os canais do grupo tendo interesse em transmitir os jogos, é importante que os clubes reconsiderem isso, delimitando horários de jogos já no contrato, dividindo em blocos, como ocorre nos editais de outros torneios de futebol.

De forma geral, os clubes deveriam ter aprendido que para além de repassar certas tarefas para não ter trabalho, poderiam profissionalizar acompanhando diretamente o como ser feito. É para isso que uma liga de clubes tem importância, levando as discussões para um debate coletivo, não centralizado nas federações, CBF e/ou os “maiores clubes”. A marca própria de uniformes vem tendo sucesso a partir de parceria com uma empresa, mas acompanhamento direto do marketing dos clubes não.

 

 

 

Anderson Santos é membro do podcast Baião de Dois, professor da Universidade Federal de Alagoas, jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação na UnB

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