Por Luiz Felipe de Carvalho
Quando alguém que consideramos inteligente tem dificuldade para entender um conceito que para nós parece simples, talvez seja o caso de pararmos para pensar que, talvez, ele não seja assim tão simples quanto nossa posição de conhecedor do tema faz parecer. Vejamos meu irmão, por exemplo, um cara inteligente – embora não se aproxime de seu mano mais jovem. É um homem que se interessa medianamente por cervejas (no sentido de ir atrás de informações, porque beber ele bebe bem), mas tem (tinha?) enorme dificuldade para entender a diferença entre lager e pilsen. Eu já tentei explicar uma vez, e não adiantou (em minha defesa, digo que foi pelo Whatsapp e que ele estava bêbado). Vou tentar me redimir agora.
(Pitadinha situacional #1: escrevo esse texto tomando uma caipirinha, e não cerveja. Feita com a Cachaça Três Corações, da terra do Pelé)
Vamos trabalhar com uma analogia. Enquanto fazia meu “brainstorm” particular, pensei em fazer uma analogia com carros. Mas era uma ideia estúpida, porque eu não sei nem abrir o capô do meu próprio carro (é verdade esse bilete). Muito mais lógico seria fazer uma analogia com música, um assunto que eu entendo mais do que carros – não obstante o fato de que seria impossível entender menos.
Agora pensemos em algo parecido com uma árvore genealógica (eu até faria um modelo, mas entendo de programas de computador tanto quanto entendo de…carros). Lá em cima, no topo, temos a música, que depois vai se subdividir. Pois bem, nessa proposição, a música é a cerveja. Está lá em cima. E vai se subdividir.
A música se subdivide em duas “famílias”: popular e erudita (isto é uma analogia, não leve em conta qualquer tipo de subjetividade, entranhe em sua mente o fato de que, neste texto, a música só tem essas duas subdivisões: popular e erudita). A partir dessas duas vertentes é que teremos de fato os tipos de música: jazz (popular), rock (popular), ópera (erudita), cantata (erudita), etc. Fácil notar que a partir dessas subdivisões surgem ainda outras subdivisões, que serão efetivamente os estilos de música: bebop, rock progressivo, ópera bufa, cantata alemã, etc. As ramificações de cada vertente prosseguem, chegando às dezenas ou centenas de estilos diferentes. Então quando alguém diz “essa música é popular”, está dando uma informação que, embora relevante, é muito pobre, e diz quase nada sobre o objeto em questão.
A cerveja se subdivide em duas “famílias”: ale e lager (isto é uma analogia, pipipi, popopó, vide texto acima…). Sem entrar em detalhes, essas duas famílias se referem ao tipo de levedura (o fungo responsável por criar o álcool) que é usada na fabricação da cerveja. A partir dessas duas vertentes é que teremos os tipos de cerveja: IPA (ale), stout (ale), american lager (lager, dããã), pilsener (lager), etc. Fácil notar que a partir dessas subdivisões surgem ainda outras subdivisões, que serão efetivamente os estilos de cerveja: Red IPA, Irish Dry Stout, American Standard Lager, Bohemian Pilsener, etc. As ramificações de cada vertente prosseguem, chegando às dezenas ou centenas de estilos diferentes. Então quando alguém diz “essa cerveja é lager”, está dando uma informação que, embora relevante, é muito pobre, e diz quase nada sobre o objeto em questão.
(Pitadinha situacional #2: a segunda caipirinha tava ainda melhor que a primeira. Cachaça Coqueiro, de Paraty. Recomendo.)
Claro está até aqui, meu irmão? Espero que sim. O que temos até aqui, na famigerada “é lager ou pilsen?” disputa: que lager está lá em cima da árvore genealógica, como uma família de cerveja, enquanto a pilsen está embaixo, como uma ramificação. Então “lager” é “música erudita”, enquanto “pilsen” é “ópera”. Ou seja, toda pilsen (ópera) é lager (música erudita), mas nem toda música erudita (lager) é ópera (pilsen).
Então de onde vem, afinal, essa confusão, que faz seres inteligentes ficarem mais perdidos que não sei o quê? (acabou meu estoque de analogias)
Primeiramente, vem da própria legislação brasileira. Ela determina que, de acordo com seu tipo, a cerveja pode ser denominada “isso, aquilo, aquilo outro e…”lager”! Ou seja, o cervejeiro que não manja muito de cerveja (existe, viu?) pode estampar no seu rótulo “cerveja tipo lager”, prestar um belo desserviço, mas ao mesmo tempo estar completamente dentro da lei. Só para dar um exemplo comparativo, entre as lagers podemos ter uma doppelbock (escura, densa, até 10% de álcool) e uma american light lager (clara, leve, cerca de 4% de álcool). Seria como enquadrar um CD da Anitta e um do Slayer sob o rótulo “popular”, e você que se foda para escolher sem nenhum conhecimento prévio sobre cada um.
Segundamente, temos o fato de que o estilo mais consumido do mundo tem lager no nome: American Standard Lager. É como se o estilo musical mais consumido do mundo fosse a Música Popular Brasileira, e que só por ter o “popular” no nome alguém se contentasse em dizer apenas que é música “popular”. Sim, é música popular (ou sim, é lager), mas que tipo de música popular (ou que tipo de lager)? Aqui no Brasil talvez não seja necessário explicar, mas no Azerbaijão é preciso ser claro de que se trata de Música Popular Brasileira.
Para adicionar mais confusão nesse caldo, temos uma jabuticaba brasileira: aqui, desde sempre, as american stantard lagers foram chamadas de pilsen. No início não foi má intenção, ninguém sabia nada de cerveja, e nem era importante saber que estilo era aquele, já que havia dois ou três disponíveis, literalmente. Então crescemos achando que a Kaiser é uma pilsen. Aí tomamos uma cerveja artesanal estampando simplesmente “lager” no nome, achamos mais gostosa do que a Kaiser e pensamos “porra, eu gosto muito mais de lager do que de pilsen!”. Que nó. Uma confusão dificílima de desfazer.
Fica aqui o recado: quase toda cerveja de massa brasileira é do estilo “American Standard Lager”: Kaiser, Skol, Brahma, Itaipava, Crystal, Nova Schin, e por aí afora. Já aquelas que são puro malte em geral são do estilo “American Premium Lager”: Heineken, Amstel, Skol Puro Malte, Serramalte, etc. São estilo derivados da pilsen original, mas bem distantes dela em termos sensoriais. Para tomar o estilo Bohemian Pilsener, vá nas tchecas (Pilsner Urquell, Czechvar, 1795, Zlatá Praha, Praga, todas facilmente disponíveis no Brasil) ou em boas brazucas (Wäls Bohemian Pilsner, Bamberg Pilsen, Matsurika, Madalena Bohemian Pilsner).
(Pitadinha situacional #3: acabou o limão)
Com tudo isso que vai escrito acima, acho que dei uma “chacrinhada”, e mais confundi do que esclareci. A cachaça deve ter subido pra cabeça. Mas agora meu editor já está em cima, e vou ter que enviar o texto assim mesmo. Merda. Deveria ter tomado uma lager, e não um monte de caipirinhas…