Por Gabriel Brito
Após o célebre 27 de maio de 2015, que marcou o fim de uma dinastia na entidade máxima do futebol, a FIFA terá novo presidente a partir deste final de semana, em uma eleição que envolve cinco candidatos vistos como velhos membros do desmoralizado establishment futeboleiro.
Uma semana antes, tivemos a oportunidade de encontrar o jornalista Jamil Chade, que deu uma palestra e uma breve entrevista aos presentes no restaurante Al-Janiah, recém-inaugurado no centro de São Paulo, um empreendimento animado por apoiadores da causa palestina e que emprega refugiados deste país e também da guerra da Síria.
O evento intitulado “O sequestro do futebol – como multinacionais, dirigentes, TVs e políticos corromperam o esporte mais popular do planeta” fala por si quanto ao teor da fala do jornalista, que também pode divulgar seu livro Política, Propina e Futebol, lançado recentemente, a destrinchar de forma clara as principais teias de exploração e corrupção do esporte mais popular.
“Pouco a pouco, você vai percebendo que a cobertura da imprensa sobre o futebol, digo tranquilamente, é vergonhosa. Saí de alguns jogos da seleção me sentindo sujo, por estar passando ao torcedor uma mentira, que ‘o Brasil teve um grande desafio nesta quarta-feira e se prepara para o próximo campeonato’”, começou.
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“Por muitos anos, não tive elementos pra desmentir o que eram esses jogos. Até que um dia teve um amistoso entre Brasil e Iraque (10/10/2012). No Brasil? Não. No Oriente Médio? Não. Aonde? Na Suécia. Deram a explicação de que o Iraque queria o jogo na Suécia. Ok. Mas o técnico do Iraque era o Zico e tive a chance de falar com ele. Perguntei:
– Mas por que você escolheu jogar aqui?
– Eu? Eu nem queria jogar contra o Brasil.
Aí vi que tinha muita coisa errada na história. Quem é que ganha com esse jogo? Poucas respostas, os organizadores dão suas desculpas, dizem que o local do jogo é bom pra todos se encontrarem…
Comecei a manter contato com uma pessoa que sabia das minhas indagações e começou a me passar vários e vários documentos, contratos oficiais secretos, e estes mostravam que os locais, escalação e até adversário eram de alguma forma comprados, como são a maioria dos aspectos que hoje vivemos no futebol. Aí me senti na obrigação jornalística de escrever o livro”, completou, referindo-se a um contrato que divulgou também no Estadão, jornal pelo qual cobre futebol e a FIFA há 15 anos.
Depois de uma série de matérias, artigos, gritos e manifestações de protesto contra essa nova ordem futebolística, calcada nos interesses comerciais e cada vez mais intolerante a pontos de vista tachados como “românticos”, a exemplo das discussões em torno de preços de ingressos, basta que deixemos Jamil Chade falar para vermos todas as desconfianças confirmadas em documentos, livros e, claro, prisões.
“O nosso sentimento de torcedor foi sequestrado pelos oligarcas da bola, que usaram dessa nossa paixão pra ganharem muito dinheiro. Até que veio o dia 27 de maio, no qual o FBI deflagrou a operação que levou à prisão diversos cartolas, como Marin, e o pedido de extradição de outros, como Del Nero. Não foi a vitória. Foi um dia de desabamento do império. Mas não há uma nova estrutura. Achar que a polícia sozinha vai resolver todos os problemas fazendo o trabalho dela e prendendo corruptos é a ilusão que não podemos ter”, analisou.
Antes de opinar sobre o processo eleitoral que veremos coroar o novo mandatário do futebol mundial, Jamil fez ponderações a respeito da inquietação que acomete qualquer torcedor, seja de estádio, seja de televisão.
“Não é uma denúncia contra o futebol, mas uma demonstração de que aquele futebol que crescemos vendo é mentira, não em relação ao fato de a bola entrar ou não, mas a tudo que cerca o jogo, como locais, juízes, TVs que transmitem, até a bola que será usada. Como torcedor, me senti na obrigação de contar de forma direta e transparente. Não pra dizer que não vale a pena gostar de futebol, vale sim, mas precisamos recuperá-lo”.
Quanto à Copa do Mundo de 2014, Jamil é categórico em seu livro, no qual afirma que a empreitada simplesmente não valeu a pena para o Brasil e tratou-se de um grande engodo, simbolizado na famosa promessa de Ricardo Teixeira em realizar o mundial “com 90% de dinheiro privado”.
“É importante que o torcedor também seja cidadão. A grande ilustração disso é a Copa de 2014, um grande exemplo de transferência de recursos públicos para uma empresa privada, sem nenhuma consulta à população, com o lucro recorde de todas as Copas (10 bilhões de reais) e mudanças na Constituição Federal para que a FIFA não pagasse um centavo de impostos no Brasil (1 bilhão). O maior evento do futebol mundial não deixou um centavo aqui. E não foi só isso, pois tivemos de construir os locais da festa, e fui uma das pessoas que ouviu da boca de Ricardo Teixeira que não haveria dinheiro público”, reiterou.
Quanto aos estádios, tampouco é necessário dizer muito, quando o ano começa com notícias de inviabilidade econômica das caras arenas geridas por consórcios privados, queda de um pedaço de meia tonelada da estrutura interna do Itaquerão e abandono da Arena Pantanal, inclusive com direito a focos de aedes aegypti, como mostrou matéria do SporTV na semana.
“Alguém achou que o futebol seria desenvolvido em determinados locais somente pela existência do estádio? Não é o que vemos em estados como o Amazonas, onde a média de público do estadual é 640 pessoas”, criticou.
Dessa forma, Jamil é cético quanto a possíveis mudanças positivas na condução do futebol mundial após a escolha de seu novo presidente, e lembra que a estrutura de apoio a esta casta não vem somente dos ambientes esportivos.
“Não adianta só atacar os cartolas. É preciso atacar os cúmplices, seja a classe política ou empresarial, patrocinadores etc. Vale lembrar que 10% do Congresso brasileiro recebeu financiamento de campanha da CBF”, observou.
Além de afirmar como o fracasso da candidatura “outsider” de Zico serviu para mostrar quão fechado é o cerco, Jamil concluiu sua participação afirmando que, por ora, não há motivo para que se creia em alguma grande transformação no mundo do futebol.
“Quem ganhar a eleição pouca diferença vai fazer, essa é a realidade. Vai ter novo discurso, vão falar de modernidade, de se descolar do passado, mas a FIFA só vai mudar quando passar por uma grande reforma, que publique salários, contratos, critérios de escolha… E talvez uma questão elementar: publicar os elementos que fazem parte de suas ‘licitações’ – para fazer um paralelo com um preceito democrático. Pode mudar o presidente, mas se essas coisas não mudarem, não adianta absolutamente nada”.
Nota:
Para quem não leu o livro ou não pode conhecer a excelente cozinha do Al-Janiah, vale conferir o Roda Viva desta quinta-feira, 25 de fevereiro, que teve Jamil Chade como entrevistado.
John Ross disse:
E’ mas muita gente ‘esclarecida’ aprovou essa Copa (da vergonha) acontecer no Brasil; uma pena.