Seria ingenuidade acreditar que o 7×1 pautou as ações da seleção brasileira no ciclo que, ontem, sábado, terminou com a derrota para a Bélgica. Não foi. Da carta da Dona Lúcia até o gol de De Bruyne, o time das cinco estrelas se esforçou para cuidar dos negócios. Em colapso político, perdeu dedos, mas conseguiu manter os anéis – é um caso de sucesso, convenhamos, que a CBF tenha mantido, e até aumentado, sua lista de patrocinadores e receitas mesmo com tudo que acontece a Marco Polo, Coronel Nunes, Marín, Caboclo e grande elenco. Foi a prioridade do trabalho canarinho, que apostou em Dunga, vejam vocês, Dunga, DUNGA de novo, para rebater o 7×1 mais 3×0 que aniquilou o orgulho próprio de um torcedor que daqui a pouco entra em cena.
Não joga no país. Quando joga, como foi em São Paulo por exemplo, é a um preço tão absurdo que gera em arenas novas seus recordes de renda sem ser recorde de público. O corte econômico é evidente, mas deixemos pra lá por ora: joga por obrigação, convive com a pauta fácil do “e se a torcida vaiar quando o gol não vier?”, emenda com aquele “Torcedor é assim mesmo, temos que trazê-los para o nosso lado”, faz, quando muito, um treino mais ou menos aberto, um monte de gente querendo entrar para ver um fim de aquecimento e um bate-bola preguiçoso, cinco garotas gritam por Neymar e saem no Jornal Nacional, a pauta é boa, o amor do povo, “É gratificante, fico feliz com esse carinho”.
Chega a Copa. Jogadores chegam à Granja Comary de helicóptero. “É para chegarem mais rápido, uma facilidade”. Me irritam tanto estas facilidades, mas vá lá, Tite fez o Brasil ter um time, a gente banca uma ou outra extravagância quando as coisas vão bem em campo. Se era Teresópolis ou Kiev, deu na mesma. Relação zero, e bóra para Londres, onde o Brasil, também por obrigação, mas dos papéis e dos contratos, dos negócios enfim, joga habitualmente. Um pulinho na Áustria, depois a Rússia, e um susto: a torcida brasileira foi em peso para o país mundialista. Com um interesse em mostrar algum brio, algum serviço após uma Copa de 2014 devastadora, não só pelo 7×1, mas pelo passeio que as torcidas do continente deram na nossa em terras brasileiras.
O corte econômico da Copa é o mesmo dos amistosos que o Brasil fez aqui, supostamente para nossa gente. Não à toa, o espaço ocupado pelos animados brasileiros na Rússia tinha inspirações de jogos universitários, não de jogos de futebol, este futebol depredado aqui praticado no qual o torcedor e o ato de torcer é simplesmente demonizado. Mas Tite montou um time, e este time teve momentos realmente brilhantes no caminho para a Copa, passou leveza, alegria, carisma. O torcedor passa por cima de quase qualquer desaforo quando o time joga a bola redonda. É uma equação curiosa. Torcer é ato de identidade, identificação, mas às vezes uma bola bem jogada se sobrepõe aos desaforos acumulados dos anos.
Ano que vem tem Copa América no Brasil. Os sinais, se o cinismo não os cegou, são claros: o brasileiro é menos resistente à seleção do que a narrativa recente sobre o nível de exigência dele tentou fazer colar. Se Dani Alves se disquitou do 7×1, David Luiz continuou um cidadão feliz e Neymar rosna para tudo que não é elogio, parece que tem gente que reagiu ao inqualificável desastre de Belo Horizonte assumindo a cicatriz, pegando para si a vergonha que foi todo o mês de Copa – do primeiro ao último jogo – e mostrando a solidariedade com a causa canarinho que a seleção negou ao seu torcedor, exceto à Dona Lúcia. Se em campo Tite devolveu um brilho à seleção, fora de campo tem como aproximar as partes e tornar esta seleção menos londrina e mais brasileira. É bom para todos. Um mascote com cara de bravo e uma colaboração aos bravos agitadores em terras russas já fez algum estrago. Imagina a adesão e o pertencimento reais de muito mais gente?
Uma simples mudança de postura serviria para não nos sentirmos mais visitantes em plena Copa América de 2019, em casa, contra um time vizinho cuja torcida nos engole como a mexicana nos engoliu em 2014. O movimento da adesão é sempre algo com forte teor espontâneo, mas até a espontaneidade precisa de alguma ajuda – e ela não chega de helicóptero.