Por Leandro Iamin
Se é que lá esteve, Argentina vai embora da Copa do Mundo com alguma dignidade preservada. Alguma, friso. Não plena. E uma dignidade criada pelas circunstâncias indecorosas, não por um brio natural. Dignidade esta que a gente interpreta também através de símbolos acessórios – o time bateu como era o futebol, sei lá, nos anos 70, tirou um resultado do nada, sem uma lógica ou construção, se permitiu um pouco de loucura. Porém, perdeu da forma mais previsível, sem distrações, sem pileque de Maradona e sem o estereótipo do drama proposital: a pior Argentina das últimas mil Copas conseguiu, pelo menos um pouquinho, se descolar do colapso engravatado que destrói o futebol do país, sem no entanto ganhar de verdade, após o banho frio e a cabeça fresca, um lugar respeitável na memória do torcedor.
Começa a contagem regressiva para um outro tempo, de Dybala e outros jovens tão diferentes daqueles cabeludos de outrora, e também a espera pela grande reportagem, acho que um documentário mesmo, onde os personagens desta Argentina abrirão a boca e dirão o que realmente aconteceu no ambiente interno argentino enquanto uma multidão viajava até São Petersburgo para depois correr até Kazan representando o que as seleções deste continente possuem de mais certo, aquilo que nunca falta: adesão, coração, orgulho. A seleção argentina de 2018, pela indecência de suas pequenas fraturas de convivência, pela devassa em toda reserva de autoridade e pelo trabalho de bola-e-campo feito de maneira incompreensível e, por isso, irresponsável, não merecia um só tocar de bumbo. O torcedor está lá e canta porque não sabe nem pode nem quer fazer outra coisa. O mesmo não se pode dizer de tantos atletas cujas capacidades são tão diferentes dos desempenhos.
O 4×3 para a França de Mbappé, no número, carimba e dá crédito à narrativa que não compro. Nela, a Argentina fez um dos grandes jogos da história das Copas. Talvez, aí concordo, tenha sido coadjuvante de um jogo realmente marcante, mas reside aqui um perigo: a Argentina é aquela seleção dos protagonistas, e está se acostumando ao outro lado do balcão. Envelhecida na figura de seus principais jogadores, assistiu hoje uma geração francesa jovem, fresca, relaxada, que ganha o jogo de 2018 já se colocando como favorita para 2022 e 2026 – ou será que Pavón, por exemplo, chega na próxima Copa como um gênio da bola? Queríamos ver Dybala, mas também queríamos ver muita coisa que a Argentina se negou a mostrar. Na verdade, a seleção sudaca se comportou como o namorado adolescente que só reage (ainda que sem dar o braço a torcer sobre seus erros) quando o namoro já parece irreversível. Dá uma satisfação pífia a uma coisa parecida com o ego, recupera e preserva a tal dignidade do primeiro parágrafo, mas e daí, se tanto falta?
A França fez quatro, cabia mais, achava facilmente os espaços quando atacava e se tornava destruidora quando contra-atacava, virou o jogo com uma tranquilidade assustadora, teve método, tem estilo, e sequer parecia jogar no máximo de sua potência. Mais time, mais banco, mais presente, mais futuro. Aos argentinos, um breve sonho entre dois gols, um pouco de demência para levar a vida um pouco melhor e nada, absolutamente nada de futebolisticamente positivo para levar destes dias em solo russo. Mascherano diz na beira do gramado: “à partir de agora, sou mais um torcedor”. Bem-vindo ao lado mais digno desta história.