Por Victor Faria
Vardy vem aí…
A casa era muito apertada para tanta gente e a vida dele era muito desconfortável. Havia dois quartos e só uma cama. A cama havia ficado para os quatro avós, porque eles estavam velhinhos e cansados – tão cansados que nunca se levantavam.
O Sr. e a Sra. Vardy e o garoto Jamie dormiam no outro quarto. Seus colchões ficavam no chão. Na época do calor não era tão ruim, mas no inverno o vento soprava gelado, rente ao chão, a noite toda e era insuportável. Eles eram tão pobres que nem pensavam em comprar uma casa melhor – nem mesmo uma cama a mais.
Com o tempo, James Vardy se viu obrigado a trabalhar como operário numa fábrica de pasta de dentes. Ficava o dia inteiro sentado num banquinho, colocando as tampinhas nos tubos já cheios de pasta. Mas tampador de tudo de pasta de dentes não era exatamente seu sonho, sem contar o baixo salário que recebia. Todos os dias eles só comiam pão com margarina no café da manhã, batata cozida com repolho no almoço e sopa de repolho no jantar. Aos domingos a vida parecia um pouco melhor. Todos esperavam ansiosos pelo domingo, porque, embora comessem exatamente as mesmas coisas, saíam após o almoço para ver Jamie jogar futebol.
Quando ia para o trabalho de manhã, James Vardy via alguns garotos treinando com a bola nos campos. Ficava olhando com os olhos arregalados, o nariz colado no vidro. Aquilo, é claro, era a mais terrível das torturas.
Mas ainda não contei a vocês o segredo que torturava Jamie, o maior apreciador de futebol do mundo. Aquilo, para ele, era muito pior do que ficar vendo outros garotos jogando futebol. Era a tortura mais terrível que se possa imaginar.
Na cidade, pertinho de casa, havia um imenso clube de futebol.
Imaginem só!
E não era só um time de futebol, era o Sheffield Wednesday. Um clube de enorme tradição, que tinha enormes campos de treinamento, era todo cercado por um muro gigantesco. Um cheiro forte de grama molhada se espelhava por todos os lados, a muitos quilômetros além de seus muros. Seu clube de coração, e que o dispensou quando tinha 16 anos de idade.
Duas vezes por dia, quando ia e voltava do trabalho, James Vardy passava na frente dos portões do clube.
Ah, como ele adorava aquele clube!
Ah, como ele gostaria apenas de jogar futebol!
O milagre
Jamie entrou na sala do diretor do Fleetwood Town FC logo após a conquista do título da quinta divisão.
O homem atrás da mesa era gordo e bem nutrido. Tinha os lábios grandes, bochechas gorduchas e um pescoção. A banha do pescoço saltava cobrindo o colarinho como um colar de borracha. Pegou um envelope que estava em sua gaveta e o entregou à Vardy. Jamie pegou o envelope, num segundo o rasgou para conferir o conteúdo da carta. Era um contrato, e Jamie pôs-se a ler o mais que depressa, em instante assinou o papel e deu um sorriso. Que felicidade ter aquela oportunidade nesse momento da carreira. A felicidade de jogar num grande time local.
– Parece que você está mesmo com moral, hein, filhote? – disse o diretor, brincalhão.
Vardy concordou com o peito estufado de emoção. Ele estava quase sem fôlego, mas sentia-se maravilhosamente, extraordinariamente feliz. Esticou a mão para cumprimentar o diretor. Parou. Seus olhos estavam fixos na mesa, olhando com minúcia os números do novo contrato.
– Então – ele disse baixinho –, acho que ainda chegarei à seleção nacional, serei o atacante titular.
– Por que não? – respondeu o diretor.
O coração de Jamie parou.
– É uma chance de ouro! – gritou, dando pulos no ar. Inacreditável! Todos verão! Um garoto vindo de divisões amadores, da oitava divisão. E aqui está!
Parecia que o diretor do clube ia ter um ataque. – No meu clube – ele gritava. – Chamem os jornais, depressa! Cuidado, filhote! Essa chance é preciosa! Cuidado para não desperdiçá-la.
Num segundo, umas vinte pessoas se aglomeraram em volta de Vardy, e ainda ia chegando mais gente de fora. Todo mundo quer ver o feliz jogador.
– Olhe lá! – outro gritou. – Ele está com o contrato em mãos! Vejam o brilho nos olhos!
– Eu só queria saber o que ele fez para ter essa chance – gritou indignado um jogador grandão. – Tenho trabalhado há anos e anos!
– Imagine só tudo o que ele vai ganhar – outro jogador disse com inveja. – O suficiente para o resto da vida!
Jamie mal se mexeu. Estava parado, de pé, segurando com força o contrato nas duas mãos, enquanto a multidão empurrava e gritava ao seu redor. Sentia-se zonzo, atordoado. Tinha a sensação de estar levitando, subindo para o ar como um balão. Era como se seus pés não estivessem tocando o chão. Ouviu o barulho de seu coração batendo forte na garganta.
– Quer saber de uma coisa? – disse o diretor do Fleetwood Town FC, parando um pouco e sorrindo para Vardy. – Tenho a impressão que você precisava mesmo de um time de maior expressão. Estou muito contente por você ter encontrado essa oportunidade. Boa sorte, filhote!
– Obrigado – disse Vardy, e foi embora correndo pela neve o mais rápido que suas pernas permitiam.
Agora já como jogador do Leicester City.
O Sr. Claudio Ranieri
O Sr. Ranieri estava ali, sozinho, do lado de dentro dos portões abertos do clube. Era um homenzinho incrível!
Estava com um belo fraque de veludo cor de ameixa. E, numa das mãos, segurava uma bengala com castão de ouro. Seus olhos – seus olhos eram incrivelmente brilhantes. Pareciam estar o tempo todo faiscando e cintilando para as pessoas. De fato, todo o rosto dele era iluminado de alegria, simpatia e felicidade.
E como parecia esperto! Era rápido, decidido e cheio de vida! Começou a fazer movimentos rápidos com a cabeça, balançando-a de um lado para outro, observando tudo com aqueles olhinhos brilhantes. Com aqueles movimentos rápidos parecia um esquilo, um daqueles velhos esquilos ágeis e espertos.
De repente, deu uma dançadinha no gramado, abriu os braços num gesto amplo, sorriu para os jogadores que se aproximavam, e chamou: – Bem-vindos, meus queridos atletas! Bem-vindos ao clube!
Sua voz era alta e soava como uma flauta. – Por favor, entrem um de cada vez – convidou ele. – Mostrem-me suas habilidades!
Via-se que o Sr. Ranieri estava tão entusiasmado quanto todos os jogadores. Dois jogadores quase tiveram o braço arrancado do ombro pelo cumprimento animado do treinador.
Vardy deu uma olhada pra trás, por cima dos ombros, e viu os portões do ferro da entrada se fechando devagarinho. Depois daquela última olhada de Charlie, os portões bateram, impedindo qualquer visão sobre o mundo lá de fora.
– Este, meus queridos atletas – disse o treinador elevando a voz além da conta –, é o nosso palco principal. Sigam-me, por aqui! Ótimo! Todos prontos? Então venham! Lá vamos nós!
Pensando bem era um belo grupo. Havia jogadores de diversos cantos do mundo. Dá pra imaginar a quantidade de dúvidas que surgiam nos jogadores, todos tentando acompanhar o raciocínio daquela figura veloz à frente deles. – Venham – chamava o Sr. Ranieri –, mexam-se, por favor! Nunca vamos permanecer na elite se vocês continuarem com essa moleza!
Esta é uma tarefa importante! – exclamou Ranieri, tirando do bolso um bloco de notas com diversas anotações. A parte tática, o centro nervoso de todo o time, o coração de tudo isso! E é tão bonito! Faço questão de que nossas jogadas sejam bonitas! Não tolero feiura nos jogos! Vamos treinar! Mas com cuidado, meu queridos! Não percam a cabeça! Não se excitem demais! Mantenham-se calmos!
Os jogadores estavam tão perplexos que nem conseguiam falar. Estavam tontos. Bestificados. Deslumbrados e estarrecidos. Estavam totalmente abalados diante da imensidão daquelas jogadas. Só conseguiam ficar ali parados, com os olhos arregalados!
Os primeiros felizardos
Nas primeiras rodadas, o time seguia num ritmo alucinante. A boa campanha encantava não somente os torcedores do Leicester, mas todo o país. Os jornais diziam que o time era uma fenômeno, mas que não aguentaria a maratona de jogos numa liga tão disputada. Em todo caso, é melhor ficar brigando na parte de cima da tabela, pelas ligas europeias e essas coisas, do que brigar pelo rebaixamento. No começo da temporada, tratava-se do único objetivo do time, não é mesmo?
Então o país inteiro, ou melhor, o mundo inteiro foi tomado por uma louca mania de acompanhar os jogos do time, as pessoas todas tentando desesperadamente comprar ingressos pros jogos. Mulheres adultas entravam nas lojas de esporte em busca de souvenir do time. Crianças arrebentavam seus cofrinhos a marteladas e corriam para as bancas de jornal em busca de figurinhas dos jogadores, com as mãozinhas cheias de moedas. Numa cidade, um bandido famoso roubou milhões de um banco para gastar tudo com entradas. Quando a polícia descobriu, ele estava no Estádio King Power acompanhando o time de perto.
De repente, um dia antes do confronto contra os Red Devils, os jornais anunciavam que o recorde de gols marcados seguidamente seria facilmente ultrapassado por James Vardy. A trajetória do atacante estava marcada para sempre. Esse mesmo jornal estampou a foto de Vardy na primeira página, uma fotografia imensa do jogador sentado entre os pais sorridentes, um sorriso que ia de orelha a orelha.
Algumas rodadas se passaram, e nós não tivemos tanta sorte. Nada preocupante. O time ainda desempenhava um bom papel, além das expectativas. Claudio Ranieri prometeu se emprenhar ainda mais para manter o embalo do time. Os jogadores também. O clima era de total euforia em Leicester.
O reconhecimento, muitas vezes o melhor dos prêmios, já estava garantido.
O grande dia
Na manhã do grande dia o sol brilhava, mas o chão continuava coberto de neve e o ar muito frio.
O confronto era contra o vice-líder do campeonato e grande favorito Manchester City, na casa do adversário. Fora dos portões do Etihad Stadium, uma enorme multidão se aglomerava para ver a chegada dos times. A emoção era imensa. Faltava pouco tempo para o jogo. As pessoas gritavam, empurravam, enquanto policiais formavam uma corrente tentando afastá-las dos portões.
Do lado de dentro do portão, num pequeno grupo protegido por seguranças, estavam os famosos jogadores do Foxes. A figura alta e magra de James Vardy se destacava entre eles, e ao seu lado, o treinador da equipe, Sr. Ranieri.
Os torcedores estavam tão impacientes para entrar, que os policiais tiveram que segurá-los com força para eles não pulares o portão. – Calma –, gritavam os oficiais. – Quietos! Ainda não está na hora! Esperem a hora do jogo.
No vestiário, Vardy e os demais jogadores ouviam os gritos da multidão empurrando o adversário e lutando para ver aguardado confronto.
Ao longe, o narrador do estádio anuncia o começo do jogo. Devagar, os jogadores de ambos os times adentram ao campo. Uma completa euforia toma conta do estádio, não se sabe ao certo se pela entrada do time da casa, ou pela presença cativante dos jogadores rivais.
Poucos minutos de jogo e a multidão silenciou de repente. Os torcedores de Machester pararem de gritar a favor do time, já não mais pulavam de um canto ao outro. Todos os olhos se fixaram no gol. Mais tarde mais, e outro. Restou ao time da casa somente um gol de honra marcado de maneira irregular. O resultado, que alguns periódicos bem duvidavam, reiteravam a sensação, dentro e fora de campo.
– Lá está o campeão! – alguém gritou. – É ele!
E era ele mesmo!