Por Leandro Iamin
Não é matemático o sentimento de quem se propõe a passar duas horas contemplando um latifúndio gramado. Seria muito fácil, manda avisar a turma de estudiosos que se pauta em critérios técnicos e em exemplos lógicos que não será tão simples assim cercar este objeto de pesquisa. Quando inventaram o futebol, colocaram um gol em cada extremidade do campo, e é o número de vezes que a bola passa dentro destes gols que define quem ganha e quem perde, mas, olha, a gente não ficaria tão vidrado nessa coisa toda se fosse só essa a questão. É ao concluir isto, que o amante do jogo não está interessado só em saber quantos gols cada time fará, que abrem-se as portas da percepção da importância de um jogo bem jogado, de um caráter competitivo profundo, da tentativa de ser em campo mais que um robô utilitarista.
Isto posto, vejamos a terça-feira da Copa do Mundo, dia 26, última rodada, Grupo C. Em Moscou, a Dinamarca se classificava para as oitavas de final, e recebia, pela forma com que conseguiu o resultado, uma sonora, estrondosa e inesquecível vaia. Ao mesmo tempo, em Sochi, o Peru, eliminado, dava volta olímpica e recebia aplausos e lágrimas de todo o estádio, tomado por conterrâneos daqueles que, afinal, deveriam, na ótica tecnicista, estar tristes. Você há de ponderar que tudo depende da expectativa que precede a realização, que as coisas são diferentes para cada país na Copa de acordo com seu tamanho no mundo da bola, e até que os latinos são assim mesmo, mais apaixonados. Que nada. É fácil fazer o torcedor, dependente emocional do jogo, de bobo. Mas tem limite.
Pois chegou um momento dos jogos simultâneos de ontem em que, para a Dinamarca, dava na mesma empatar ou perder. Mantendo o 0x0 ou perdendo de 0x1, 0x2, 0x3, estaria classificada do mesmo jeito. Então por qual motivo abdicou de jogar futebol? De onde concluiu que era esse o papel que lhes cabia? Ah, claro, alguém irá dizer que a lógica da coisa era se poupar, não acender duas velas quando uma só já ilumina, que o importante é o próximo jogo. Discordo. Primeiro, porque me dou o direito de achar que a Dinamarca preferiu, maliciosamente, não atacar a seleção francesa para não correr o risco de vencê-la e, assim, se tornar a primeira colocada do grupo, o que, teoricamente, lhe colocaria numa parte mais complicada do chaveamento final. E segundo porque o mundo tá vendo e isso importa sim.
Importa porque na hora de falar bonito sobre o quanto o futebol movimenta milhões, bilhões, e mobiliza pessoas de todos os cantos, é tudo lindo, pauta boa, números altos, sucesso econômico, comercial, é o novo futebol. Acontece que este mesmo critério protege quem pagou caro, caríssimo, por viagens, hotéis, ingressos e cervejas, e tem o direito de contemplar algo diferente de um jogo de cartas marcadas. Se é essa a regra do jogo na hora de muito engravatado enriquecer, é essa também a lógica da coisa quando muito torcedor comum é esportivamente enganado, como foi o caso de Dinamarca 0x0 França, o primeiro zero-a-zero da Copa, e um zero-a-zero proposital. Vergonhoso.
Resta a este que escreve o desejo pela redenção tardia, pautada na certeza de que o jogador de futebol, quando se aposenta, guarda na memória sensações, não números de placar. A vaia que os jogadores da Dinamarca tomaram continuará nítida em seus ouvidos, assim como os peruanos nunca vão se esquecer da volta olímpica que deram eliminados. É o que fica. A mente preserva estes contrastes de emoção com muita categoria. O time dinamarquês desperdiçou uma chance de agradar o torcedor, o consumidor e o financiador do futebol e da Copa do Mundo, mas fez algo pior para a posteridade de seus personagens: esta parte da história eles não vão contar para os netos.