Certas coisas não estão em tratados, convenções ou documentos oficias, mas são regras e direitos universais. Para boa convivência entre os iguais. Não é preciso uma instauração jurídica, ou algo que o valha, porque essas tais coisas simplesmente são. Estão por aí desde que chamaram esse mundo pelo nome e não há problema nenhum nisso. Ou há, a partir do momento que querem mudar essas circunstâncias.
Uma desses cânones da humanidade é o direito da dúvida, mas parece que atualmente ninguém quer se valer dele. Qual o problema de não precisar saber de tudo? Já não se tem mais aquele prazer incômodo de ficar com a pulga atrás da orelha. Aquele pé atrás hoje nem mais dá aqueles chutes incertos sabendo-se lá onde vão parar. O que vale agora é cravar com a sola e afirmar com bestas convicções.
A sombra da dúvida diminui com o passar do tempo e quem quer ter o prazer de não saber é bombardeado a cada dia com as certezas que ficam em seu encalço. Não adianta fugir. A culpa é dos novos tempos. Qualquer informação ao alcance de mão. Não sabe? Esqueceu? É só conferir se a conexão do seu 4G está ok e… voilà! Ali está o link que você precisava e acabar com ansiedade que o afligia para saber se o ator daquele filme era o Morgam Freeman ou Samuel L. Jackson.
Longe de mim querer ser saudosista, tecnologia está aí para nos ajudar e viva o avanço da ciência, mas tenho lembranças açucaradas das boas brigas de bar. De um lado, cheio de razão nenhuma, o barrigudo de bigode bradava: “Aquele gol foi do Silas Lenhador”. Na outra ponta da mesa o magrelo de finos óculos e caneta no bolso da camisa soltava: “Que nada! Você está falando merda. O gol foi do Mimi, e digo mais, aos quinze do segundo tempo”.
Estava criado o impasse e dali só sairiam depois do veredicto dado por, nada mais, nada menos, do que Gomes, o juiz de paz, que quando não estava resolvendo esse tipo de arenga voltava as funções de garçom e enchia o copo dos dois brigões de boca. “Autoridade, diz para esse bêbado que ele está todo errado e confirma o que eu disse. O gol foi ou não foi do Mimi?”
E assim as coisas eram resolvidas. O garçom pegava conversa de meia orelha e dizia que um dos dois estava errado, geralmente o mais nervoso, para que aquela discussão rendesse muito ainda e aumentasse o tamanho da conta. Na semana seguinte, ou na mesa ao lado, haveria um quiproquó parecido e todo mundo voltava com uma dúvida diferente para casa. “Acho que ele pode ter razão. O Silas Lenhador estava jogando muito naquela época”.
Duvido um imbróglio desse acontecer em dois mil e esses anos. Segue a cena. @HumansontheWall segura seu chopp IPA enquanto espera seu hamburguinho artesanal ser servido. Seu amigo @ThePriceDark chega e senta na cadeira de praia que está ao seu lado instalada na calçada em frente ao bar que está uns 180 km do mar mais próximo. Com os olhares fixados nas telas daquilo que eu dia chamaram telefone celular, um deles indaga:
“Tá sabendo que o ator fulano vai ser o protagonista daquela franquia iraniana?” “Não vai ser o fulano, vai ser o Beltrano”. “Tem certeza?”. “Não, pera. Bro, qual a senha do wi-fi?” O garçom aponta uma sequência de números na parte de baixo do cardápio feito de papel reciclado. Em menos de um minuto. “Tá vendo, olha aqui, é o Beltrano mesmo, te falei”. Fim da dúvida e Bro, o garçom, chega com o hamburguinho.
Rodolfo de Moura disse:
Concordo em partes com isso Gil Luiz Mendes. A tecnologia está acabando com isso mesmo, mas isso vai da pessoa também. Eu tenho celular com internet, mas procuro não ficar conectado em cima dele toda hora. Se eu estou num bar, procuro ficar o máximo sem usar ele nas conversas para não ficar sabe tudo dos assuntos. Mas como eu disse acima, isso vai da pessoa, se ela usa a tecnologia pra tudo, acaba a graça mesmo.