Admirável Futebol Novo

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Por Victor Faria

O ano é de 600 d. B.. A sede da Organização de Futebol Globalizada é um edifício feio cinzento, com poucas janelas, de trinta quatro andares que tomavam todo o quarteirão. Acima da entrada principal as inscrições OFG e, num escudo, o lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade e Estabilidade.

Ao contrário do que sugeria a arquitetura e comportamento do começo do milênio, tempos de sedes luxuosas em Zurique, de obras homéricas em países sucateados, de privilégios à alta cúpula e seus convidados, com nomes de dirigentes consagrados reluzentes nas fachadas das confederações, o atual modelo privilegia uma manutenção interna, baseada em ciência e bem-estar, contrário à ostentação de tempos de Joseph Blatter, nosso senhor.

A partir da reeleição de nosso eterno líder foi decretada uma guerra que ia além de bastidores. Desertores da extinta UEFA e alguns infiltrados da FIFA (atual OFG) quiseram por tudo a perder, tomar medidas sem contar seus riscos. Tudo veio abaixo, os nomes, as contas, os impérios. O futebol tomou um grande golpe devido à falsa moralização de um governo que, à época, não se permitia. Eles, inventores do tal progresso, não souberam reconhecer a brilhante estratégia, econômica e esportiva, de seus representantes. Era um triste sintoma do fracasso de uma classe intelectual em tempos de crise. A ineficiência fora o pecado contra o Espírito Santo.

Fora necessário então criar um novo modelo, longe das desconfianças e com as devidas e necessárias precauções. Um futebol somente preocupado com ele, aglutinador, forte e sustentável. As medidas tomadas naquele tempo pareciam drásticas, mas hoje percebemos o quanto nos foi importante implantar tal filosofia de jogo, de vida.

A história não mente jamais, desde as estatísticas implantadas em 1932 e adaptadas em 1984 que o futebol moderno é mais bem jogado. Sucesso de gestão, de público, de espetáculo. O mais desejado da Terra.

O Processo Bokanovski, utilizado até hoje na reeducação de poucos jovens loucos, selvagens, estabelece o conceito de Comunidade, Identidade e Estabilidade, lema do Estado Maior e pedra fundamental do novo governo.

Comunidade: Os jogadores não mais serviram às suas pátrias, seriam fiéis somente aos seus clubes, seus patrões, responsáveis por seu desenvolvimento e aptidão. Os países não poderiam chamar os jogadores apenas por sua nacionalidade, deveriam comprar seus direitos junto ao clube. Não poderiam interferir em sua formação, apenas utilizá-los em apresentações amistosas.

Com o tempo as Copas se tornaram apenas locais, sem a necessidade de percorrer grandes distâncias, os campeonatos regionais dos grandes centros já sugeriam uma força maior e mais significativa do que as ditas “seleções”. Naturalmente elas não se mantiveram, e se adaptaram à uma esfera local a fim de sobreviver ao Novo Estado. Grandes campeonatos patrocinados por empresas de grande porte, jogadores servindo de modelo e propaganda para casas de aposta. Tudo dentro da lei e em prol do lucro.

Os governos totalitários da época se sentiam satisfeitos com as administrações locais e por isso não interferiram em decisões cruciais. O modelo de administração de futebol globalizado nos deu autonomia pública e econômica para enfrentar qualquer nação do mundo. E assim o fizemos, anos mais tarde, estabelecendo o futebol como único esporte a ser praticado. O enfraquecimento de grandes nações fez com que os Estados futebolísticos atingissem sua supremacia consagrada até os dias atuais.

Identidade: Destinados desde cedo às suas funções, os jogadores são divididos por casta, determinada previamente pela posição e talento. Em nossos Centros de Treinamento, Condicionamento e Desenvolvimento é utilizado o método Neopavloviano, estímulo-resposta sobre o sistema nervoso central dos jogadores. A criação e inteligência no campo era fruto de estímulos previamente programados em determinados jogadores, principalmente os Alfas. Betas, Gamas, Deltas e Ípsilones completavam a cadeia futebolística e tática de cada time. Cada um com sua função e talento disponível e determinado.

Doses de Soma eram aplicadas nos atletas a fim de melhorar seu desempenho, aprimorar sua qualidade. Eram proibidas somente em tempos de pré-temporada. Nos primeiros meses do ano eram sujeitos a novos exames que indicavam se ainda serviam à prática do esporte.

Todos os anos milhares de jogadores eram aposentados, remanejados a funções extracampo ou simplesmente dispensados e destituídos do Estado. Evidentemente não serviam mais pra nada. A técnica de Podsnap havia acelerado imensamente o processo de maturação. Porque na natureza, são necessários trinta anos para que os futebolistas cheguem à maturidade,  com essa técnica era possível obter 150 jogadores maduros no espaço de duas temporadas. A cada ano jogadores mais preparados e focados no resultado.

Os jogadores possuem diversas funções em campo. São parte de um time, de um esquema, aprendem a ser taticamente perfeitos, condicionados dos 13 aos 18 por hipnopedia futebolística a amar o que se é obrigado a fazer, treinados a jogar sem a bola, um mero detalhe. A disposição em campo é de ordem estrutural, termos antigos e conhecidos como líbero, ponta-esquerda e camisa 10 caíram em desuso e não fazem parte do ludopédio atual. A Maior Felicidade é secundária em relação ao Objetivo Final. Uma solução perfeitamente cabível às práticas estabelecidas para um futebol moderno.

Os campeonatos se tornaram cada vez mais acirrados, os jogos equilibrados, mas sempre com a premissa de que o melhor há sempre de vencer. Para um melhor desempenho dos clubes, gestores do Estado altamente preparados por processo Neopavloviano semelhante ao aplicado aos jogadores. Funcionário de alta patente capazes de observar as carências do time, seu público-alvo, o número de sócios-torcedores, as categorias de base. Programados para satisfazer seus torcedores e produzirem lucros às suas instituições. A tendência é ser forte em todas as suas possibilidades.

Estabilidade: Satisfação das necessidades dos habitantes, primordial aos interesses do Estado e do clube. Diversão garantida em jogos de futebol todo dia. Os motivos de comemoração serão dispostos além-campo. Renda, aluguel do estádio, número de sócios-torcedores, disputa em negociação de jogadores com rivais. Tudo deve ser motivo de comemoração. Os torcedores podem acompanhar os jogos de casa, sem a necessidade de torcer desconfortavelmente em pé, num ambiente hostil e longe do conforto do lar. Os clubes fornecem poltronas ergométricas que se ajustam perfeitamente à silhueta do corpo e à decoração da casa. Tudo para garantir satisfação plena aos amantes deste esporte cada vez mais amado e menos praticado. A disputa está em todo lugar.

Apenas quando necessário, a torcida é chamada. Em dias de homenagem ou eventos televisivos. A figuração é obrigatória e não comparecimento acarreta em multa ou expulsão do indivíduo. Mais fácil e seguro para ambos os lados.

Esta indicação de futebol moderno é a mais apropriada. Não há possibilidade para zebras ou surpresas. Os detalhes são meramente táticos, disponíveis aos de maior porte ou crescimento. Nesses tempos, desde o começo da dinastia Blatter, não há espaço para a magia do futebol arte. Não para o Estado Novo.

Longe dali, talvez, ainda seja possível encontrar tal esquecida arte. Contrário à civilização e modernidade, em algum campo distante de várzea, reserva dos Selvagens. Algum semelhante de dribles rápidos e pernas tortas, algum Mané no meio de tantos outros, algum João em meio a outros de mesmo nome. Um jogador sem qualidades, amador, antiprofissional.

Um traidor de ideais coletivos, um selvagem capaz de despertar num mesmo jogo perigo, poesia, liberdade, infelicidade e impotência, apenas nos 45 iniciais. Um rapaz que faz a bola ser seu todo, seu modo, um tolo para os tempos atuais.

Um primitivo que, quando em campo, pode despertar a maior das utopias sem nem ter feito um gol. Que num lance é capaz de ser comparados a craques que só se encontram em memórias afetivas e artificiais. Vistas em batalhas e disputas longínquas, distantes de qualquer percepção aparentemente real.

Em tempos de Ford ou Blatter, a conclusão de Huxley seria igual: Tudo bem quando acaba bem. Ao futebol moderno providencial.

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Ouçam o último Futebol Urgente, que serviu de inspiração para este texto

 

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