por Samuel Sganzerla
“Esse time tem alma! Como eu não via há anos! Tem ALMA!”, disse-me meu pai, ao telefone, na ligação que me fez logo após o apito final do jogo do Beira-Rio. Mesmo os mais discretos torcedores se permitem viver de vez em quando a euforia que só o futebol proporciona. No caso do seu José Américo, ele me telefona (ele colorado, eu gremista, criado nas boas conversas sobre o mundo da bola).
E ele não hesitou em falar no maior responsável por hoje o Inter se alçar à condição de favorito a conquistar a Taça Libertadores e fazer com a que a torcida colorada esteja vivendo um sonho delirante: DIEGO AGUIRRE. Sinceramente, não poderia estar mais correto.Esse uruguaio, que já mostrou que não veio a turismo às casamatas sul-americanas no ano de 2011, quando foi vice-campeão com um limitado Peñarol, é brilhante! Chegou no Beira Rio sob certa desconfiança e teve seu trabalho questionado logo no início. Situações que são mais fruto da empáfia e da arrogância do brasileiro, quando o assunto é futebol, do que de quem olha com um mínimo de seriedade e parcimônia para o trabalho feito longe dos holofotes das partidas oficiais. Porque, afinal, vamos fechar uma década falando em “renovação” no futebol brasileiro – desde que a seleção que contava com o maior número de jogadores fora de série teve um desempenho pífio perto de seu potencial numa Copa do Mundo -, mas seguimos sem renovar.
O Inter ousou arriscar nesse período. Trouxe Jorge Fossati em 2010, que, mesmo contestado e saindo antes do fim da Libertadores daquele ano, teve sua inegável contribuição na formação daquele time e classificando a equipe à semifinal. Dessa vez, aposta no inteligente Diego Aguirre. Um técnico com uma capacidade fantástica de ler o jogo, que deixa o orgulho de morrer abraçado nas próprias convicções de lado para fazer o que é preciso. Quantos colocariam o maior ídolo do clube no banco em uma partida decisiva, para privilegiar o esquema tático? Aliás, de quantos treinadores no futebol brasileiro se pode dizer o mesmo?
Enquanto isso, sobrevivemos de velhas apostas, nessa renovação que não renova, com o grupo de técnicos que se reveza nos grandes clubes seguindo intacto. O trabalho feito por aqueles que tentam se alçar ao alto escalão ainda não é bem visto, muitas vezes por repetir a fórmula de tempos que não voltam mais (e por lembrar os erros que não queremos mais ver). Contudo, nós ainda parecemos incapazes de conseguir fazer a leitura correta sobre os problemas do futebol tupiniquim.
Aliás, no que diz respeito ao futebol, o brasileiro conseguiu deixar falar mais alto sua Síndrome de Vira-Latas no que não devia (estádios padrão FIFA, elitização das arquibancadas, hiperenflação de salários a la futebol europeu), mas manteve sua arrogância e empáfia naquilo em que precisava deixar o orgulho de lado e reconhecer seus vícios: gestão do futebol (desde a visão como patrimônio cultural do povo até a questão da função social do esporte), revolução na visão sobre a tática do jogo, preparação técnica distinta, formação de jogadores de forma a não torná-los estrelinhas e sub-celebridades, fim do cartolismo patrimonialista, etc. A incrível capacidade de mudar o que era bom (para pior) e reforçar o que era ruim.
O baque do 7 a 1 e a ausência de equipes brasileiras nas semifinais das duas últimas Libertadores, à exceção do Internacional agora, deveria ser um alerta. Não para a crise, que é óbvia. Mas para a exceção que é esse Inter. Que trouxe um estrangeiro para ferir o sagrado orgulho nacionalista da bola. Que permitiu que um técnico que pensa diferente do senso comum que estamos acostumados assumisse o comando. Que abriu mão do SEBASTIANISMO DA CASAMATA.
A aposta de nós, gremistas e secadores, era o Cruzeiro. Este, que tem o técnico que tinha tudo para ser o mais promissor de uma nova geração e um time superior ao adversário que enfrentou, mas sofreu a eliminação por uma goleada no Mineirão – que se firma como o novo palco das tragédias do futebol brasileiro, roubando o posto do Maracanã. Do futebol brasileiro, só o Inter segue vivo (e como!) na batalha continental.
Esse Internacional que, como disse meu pai, “tem alma”. Mas uma alma que foi trazida por um homem do lado de lá do Rio Uruguai. Uma alma inteligente, que sabe que coração e mente nunca se separam. Aposto que ele diz no vestiário “Lembrem bem de tudo que treinamos e estudamos… Mas não se esqueçam do peso que tem essa camisa que vocês usam. E quem tem que senti-lo é o adversário”.
Agora, nova fase, parada para a Copa América. Torcerei por Dunga, apesar de não acreditar que ele possa trazer rapidamente a seleção brasileira ao patamar das glórias, que tanto nos pertenceu. Porque, desculpem-me amigos, eu posso dizer: o futebol brasileiro ainda está em plena decadência. E torcerei MUITO contra o coirmão Diego Aguirre. E espero que venha uma eliminação, e com ela a demissão causada pela passionalidade dos derrotados (tão característica por essas bandas).
Se isso tudo acontecer – no caso do Inter, muito mais graças a todas às minhas PRAGAS DE SECADOR -, é capaz de no segundo semestre vermos Diego Aguirre demitido do Internacional e Dunga fora do comando da seleção. E quando perguntarem quem será o novo técnico do Brasil, irei gritar: “EU TENHO UM NOME… MAS ELE FALA ESPANHOL!”