Por Luiz Felipe de Carvalho
Mesmo quem não é muito ligado em cervejas já deve ter notado que o Brasil vive um crescimento dos produtos considerados “premium”, ou “artesanais”, ou qualquer outra palavra que descreva uma cerveja diferenciada. Muitos novos estilos apareceram nas prateleiras nos últimos anos, e talvez o o que mais tenha caídos nas graças dos brasileiros seja a famosa IPA. Para quem ainda não sabe, IPA é abreviação de India Pale Ale, um tipo de cerveja que, ao contrário do que se pode inferir pelo nome, foi criado na Inglaterra. Resumidamente: é uma cerveja com uma carga de lúpulos mais alta e, consequentemente, com mais amargor do que as tradicionais.
Entre os profissionais da cerveja (sommeliers, mestres-cervejeiros, jornalistas e conhecedores em geral) é comum vermos ela ser referida como “ai pi ei”, que é como se pronuncia cada uma das letrinhas em inglês. Existem excelentes argumentos para defender essa pronúncia aqui no Brasil, e eu respeito (quase) todos eles, mas minha opinião é que deveríamos adotar “ipa”, assim como se lê mesmo. Abaixo defenderei minha tese com cinco razões básicas que me fazem pensar assim.
1 – Mais fácil de falar
Sim, parece um motivo besta – e é mesmo. Mas é inegável que gastamos menos energia para falar “ipa” do que para falar “ai pi ei”. Não há controvérsias aqui. Faça o teste aí na sua casa (mas antes veja se não tem ninguém por perto, podem pensar que enlouqueceste).
2 – Estamos no Brasil, e as três letras juntas formam “ipa”
Não, longe de mim qualquer xenofobismo. Mas pense se americanos, alemães ou ingleses fariam qualquer tipo de concessão à sua maneira de falar caso lhes aparecesse pela frente alguma sigla ou palavra em português. Obviamente que eles trariam isso para a sua língua. Normal. Natural. Por qual razão haveríamos de fazer diferente? Quando algum profissional da cerveja brasileiro viaja, é dever dele estudar como as pessoas se referem aos termos cervejeiros naquele país. Exemplo: se convencionou chamar as cervejas de alta fermentação de “ales” e as cervejas de baixa fermentação de “lagers”. Mas segundo o BJCP (Beer Judge Certification Program, uma das mais respeitadas organizações do meio cervejeiro), na Alemanha e outros países essa distinção não existe, e o mais comum é usar “top-fermenting” (alta fermentação) e “bottom-fermenting” (baixa fermentação). Então se alguém viaja pra lá precisa saber que não adianta falar de “ales” e “lagers” para se referir ao tipo de fermentação. Do mesmo modo, se algum cervejeiro estrangeiro vem para cá, é dever dele saber que aqui a maioria da população se refere às “ai pi eis” como “ipas”. E o jogo segue, ninguém vai morrer por isso, o Brasil não vai virar motivo de chacota (há outras razões bem mais eloquentes para isso).
(peço um aparte ao meretíssimo para um parêntesis um pouco comprido, mas que se refere ao mesmo tema. É que eu acho que o mesmo raciocínio se aplica ao uso do termo “chopp” para se referir à cerveja servida em torneira. Pouco importa que inicialmente o termo se referia a uma unidade de medida alemã, usada por imigrantes daquele país, e que depois acabou se tornando sinônimo de cerveja não engarrafada. Hoje já é um substantivo usado por quase todo brasileiro, então quem vier para cá é bom saber que “aqueles malucos do Brasil chamam de chopp a cerveja on tap, servida em barris”. Nem toda jabuticaba brasileira é necessariamente ruim. Às vezes elas nos dão identidade e nos fazem ser quem somos, além de trazerem detalhes de nossa história)
3 – Já está estabelecido
Creio que a maioria dos brasileiros já se referere à IPA como “ipa” e não como “ai pi ei”. Tentar mudar isso agora seria trabalhoso e contraproducente.
4 – Criatividade nos nomes
Esse é um dos meus motivos preferidos: os trocadilhos que as cervejarias fazem com a palavra “ipa”. Convenhamos, difícil fazer um trocadilho com “ai pi ei”. Sei lá, talvez se colocassem o desenho de um pintinho machucado com um balãozinho daqueles de diálogo de quadrinhos dizendo “Ai! piei!” (doeu na alma, eu sei, perdão). Já com a palavra “ipa” é muito mais fácil, e os exemplos são vários. Cito alguns: “MaracujIPA” (da Invicta), “JabutIPA” (da Ambev), “Olívia IPAlito” (da Suméria), “IPA IPA Urra!” (da Cambuquira), “RIPA na Chulipa” (da Saint Beer), “IPA nema” (da 3Cariocas), entre outras várias que devem existir por aí e eu nem sei. Sabe alguma?
5 – Evitar distância entre profissionais e consumidores
Se tem uma coisa que eu aprendi no curso de sommelier é que cerveja não pode ficar chata. Não pode ter frescura. Foi um erro (talvez calculado, vai saber) que o mundo dos vinhos cometeu, e que afasta novos apreciadores e impede um crescimento maior do mercado. “Ah, esse povo de vinho fala de um jeito empolado, fresco, não quero saber, vou continuar tomando meu Sangue de Boi”. O mesmo não pode acontecer com a cerveja. Se os profissionais se colocarem como seres iluminados, dotados de um conhecimento extraterrestre, e falando de um jeito afetado, as pessoas vão continuar tomando sua Skolzinha e não vão se aventurar – por medo ou por achar que aquele mundo não lhes pertence (aliás, nada contra a Skolzinha, mas é um desperdício ficar só nela com um mundo tão vasto a conhecer).
Para finalizar, é óbvio que com o tempo cada pessoa que adentrar o mundo das cervejas vai acabar sabendo que lá fora se diz “ai pi ei”, ou que “chopp” é um termo usado somente no Brasil. São conhecimentos importantes para uma segunda etapa. Mas antes disso é importante que eles ultrapassem o maravilhoso portal que leva a uma infinidade de estilos, aromas e sabores sequer imaginados. E para atravessá-lo é preciso se sentir seguro e benvindo. “Senta aqui, meu amigo, vamos tomar um chopp de ipa que eu tenho algumas coisas pra te contar”.
Juliano Braquinho disse:
Muito boa a coluna e assino embaixo. A cerveja é uma bebida democrática, pra reunir os amigos e bater um bom papo…seja onde for. Vamos beber e aprender muito com a cerveja, mas sem frescura!
Cheers!
Luiz Felipe disse:
Olá Juliano. Obrigado pela leitura e pelo elogio. Com certeza, não podemos jamais, nós que gostamos de breja, deixar que ela fique chata. Isso seria mortal. Prosit!