Há quem goste. Confesso que já fui até meio viciado nesse negócio chamado nostalgia, mas nãos essas de colecionar e acumular coisa velha, ou antiga – como preferem chamar os apegados. Meu museu era só de memórias mesmo. Ainda sofro um pouco disso. Minha Candeias que o diga. Não há um mero dia que não me lembre do odor de sargaço e das ruas sem asfalto. Chega dói.
Matava essa miserável chamada saudade, que só serve morta, com os velhos amigos de bairro e escola. Mas na minha memória toda a rapaziada ainda era a mesma. Magros, de roupas largas, tênis coloridos e nenhuma carta chegando em nossos nomes nas caixas de correios. Mas a realidade é mais inconveniente do que qualquer doce lembrança. Ao olhar no espelho, nem eu sou o mesmo, quem dirá aqueles com quem perdi o contato diário há mais de 20 anos.
A amada tecnologia apareceu por aí dia desses como quem não quer nada e resolveu diminuir distâncias. A falsa proximidade é um alento no começo, mas com o tempo, esse implacável, as coisas se mostram como realmente elas são. Não tem rede social no mundo que faça aproximar diferenças que foram formadas no meio dos hiatos. As pessoas mudam e nem sempre é para melhor.
O Whatsapp é o propagador de tudo que não presta nesses períodos que antecedem o pleito eleitoral deste ano. É por lá que a horda favorável ao capitão peidão propaga todos os tipos de mentira que atingem os cérebros menos questionadores. Eu, que me acredito cético, desacreditei ao ver proferido no grupo dos meus amigos de adolescência, no mesmo aplicativo de mensagens, os bordões tagarelados e sem visão crítica amplamente difundidos pela direita acéfala. Acreditem, até o famigerado “vai pra Cuba” foi propagado lá. Juro.
E ai que a dúvida bateu mais no peito mais do que na cabeça. Em que momento pessoas que tiveram a mesma formação que eu viraram essas criaturas que aplaudem atitudes facistas e adoram adoradores de torturadores? Viemos do mesmo lugar e tivemos ensinamentos na mesma sala de aula. Quantas fitas k7 do Racionais MC’s, do Devotos do Ódio, DFC, Chico Science & Nação Zumbi, Rage Against The Machine, Pink Floyd trocamos entre nós e mesmo assim nada do que era dito nas letras dessas bandas ficou para essas pessoas.
Detalhe que nenhuma delas virou um mega empresário pró-capitalismo ou um grande acadêmico liberal. Se fossem, talvez não repetissem tantos chavões. Não. São meras pessoas da classe média, de pensamento mediano e que creem que pensamento crítico é chamar a Rede Globo de comunista ou xingar qualquer de esquerda e blasfemar tudo que seja vermelho. Não me espantaria que cortassem o tomate de sua dieta simplesmente por conta da cor do vegetal.
Certas coisas e pessoas precisam ser deixadas para trás. Para nossa saúde mental. É necessário. Tempo suficiente já foi passado longe delas e até hoje a vida permaneceu a mesma. Termino esse texto com um trecho da música “Canção Para Amigos”, do Dead Fish, mais uma dessas bandas que ouvíamos juntos enquanto nos empurrávamos em alguma roda de pogo ao 14 anos de idade. Duvido que ainda hoje eles entendam o que essa música queria dizer. Talvez nem entendam essa crônica.
“Acho que crescemos demais
Aconteceu o que temíamos
Não vamos mais nos entender
Se foi a natureza ou o sistema, só o tempo, dirá”.