Embora não haja nenhum musical “raiz” entre os indicados a melhor filme na premiação do Oscar esse ano, há bastante música em vários deles. Vejamos: “Bohemian Rapsody” é a biografia de um cantor de rock, “Green Book: O Guia” é sobre um pianista e seu motorista e “Nasce uma estrela” é sobre a relação entre um cantor decadente e uma cantora em ascensão. Além disso, “Guerra Fria”, que concorre a Melhor Filme Estrangeiro, trata do amor entre um regente e uma cantora, ambos poloneses, durante a Guerra Fria.
Foi esse último, que vi há poucos dias, que me colocou a pensar em filmes que tratam sobre música mas não tem aquela pegada “para tudo que agora vai rolar uma música e todos do elenco vão cantar e dançar, e depois tudo continua como se nada tivesse acontecido”. Ou seja, que não estão presos às convenções do gênero “Musical”, mas que não existiriam sem música.
Fiz quatro duplinhas de filmes aí abaixo, que partem de pressuspostos parecidos. Claro que existem muitos outros dentro de alguns dos temas propostos, mas coloquei meus preferidos – ou ao menos aqueles cuja memória está mais fresca para mim.
1 – Filmes sobre artista/produtor decadente que encontra uma garota e renova sua carreira/vida:
Letra e Música (Words & Lyrics, EUA, dirigido por Marc Lawrence, 2007) – Dentro do sub-gênero das comédias românticas, não adianta esperar grandes reinvencões estéticas. Espera-se diversão leve e um sorrisinho no rosto o tempo inteiro, além da certeza de que tudo vai dar certo no final. Essa produção de 2007 cumpre com louvor os requisitos. A culpa maior é do carisma da dupla de protagonistas, Hugh Grant e Drew Barrymore. Hugh vive Alex Fletcher, um ex-integrante de uma banda de sucesso, que vive de animar festinhas nostálgicas, e recebeu um convite para escrever uma canção para a popstar do momento. Ele sempre foi péssimo em escrever letras, e acaba descobrindo na substitua de sua florista, Sophie Fisher (Drew), uma parceira perfeita para compor – e fazer “otras cositas”. Além de render boas risadas, o filme é eficiente em sua homenagem à música pop.
A cena abaixo mostra Alex e Sophie gravando a música que fizeram e depois mostrando para a Britney Spears/Taylor Swift/Sei-lá-o-quê do momento.
Mesmo Se Nada Der Certo (Begin Again, EUA, dirigido por John Carney, 2013) – Mark Ruffalo vive Dan, um ex-produtor musical de sucesso que agora passa os dias bêbado porque está desiludido com a carreira. Keira Knightley vive Gretta, uma compositora ocasional que acaba de terminar um relacionamento com um cantor pop. O encontro dos dois vai mudar ambas as vidas, e não apenas profissionalmente. Apesar de ser um filme convencional, é possível dizer que ele subverte alguns clichês esperados. Mais uma vez amparado por uma carismática dupla de protagonistas, mas sem o viés da comédia, aqui temos o amor puro à música como o principal motor dos personagens. Em busca de algo que se perdeu, ambos vão se reencontrar consigo mesmos.
A cena abaixo é de quando Dan ouve Gretta pela primeiva vez em um bar, apenas com um violão, e sua cabeça de produtor já começa a montar o arranjo da música.
2 – Filmes sobre as vibrantes vidas de atendentes de lojas de vinil:
Alta Fidelidade (High Fidelity, EUA, dirigido por Stephen Frears, 2000) – Baseado no livro homônimo de Nick Hornby, acompanha a vida de Rob, um atendente de uma loja de discos, às voltas com um fim de relacionamento. Interpretado por John Cusack, perfeito com sua cara de tédio permanente, o filme é um deleite pra quem gosta de cultura pop. Boa parte das ações se passa dentro da loja, com Rob conversando com os clientes sobre música, formulando teorias, criando listas dos “dez mais qualquer coisa”, enfim, levando muitíssimo a sério o que 99% da população considera besteira. Em sendo assim, o filme é um excelente veículo para que esse 1% se encontre retratado nas telas (eu me senti).
Abaixo um excelente exemplo do que acabo de explanar.
Durval Discos (Brasil, dirigido por Anna Muylaert, 2002) – Depois de ajudar na criação da série Mundo da Lua e dirigir vários episódios de Castelo Rá-Tim-Bum e um curta-metragem, este foi o primeiro longa de Anna Muylaert. Lançado apenas dois anos depois de “Alta Fidelidade”, houve na época um pequeno burburinho sobre a semelhança entre os dois. Aqui Durval é dono de uma loja de discos de vinil em uma época em que os CDs já tomavam conta do mercado. Embora o começo do roteiro seja semelhante ao do filme americano, mostrando as conversas entre Durval e seus clientes sobre música e cultura pop, aqui a trama envereda para algo policial e até meio surreal (assisti ao filme em 2005, e em minhas anotações escrevi que o filme perde um pouco quando muda seu foco. Será?).
O vídeo abaixo mostra as interações de Durval com alguns de seus clientes, inclusive com a divertida participação de Rita Lee aos 4:14, procurando o disco branco do Caetano.
3 – Filmes sobre bandas que não existiram:
The Wonders: O Sonho Não Acabou (That Thing You Do!, EUA, dirigido por Tom Hanks, 1996) – Tom Hanks usou todo seu cacife de ganhador de dois Oscar de melhor ator para realizar esse projeto pessoal, que ele mesmo escreveu e dirigiu. O filme acompanha a trajetória da banda The Wonders, escancaradamente inspirada nos Beatles. Apesar das óbvias referências, a história é muito bem construída e possui suas mitologias próprias, fazendo com que um espectador desavisado ache que a banda de fato existiu. Parte dos créditos disso vem da ótima trilha sonora, com músicas inéditas que recriam o espírito dos anos 1960. A principal delas é “That thing you do!”, que chegou a fazer sucesso no mundo real, atingindo o número 44 nas paradas americanas.
Abaixo o clipe do grande sucesso da banda.
Quase Famosos (Almost Famous, EUA, dirigido por Cameron Crowe, 2000) – Cameron Crowe escreveu o roteiro baseado em suas próprias experiências como um jovem repórter da revista Rolling Stone, quando chegou a cobrir uma turnê do Led Zeppelin. Mas no filme a banda se chama Stillwater, e é complicado discernir o que é ficção e o que de fato aconteceu. E isso nem importa muito. O filme é repleto de excelentes sequências musicais, momentos engraçados, outros dramáticos, e muito, muito amor e carinho pelos personagens. Cameron fez o filme com “o coração na ponta da câmera” e isso aparece na tela. Mostrando toda a loucura de uma turnê pelos olhos inocentes do jovem jornalista William Miller, é como se todo o “sexo, drogas e rock and roll” se transformassem em poesia – como talvez de fato sejam.
A cena abaixo, uma das melhores do filme, mostra a banda numa merda danada, depois de uma briga, no ônibus da turnê. Aos poucos a música Tiny Dancer, de Elton John, vai fazendo com que todos voltem a se conectar de alguma maneira.
4 – Filmes baseados em músicas:
Unidos Pelo Sangue (The Indian Runner, EUA/Japão, dirigido por Sean Penn, 1991) – A música Highway Patrolman faz parte do disco Nebraska, lançado por Bruce Springsteen em 1982. Sean Penn usou a letra da canção como base para seu roteiro. É um filme sobre o amor incondicional entre dois irmãos que tomaram rumos diferentes na vida. Joe (David Morse) é xerife em uma pequena cidade, enquanto Frank (Viggo Mortensen) é seu irmão problemático, que vive se metendo em encrencas, e sendo salvo pelo irmão. Viggo Mortensen, bem antes de interpretar Aragorn em Senhor dos Anéis, está perfeito no papel, com seu visual meio James Dean.
O clipe abaixo mostra a música e as cenas do filme que correspondem aos pedaços da letra.
Faroeste Caboclo (Brasil, dirigido por René Sampaio, 2013) – Todo mundo que penou pra decorar a letra da famosa canção da Legião Urbana sabe o quanto ali já havia uma história completa. Renato fazia aqui sua homenagem a um de seus ídolos, Bob Dylan. Claro que o filme também funciona para quem não conhece a canção, mas é gostoso assistir ao filme e ir se lembrando da letra, esperando pela presença dos trechos preferidos. Eles estão todos lá, embora outros personagens e subtramas tenham sido adicionados, como o desprezível policial vivido com maestria por Antonio Calloni.
Abaixo uma edição que intercala a apresentação da música pela Legião Urbana no Acústico MTV a trechos do filme.