Por Luiz Felipe de Carvalho
Começa a ficar até meio chato. Todo ano eu começo esse texto dizendo sobre como o ano anterior foi complicado. Este ano que passou pode ser dividido entre pesadelos e breves tentativas de acordar, sempre frustradas. A montanha russa não para. Por outro lado, outra coisa que não muda é como a música, e a arte de maneira geral, sempre nos ajuda a vislumbrar luzes, seja lá em qual buraco estivermos.
Este ano fiz um pouquinho diferente, e resolvi fazer duas listas, uma com músicas nacionais, outra com músicas internacionais (o texto com as internacionais sai logo, logo). Também mudei a forma de mostrá-las a vocês. Antes eu colocava aqui os vídeos no YouTube. Este ano me modernizei e fiz uma playlist no Spotify. Não uso o serviço de streaming para ouvir música, mas para esta empreitada ele é a melhor opção, por deixar o texto menos pesado. E confesso que fiquei impressionado com o acervo, todas as músicas que procurei estavam lá (eu sei, eu sei, agora eu fiquei parecendo um velhinho maravilhado com as maravilhas do mundo moderno).
Antes de partir pras músicas, algumas considerações que faço todo ano: não consumo música por streaming, apenas por CDs, que coleciono e compro em quantidade maior do que deveria, e menor do que gostaria. Também quase nunca ouço álbuns lançados no mesmo ano, em geral faço uma “comprona” de CDs a cada ano ou dois, compro alguns em sebos quando estou viajando, mas quase nunca são discos recém lançados. Também raramente ouço coletâneas, tento me ater a discos de carreira.
Ouvi 68 discos no ano passado, sendo 37 internacionais e 31 nacionais. Abaixo segue um pequeno texto sobre cada uma das faixas, e depois a playlist do Spotify.
Espero que as músicas tragam boas vibrações, e que no ano que vem haja mais motivos para comemorar (só o fato de termos um ser humano, seja qual for, na cadeira da presidência em 2023, já será motivo de júbilo).
1 – Agradeça – Artista: Mão de Oito – Composição: Cohen – Álbum: Um dia que já vem (2012)
Eu comecei meu ano de 2021 ouvindo um disco da banda Terno Rei, chamado “Violeta”. É um disco bonito, mas lúgubre, cinza, melancólico, adjetivos que eu aprecio em músicas, mas que, para janeiro de 2021, não me caíram bem. Logo em seguida ouvi este disco do Mão de Oito, o exato oposto, um álbum solar, brilhante, pra se sentir bem. Por exemplo, a primeira faixa, “Imagem de Barro”, começa com os versos “A imagem de barro olhou pra mim/ E disse assim/ Que eu não devo mais chorar”. E assim eu deixei de chorar, ao menos por um tempo. “Agradeça”, a faixa que escolhi, tem o refrão que mais grudou na minha cabeça no ano: “É, agradeça a tudo/ E cuide bem do seu amor”. Simples e efetivo.
2 – Barcarole – Artista: Eumir Deodato – Composição: Eumir Deodato – Álbum: Percepção (1972)
Não sou um grande fã de música instrumental, porque sempre me parece faltar algo. O canto, as letras, a mensagem. Mas desde que ouvi “Barcarole” pela primeira vez, já sabia que ela seria uma das minhas músicas preferidas do ano. Embora tenha gravado o disco no Brasil, Eumir já morava nos Estados Unidos, para onde se mudou em 1968. Talvez por conta das influências norte-americanas, todo o disco parece uma trilha sonora de filme, com as melodias e os arranjos sintetizando, mesmo sem letras, o título das músicas. “Barcarole”, por exemplo, é uma música folclórica cantada pelos gondoleiros de Veneza. Basta fechar os olhos e imaginar o cenário, que para mim também está cheio de crianças sorrindo. Não poderia ficar melhor.
3 – Ela – Artista: Tim Bernardes – Composição: Tim Bernardes – Álbum: Recomeçar (2017)
Embora goste do som, sempre tive uma certa dificuldade em me conectar emocionalmente ao trabalho d´O Terno, a banda da qual Tim é vocalista e principal compositor. Existe certa intelectualidade e certo cinismo que afastam um pouco o ouvinte da emoção. Isso mudou um pouco em “Melhor do que parece” (o segundo disco da banda), especialmente em “Volta”, e aqui, neste trabalho solo de Tim, ainda mais. Sim, Tim tem um jeito de escrever que é rebuscado, mas aqui os versos estão mais crus, e o canto também. Cheio de falsetes, ele parece querer ser outro, pra sofrer menos. É muito legal como Tim conseguiu fazer um disco simples, e ao mesmo tempo grandioso – e como ambos os adjetivos podem se referir à temática das canções e à produção do disco. A faixa “Ela” traz apenas Tim e seu violão de nylon. Uma lindeza, com Tim falando sobre uma relação que até pode ser de amizade, mas parece um amor não correspondido, traçando o perfil de uma mulher que não olha, não ouve, não sente, não diz, mas “eu vejo, eu ouço, eu sinto, eu digo”, sendo esses os finais de cada estrofe.
4 – Piquenique no Horto – Artista: Maurício Pereira – Composição: Maurício Pereira/Daniel Galli/Filipe Trielli) – Álbum: Outono no Sudeste (2018)
Era tentador demais para que eu resistisse. Eu tinha que colocar uma música do Maurício Pereira, o pai de Tim Bernardes, aqui nesta lista. Não foi uma tarefa difícil, já que Outono no Sudeste é um belo disco. Maurício tem um canto bem coloquial, paulistano, e as letras são muito importantes em sua arte. A parte instrumental também é muito boa, trabalhando com diversos ritmos (samba, funk americano, jazz, forró), mas sempre trazendo para a linguagem da banda, com baixo, guitarra e bateria, e o Fender Rhodes e o Bombardino, quase onipresentes, que não deixam os arranjos nunca ficarem banais. “Piquenique no Horto” é um sambinha que vira valsa, depois vira samba de novo, falando de um domingo de piquenique no horto, onde eu “vou de cabelo solto”.
5 – Às Vezes – Artista: Tulipa Ruiz – Composição: Luiz Chagas – Álbum: Efêmera (2010)
Tenho impressão que este é o momento em que boa parte dos leitores pensa “não acredito que esse cara não conhecia essa música”. Pois é, por algum motivo esse primeiro disco da Tulipa passou batido por mim à época, exceto por uma ou outra faixa. Embora seja um disco autoral, com Tulipa participando da composição de (quase) todas as faixas, ela acabou abrindo uma exceção para esta aqui. Não sem motivo: a canção é de Luiz Chagas, pai de Tulipa, e guitarrista da banda dela, além de ter feito parte da lendária Isca de Polícia, a banda de Itamar Assumpção. “Às vezes” é uma delícia, um rockzinho que puxa um pouco pro Dire Straits, e não é por acaso, já que a letra cita “Money for nothing”. A letra fala sobre uma história de amor bem paulistana, que talvez não tenha dado muito certo, mas aparentemente não causa tanto dor, só aquele breve lamento.
6 – Preparando o Salto – Artista: Siba – Composição: Siba – Álbum: Avante (2012)
Não sei se foi Siba quem inventou de colocar uma tuba para substituir o contrabaixo. Sei que a ideia é genial, e funciona muito bem. O outro disco de Siba que eu conhecia, chamado De Baile Solto, também usa esse recurso. Além disso, Siba usa bastante o vibrafone (aquele teclado que é tocado com uma baquetinha, sabem?), que tem uma capacidade meio onírica, embelezando muito as faixas. Siba toca guitarra, e não faz grandes solos, mas tem um jeito muito peculiar de tocar, com fraseados curtos, que ponteiam as faixas. “Preparando o salto” é uma canção sobre recomeço, um criar de asas, mas não sem dor: “Antes de nascerem as plumas/ Com minhas unhas quero me arranhar/ Pra ter riscado na pele/ Um mapa tosco pra poder voltar”.
7 – Viagem – Artista: Odair José – Composição: Odair José – Álbum: Odair (1975)
É, parece que sempre que eu ouvir um disco do Odair José, vai ter música dele aqui na lista das melhores. Acho que o maior talento de Odair é fazer canções cantaroláveis, facilmente assimiláveis. Em duas ou três audições você já se pega cantarolando junto os refrãos. Ao contrário de Roberto, que fazia música para baleias e outros quetais, o foco de Odair é quase que total nos relacionamentos amorosos. Temáticas de casamento e vida a dois são uma constante neste álbum. “Viagem” é bem psicodélica, e as antas do departamente de censura, embora ficassem sempre em cima de Odair, não perceberam que se tratava de uma música sobre drogas, e Odair se refere a ela, hoje, como a “música da maconha”.
8 – Noite Inteira – Artista: Pitty – Composição: Pitty/Martin/Gui Almeida) – Álbum: Matriz (2019)
Curiosamente, este foi o primeiro disco da Pitty que eu ouvi com atenção. Claro que conheço muitos dos sucessos dela, porque tenho ouvidos e não estive em Marte nas últimas décadas, mas nunca tinha parado para ouvir com atenção algum de seus trabalhos. É um disco de rock, sim, especialmente na atitude (odeio essa palavra, mas vá lá), mas bastante diverso musicalmente, com reggaes, música brega, samba de roda e outros quetais. Na temática, embora eu não tenha acompanhado com atenção o trabalho dela esses anos todos, dá pra ver que a questão da auto-aceitação é bastante importante para ela, desde “seja você, mesmo que seja estranho, seja você, mesmo que seja bizarro”, que é antiga, até algumas faixas deste disco. “Noite inteira” tem uma batida meio disco, é animadaça, e tem um refrão que é dos mais grudentos. A letra fala sobre a noite, mas também sobre política, sobre revolução, e tem Lazzo Matumbi dando o recado no final da faixa: “Respeite a existência, ou espere resistência”.
9 – Solução de Vida (Molejo Dialético) – Artista: Paulinho da Viola – Composição: Paulinho da Viola/Ferreira Gullar – Álbum: Bebadosamba (1996)
Paulinho é daquelas vozes para se ouvir a vida inteira, sem cansar. Entra junto com Geraldo Azevedo, Cartola, entre outros, na lista das vozes mais delicadas da nossa música. Esse disco tem composições inspiradíssimas, quase todas do próprio Paulinho, seja sozinho, seja com parceiros. Os arranjos quase sempre envolvem cordas, sopros e pianos, além dos instrumentos de samba. Coisa fina. “Solução de vida (Molejo dialético)” tem letra do poeta Ferreira Gullar, e foi feita como letra de música mesmo, e não como poema. Mostra realmente como uma letra de música só completa o sentido ao ser ouvida. Eu li a letra no encarte, e achei que seria uma canção pesada, triste, falando sobre como a vida é algo insolúvel. Mas que nada, é um sambinha gostoso que só, transmutando os sentidos das palavras, e terminando com a repetição gostosa de “A vida, portanto, meu caro, não sem solução”. Talvez a conclusão seja que a solução da vida é um bom samba.
10 – Spiritual – Artista: Alice Caymmi – Composição: Alice Caymmi – Álbum: Alice (2018)
Eu tinha acabado de ouvir um disco do Kassin. O Kassin, verdade seja dita, é um produtor nota 10, um compositor nota 7 e um cantor nota 2. O canto dele é sem personalidade, parece um pedaço de parede que canta (ei, eu gostei do disco do Kassin, quase que entrou uma música aqui entre as melhores). Fato é que ouvir Alice Caymmi cantar, depois de Kassin, foi como sair de um jogo do São Paulo do segundo semestre de 2021 diretamente para um jogo do São Paulo de 1992 (metáforas futebolísticas + Central3 = liberado). Foi um sopro de vida ouvir o canto emotivo e o timbre diferenciado, pendendo para o grave, de Alice. “Spiritual” é a primeira faixa do disco, e começa com umas flautas, uma coisa meio exótica, para depois entrar um violão com notas sinistras. É uma faixa forte, e o canto de Alice a deixa mais forte ainda, bastante emocional e teatral.
Um comentário em “As melhores músicas (nacionais) de (meu) 2021”